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A Igreja crê e confessa que, entre os sete sacramentos, há um especialmente
destinado a reconfortar aqueles que são provados pela enfermidade: a Unção dos
Enfermos, determinando, porém, que só pode ser administrada por sacerdotes. Como
entre nós são milhões os que, por causa da escassez dos ministros ordenados, não
têm ocasião de receber este sacramento, surge a pergunta se a Igreja não poderia
pensar em ministros extraordinários para este meio de auxiliar os enfermos.
Para ajudar na busca de uma solução, talvez possam ajudar as seguintes
observações:
Nos primeiros sete séculos, o sacramento da Unção dos Enfermos podia ser
administrado por qualquer cristão, isto é: o sacerdote não era o necessário ou
único ministro da administração da Unção. É o que lemos na resposta que o Papa
Inocêncio I deu a uma consulta do Bispo Decentius, de Gubbio, na Carta Si
instituta ecclesiastica, de 19 de março de 416. Embora seja ocasional, a Carta
entrou nas mais importantes coleções canônicas ocidentais anteriores ao século
IX e serviu como ponto de partida para a praxe e o conhecimento teológico deste
sacramento. A parte relacionada com a Unção dos enfermos se encontra no
Enchiridion Symbolorum de Denzinger-Schönmetzer (n. 216). Depois da citação de
Tg 5, 14-15, declara o Papa que os fiéis enfermos podem ser ungidos com o santo
óleo do crisma que, feito ("confectus") pelo Bispo, não só aos sacerdotes, mas a
todos os cristãos é lícito usar para ungir-se em sua própria necessidade e na
dos outros: "Quod non est dubium de fidelibus aegrotantibus accipi vel intelligi
debere, qui sancto oleo chrismatis perungi possunt, quod ab episcopo confectum, non solum
sacerdotibus, sed et omnibus uti Christianis licet in sua aut in suorum
necessitate ungendum". Mas o Papa esclarece que esta Unção não pode ser
administrada aos penitentes públicos, "quia genus est sacramenti". Portanto não
está se referindo a um simples e piedoso rito de devoção popular (ou, como
diríamos hoje, "sacramental").
A Carta de Inocêncio I dá a entender que está falando de um costume conhecido e
divulgado na época. Eis alguns exemplos para confirmar a tese:
Já Hipólito de Roma, na Traditio apostolica, o mais antigo documento litúrgico
que possuímos, informava: "Se alguém oferece óleo, que o Bispo dê graças da
mesma maneira que para a oblação do pão e do vinho; que se expresse não nos
mesmos termos, mas no mesmo sentido, dizendo: Assim como ao santificar este óleo
com que ungiste os reis, os sacerdotes e os profetas, assim também seja ele
conforto àqueles que o bebem e saúde para os que o usam".
O Sacramentário Gelasiano, também antiqüíssimo, rezava: "A todos que se ungem, o
bebem, o usam, lhes traga a proteção do corpo".
São Cesário de Arles, pelos anos 503-504, fez vários sermões com alusões à Unção
dos enfermos. No Sermão 13 disse ao povo: "Todas as vezes que sobreviver uma
enfermidade qualquer, o doente deve receber o corpo e o sangue de Cristo:
humilde e fielmente peça-lhe o óleo bento pelos sacerdotes e, a seguir, unja o
seu corpo para que aquilo que está escrito se realize nele". Tomo a tradução do
livro de Claude Ortemann, A força dos que sofrem (tradução do original francês:
Le Sacrament des Malades. Histoire et signification), Edições Paulinas, S. Paulo
1978, p. 31. Era a alternativa que ele propunha para evitar que o povo fosse aos
curandeiros ou feiticeiros. No Sermão 184, volta ao mesmo tema e suplica às mães
que não levem seus filhos aos "medicamentos diabólicos", argumentando: "Quanto
mais justo e razoável seria recorrer à Igreja, receber o corpo e o sangue de
Cristo, ungir, com fé, seja o próprio corpo ou o dos seus, com o óleo bento".
Depois continua: "Mas, dirão talvez, por que o nosso Bispo admoesta-nos tant
as vezes a este respeito? Por uma razão, meus irmãos: por saber que, apesar de
nossas freqüentes advertências, tais impiedades são ainda praticadas por muitas
pessoas; disso temos conhecimento através de inúmeros relatos".
O Bispo Elói, de Noyon (falecido em 660), retoma a atitude de Cesário de Arles,
opondo a Unção dos enfermos à medicina mágica. O texto também se encontra na
citada obra de Ortemann, p. 36. Leia-se este trecho: "Todas as vezes que
aparecer uma enfermidade qualquer, não se consulte nem com oragos nem adivinhos,
nem feiticeiros ou charlatães e não se coloquem filactérios diabólicos nas
fontes, nas árvores ou nas encruzilhadas. Que o enfermo deposite toda a sua
confiança somente na misericórdia divina, receba com fé e devoção a Eucaristia
do corpo e sangue de Cristo e seja fiel em pedir à Igreja o óleo bento, com o
que ungirá seu corpo em nome de Cristo".
São Beda, o Venerável, falecido em 735, no comentário de Tiago 5, 14-16,
escreve: "É o que também fizeram os Apóstolos, conforme lemos no Evangelho; e o
costume atual da Igreja mantém que os enfermos sejam ungidos pelos sacerdotes
com o óleo consagrado e curados pelas orações que o acompanham. Não somente aos
sacerdotes, conforme escreve o Papa Inocêncio, mas ainda a todos os cristãos é
permitido usar do mesmo óleo, fazendo-lhes a unção quando a sua doença ou a dos
seus os impele. Entretanto, somente aos Bispos é permitido a bênção desse óleo"
(p. 38 do citado livro de Ortemann).
Esta última informação de São Beda chama nossa atenção para um ponto de singular
valor: naquela época se pensava que a força ou a virtude do sacramento da Unção
estava no óleo consagrado ou bento. O Santo Óleo ("Ave Sanctum Oleum!")
pertencia à categoria do sacramento permanente, como a Eucaristia. Assim como o
pão consagrado já tem em si a força do sacramento, também o óleo bento
consagrado pelo Bispo. Como na Eucaristia o ministro propriamente dito é o
sacerdote que consagra o pão (e este pão consagrado pode ser depois administrado
por um diácono ou até por um cristão leigo devidamente comissionado, que, neste
caso, será apenas impropriamente "ministro"), assim também no sacramento da
Unção o ministro propriamente dito seria o Bispo que consagra o óleo e aquele
que o aplica na unção seria impropriamente ministro. O Concílio Vaticano II fala
dos Bispos como ministros "originários" da Confirmação (LG 26c); talvez da mesma
maneira se poderia falar deles como ministros originários da Unção.
"Originários", por causa da solene consagração dos santos óleos. A origem ou força do sacramento já
está no óleo consagrado. O ministro da administração seria neste caso uma
questão secundária, não dogmática, disciplinável pelo poder de condução da
Igreja. Basta ler com atenção as fórmulas de consagração do óleo, mesmo a de
1970, que é praticamente a mesma fórmula romana Emite, do início do século V.
Houve apenas pequena omissão, mas muito significativa. Hoje se reza: "...que
pela vossa santa bênção [este óleo] seja para todos que com ele forem ungidos
proteção do corpo, da alma e do espírito, libertando-os de toda dor, toda
fraqueza e enfermidade"; no século V se rezava: "...que pela vossa santa bênção
[este óleo] seja para todos que com ele forem ungidos, que o bebem ou
apliquem, proteção do corpo, da alma e do espírito, libertando-os de toda dor,
toda fraqueza e enfermidade". O que aqui é grifado é do século V, mas foi
omitido em 1970. Aliás, também vários outros textos daquele tempo supõem, como
este, a possibilidade de receber o óleo bento na forma de bebida. Não havia fórmula prescrita para a válida
administração ou unção. Em sentido aristotélico-escolástico, a "forma
sacramenti" estava toda ela na própria consagração do óleo.
A partir da reforma carolíngia, a administração do óleo consagrado é reservada
exclusivamente aos sacerdotes (bispos e presbíteros). Segundo os Statuta
Bonifacii, do começo do século IX, devem os sacerdotes em suas viagens levar
sempre consigo a Eucaristia e o Santo Óleo; e lhes é proibido sob pena de
deposição confiar aos leigos o Santo Óleo. A gravidade da sanção mostra que o
uso ou abuso que se desejava reprimir devia estar muito difundido. Mas naquela
época mudara profundamente toda a concepção deste sacramento: de unção dos
enfermos passou a ser unção dos moribundos ("extrema unção"); de consagração do
éolo passou a ser administração da unção; de sacramento com efeitos corporais
passou a ser sacramento de efeitos espirituais; de sacramento autônomo passou a
estar unido à Penitência ("consummativum paenitentiae"). A teologia escolástica
do século XIII já herdera uma situação de fato: o ministro da Unção é o
sacerdote, o mesmo da Penitência. A questão já não era nem discutida.
É deste contexto histórico que surgiu a categórica afirmação no Concílio de
Florença, em 1439: "Minister huius sacramenti est sacerdos" (DS 1325). Era uma
formulação tomada do Opusculum de articulis fidei et ecclesiae de Santo Tomás de
Aquino para o Decreto aos armênios, documento que nunca foi considerado como
texto conciliar propriamente dito, mas teve, não obstante, grande influência,
mesmo no Concílio de Trento. Veja-se sobre isso o Handbuch der Dogmengeschichte,
vol. IV, facs. 3: Busse und Krankensalbung, elaborado por H. Vorgrimler. O
Concílio de Trento retomará a expressão de Florença, mas com mais matizada
formulação: "Proprios huius sacramenti ministros esse ecclesiae presbyteros" (DS
1697).
Esta doutrina de Trento defende contra as negações protestantes a ordenação
jurídica e litúrgica da Igreja de seu tempo, porém, observa o citado historiador
do dogma Herbert Vorgrimler (p. 229), sem pretender dar uma definição dogmática,
nem excluir que, além, do ministro "próprio" possa haver ministro
extraordinário. Confira-se sobre esta questão também o artigo de Philippe
Rouillard, O.S.B., "Le ministre du sacrement de I'Onction des malades", na
Nouvelle Revue Théologique, 1979, pp. 395-402. Na p. 400 escreve: "Vale a pena
sublinhar esta denominação de ministro "próprio", que sugere a possibilidade de
outros ministros, ocasionais ou delegados, como a disciplina da Igreja o admite
para o Batismo, a Confirmação ou a distribuição da Eucaristia"; e cita o artigo
de J. Ch. Didier, "L'Onction des malades dans la Théologie contemporaine",
publicado em La Maison-Dieu de 1973, pp. 57-80, que observa que ministro
"próprio" não significa necessariamente "exclusivo" e pode ser comparado com o
ministro "ordinário".
Mas o atual Direito Canônico insiste numa formulação seca: "Unctionem infirmorum
valide administrat omnis et solus sacerdos" (cân. 1003 § 1). E o novo Catecismo
da Igreja Católica repete no n. 1516: "Só os sacerdotes (bispos e presbíteros)
são ministros da Unção dos Enfermos".
Seria esta determinação de instituição divina (e, portanto, dogmática) ou
meramente eclesiástica (e, portanto, disciplinar)? O Concílio de Trento ensina
que "a Igreja teve em todo o tempo o poder de, ao administrar os sacramentos,
determinar e mudar, salva sempre a sua substância, o que julgar conveniente à
utilidade dos que os recebem e à veneração dos mesmos sacramentos, conforme a
variedade dos tempos e lugares" (DS 1728). A condição fundamental indicada pelo
Concílio de Trento é esta: salva illorum substantia. A Igreja não tem nenhum
poder sobre a "substância dos sacramentos", isto é, explicava Pio XII em 1947 na
Constituição Apostólica Sacramentum Ordinis, "aquelas coisas que, conforme o
testemunho das fontes da revelação, Cristo Senhor estabeleceu que deviam ser
observadas no sinal sacramental" (D 3857).
Segundo este modo de falar, deve haver uma "substância do sacramento da Unção
dos enfermos" acerca da qual a Igreja não tem nenhum poder de modificação.
Devemos, pois, concluir que tudo aquilo que no decorrer dos séculos foi
modificado na administração da Unção dos enfermos não faz parte da substância
deste sacramento e, por conseguinte, não é de instituição divina. Ora, na
questão do ministro da administração da Unção dos enfermos houve mudanças
profundas: por conseguinte não é um elemento substancial. Se o sacerdote como
único ministro possível da administração da Unção dos enfermos fosse uma
determinação do Senhor Jesus, a Igreja, durante ao menos sete séculos, teria
sido infiel a esta vontade de seu divino Fundador. Mas os primeiros séculos,
como também todos os posteriores, no Ocidente e no Oriente são unânimes em
proclamar que a consagração do óleo só pode ser realizada por um sacerdote,
precisando-se quase sempre que deve ser um Bispo. Se admitimos a concepção
corrente dos primeiros séculos, a Unção é um sacramento cuja virtude já está presente no Santo Óleo e, portanto, é feita
("conficitur", dizia a Carta de Inocêncio I) nesta consagração sempre e
exclusivamente por um ministro ordenado; e este ministro é então propriamente o
ministro do sacramento como tal. Assim se entenderia sem dificuldade a definição
de Trento: "Proprium extremae unctionis ministrum... esse solum sacerdotem" (DS
1719). A regulamentação da administração ou aplicação do óleo já consagrado (ou
seu ministro "impróprio") seria então uma questão disciplinar e não dogmática. E
neste sentido se compreenderia também a mais recente determinação do novo
Direito Canônico: "Unctionem infirmorum valide administrat omnis et solus
sacerdos" (cân. 1003). Em virtude de seu poder e dever de condução (LG 27), a
suprema autoridade pode prescrever condições também para a validade da
administração de um sacramento, como o fez para a Confissão, o Matrimônio e a
Ordem.
Poderia, por conseguinte, a Igreja modificar sua atual disciplina. Ao menos
nesta nossa América Latina e particularmente neste imenso Brasil, morrem milhões
de cristãos sem terem sequer a possibilidade física de receber o sacramento da
Unção dos enfermos. Mas em virtude do Batismo, que a Igreja generosamente lhes
administrou, até mesmo mediante leigos, eles têm um direito também a este
sacramento. Lemos no Vaticano II: "Deseja ardentemente a Mãe Igreja que todos os
fiéis sejam levados àquela plena, consciente e ativa participação das
celebrações litúrgicas, que a própria natureza da Liturgia exige e à qual, por
força do Batismo, o povo cristão... tem direito e obrigação" (SC 14a).
Ao direito corresponde o dever. Se nossos batizados têm "direito e obrigação" de
receber a Unção dos enfermos, os altos responsáveis da Igreja - os únicos que
podem com sua autoridade resolver tão angustiante problema - têm o dever de
oferecer-lhes e facilitar-lhes tudo aquilo a que os batizados têm direito
divino. Não dar aos enfermos católicos a oportunidade de serem confortados com
este sacramento instituído por Jesus Cristo precisamente para eles, é de fato
uma gravíssima omissão pastoral e configura para os fiéis uma verdadeira
situação de injustiça. Mas entre nós tal fato injusto se dá, sem nenhum exagero,
milhões de vezes. Além disso, há inúmeras seitas do tipo curandeirista que
prometem à gente doente e muitas vezes pobre a cura de suas enfermidades. Assim
o fazem todos os pentecostais (que perfazem 73% do protestantismo brasileiro),
algumas religiões orientais (como o Seicho-no-iê, já amplamente difundido),
movimentos religiosos afro-brasileiros e pseudo-espirituais, com o Espiritismo,
a Umbanda, o Esoterismo, etc. E são muitos os que vão até lá; e muitíssimos deles não estão em
condições financeiras de procurar médicos e comprar remédios nas farmácias.
Nestas circunstâncias, o pastor sente vontade de poder repetir à gente de hoje
aquilo que São Cesário de Arles recomendava aos fiéis de seu tempo. Poderia
talvez não ser conveniente voltar simplesmente à praxe suposta na Carta de
Inocêncio I. Mas não se vê porque não conceder aos diáconos, às religiosas
enfermeiras ou aos ministros paroquiais não ordenados a faculdade de ungir
nossos doentes pronunciando as palavras sacramentais determinadas pelo Papa
Paulo VI: "Por esta santa unção e pela sua piíssima misericórdia, o Senhor venha
em teu auxílio com a graça do Espírito Santo, para que, liberto dos teus
pecados, Ele te salve e, na sua bondade, alivie os teus sofrimentos. Amém".