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Conheço sete espécies de falsos devotos e falsas devoções à Santíssima Virgem:
Os devotos críticos são, em geral, sábios orgulhosos, espíritos fortes e
presumidos, que têm no fundo uma certa devoção à Santíssima Virgem, mas que
vivem criticando as práticas de devoção que a gente simples de boa - fé e
santamente a esta boa Mãe, pelo fato de estas devoções não agradarem à sua
culta fantasia. Põem em dúvida todos milagres e histórias narrados por
autores dignos de fé, ou inseridos em crônicas de ordem religiosas,
atestando as misericórdias e o poder da Santíssima Virgem. Repugna-lhes ver
pessoas simples e humildes ajoelhadas diante de um altar ou de uma imagem da
Virgem, às vezes no recanto de uma rua, rezando a Deus; chegam a acusá-las
de idolatria, como se estivessem adorando a pedra ou a madeira. Dizem que,
de sua parte, não apreciam essas devoções exteriores e que seu espírito não
é tão fraco que vá dar fé a tantos contos e historietas que se atribuem à
Santíssima Virgem. Quando alguém lhes repete os louvores admiráveis que os
Santos Padres dão à Santíssima Virgem, respondem que são flores de retórica,
ou exagero, que aqueles escritores eram oradores; ou dão, então, uma
explicação má daquelas palavras.
Esta espécie de falsos devotos e orgulhosos e mundanos é muito para
temer, e eles causam um mal infinito à devoção à Santíssima Virgem, dela
afastando eficazmente o povo, sob pretexto de destruir-lhe os abusos.
2. OS DEVOTOS ESCRUPULOSOS
Os Devotos escrupulosos são aqueles que receiam desonrar o Filho,
honrando a Mãe, e rebaixá-lo se a exaltarem demais. Não podem suportar que
se repitam à Santíssima Virgem aqueles louvores justíssimos que lhe teceram
os Santos Padres; não suportam sem desgosto que a multidão ajoelhada aos pés
de Maria seja maior que ante o altar do Santíssimo Sacramento, como se
fossem antagônicos, e como se os que rezam à Santíssima Virgem não rezassem
a Jesus por meio dela. Não querem que se fale tão freqüentemente da
Santíssima Virgem, nem que se recorra tantas vezes a ela.
Algumas frases eles as repetem a cada momento: Para que tantos terços,
tantas confrarias e devoções exteriores à Santíssima Virgem? Vai nisso muito
de ignorância! É fazer da religião uma palhaçada. Falai-me, sim, dos que são
devotos de Jesus Cristo (e eles o nomeiam, muitas vezes sem se descobrir,
digo-o entre parêntesis): cumpre recorrer a Jesus Cristo, pois é ele o nosso
único medianeiro; é preciso pregar Jesus Cristo, isto sim que é sólido!
Em certo sentido é verdade o que eles dizem. Mas, pela aplicação que lhe
dão, é bem perigoso e constitui uma cilada sutil do maligno, sob o pretexto
de um bem muito maior, pois nunca se há de honrar mais a Jesus Cristo, do
que honrando a Santíssima Virgem, desde que a honra que se presta a Maria
não tem outro fim que honrar mais perfeitamente a Jesus Cristo, e que só se
vai a ela como ao caminho para atingir o termo que Jesus Cristo.
A Santa Igreja, como o Espírito Santo, bendiz primeiro a Santíssima
Virgem e depois Jesus Cristo: "benedicta tu in mulieribus et benedictus
fructus ventris tui Iesus". Não porque a Santíssima Virgem seja mais ou
igual a Jesus Cristo: seria uma heresia intolerável, mas porque, para mais
perfeitamente bendizer Jesus Cristo, cumpre bendizer antes a Maria. Digamos,
portanto, com todos os verdadeiros devotos de Maria, contra seus falsos e
escrupulosos devotos: Ó Maria, bendita sois vós entre todas as mulheres e
bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus!
3. OS DEVOTOS EXTERIORES
Devotos exteriores são as pessoas que fazem consistir toda a devoção à
Santíssima Virgem em práticas exteriores; que só tomam interesse pela
exterioridade da devoção à Santíssima Virgem, por não terem espírito
interior; recitarão às pressas uma enfiada de terços, ouvirão, sem atenção,
uma infinidade de missas, acompanharão as procissões sem devoção, farão
parte de todas as confrarias sem emendar de vida, sem violentar suas
paixões, sem imitar as virtudes desta Virgem Santíssima. Amam apenas o que
há de sensível na devoção, sem interesse pela parte sólida. Se suas práticas
não lhes afetam a sensibilidade, acham que não há nada mais a fazer, ficam
desorientados, ou fazem tudo desordenadamente. O mundo está cheio dessa
espécie de devotos exteriores e não há gente que mais critique as pessoas de
oração que se dedicam à devoção interior sem desprezar o exterior de
modéstia, que acompanha sempre a verdadeira devoção.
4. OS DEVOTOS PRESUNÇOSOS
Os devotos presunçosos são pecadores abandonados a suas paixões, ou amantes
do mundo, que sob, o belo nome de cristãos e devotos da Santíssima Virgem,
escondem ou o orgulho, ou a avareza, ou a impureza, ou a blasfêmia, ou a
maledicência, ou a injustiça, etc.; que dormem placidamente em seus maus
hábitos, sem violentar-se muito para se corrigir, alegando que são devotos
da Virgem; que prometem a si mesmos que Deus lhes perdoará, que não serão
condenados porque recitam seu terço, jejuam aos sábados, pertencem à
confraria do santo Rosário ou do Escapulário, ou a alguma congregação;
porque trazem consigo o pequeno hábito ou a cadeiazinha da Santíssima
Virgem, etc.
Quando alguém lhes diz que sua devoção não é mais que ilusão e uma
presunção perniciosa capaz de perdê-los, recusam-se a crer; dizem que Deus é
bom e misericordioso e que não nos criou para nos condenar; que não há homem
que não peque; que eles não hão de morrer sem confissão; que um bom peccavi
à hora da morte basta; de mais a mais que eles são devotos da santíssima
Virgem, cujo escapulário usam; e em cuja honra dizem, todos os dias,
irrepreensivelmente e sem vaidade (isto é, com fidelidade e humildade) sete
Pai-Nosso e sete Ave-Maria; que recitam mesmo, uma vez ou outra, o terço e o
ofício da santíssima Virgem; que jejuam, etc. Para confirmar o que dizem e
mais aumentar a própria cegueira, relembram umas histórias que leram ou
ouviram, verdadeiras ou falsas não importa, em que se afirma que pessoas
mortas em pecado mortal, sem confissão, só pelo fato de que em vida tinham
feito algumas orações ou práticas de devoção à Santíssima Virgem,
ressuscitaram para se confessar, ou sua alma permaneceu milagrosamente no
corpo até se confessarem, ou ainda, que pela misericórdia da Santíssima
Virgem, obtiveram de Deus, na hora da morte, a contrição e perdão de seus
pecados, e se salvaram. Eles esperam, portanto, a mesma coisa.
Não há, no cristianismo, coisa tão condenável como essa presunção
diabólica; pois será possível dizer de verdade que se ama e honra a
Santíssima Virgem, quando, pelos pecados, se fere, se traspassa, se
crucifica e ultraja impiedosamente a Jesus Cristo, seu Filho? Se Maria
considerasse uma lei salvar essa espécie de gente, ela autorizaria um crime,
ajudaria a crucificar e injuriar seu próprio Filho. Quem o ousaria pensar?
Digo que abusar assim da devoção a Santíssima Virgem, a mais santa e a
mais sólida depois da devoção a Nosso Senhor e ao Santíssimo Sacramento, é
cometer um horrível sacrilégio, o maior e o menos perdoável, depois do
sacrilégio duma comunhão indigna.
Confesso que, para ser alguém verdadeiramente devoto da Santíssima
Virgem, não é absolutamente necessário ser santo ao ponto de evitar todo
pecado, conquanto seja este o ideal; mas é preciso ao menos ( note-se bem o
que vou dizer):
5. OS DEVOTOS INCONSTANTES
Devotos inconstantes são aqueles que são devotos da Santíssima Virgem
periodicamente, por intervalos e por capricho: hoje são fervorosos, amanhã,
tíbios; agora mostram-se prontos a tudo empreender em serviço de Maria e
logo após já não parecem os mesmos. Abraçam logo todas as devoções à
Santíssima Virgem, ingressam em todas as suas confrarias, e em pouco tempo
já nem observam as regras com fidelidade; mudam como a lua, e Maria os
esmaga sob seus pés como faz ao crescente, pois eles são volúveis e indignos
de ser contados entre os servidores desta Virgem fiel, que têm a fidelidade
e a constância por herança. Vale mais não sobrecarregar de tantas orações e
práticas de devoção, e fazer poucas com amor e fidelidade, a despeito do
mundo, do demônio e da carne.
6. OS DEVOTOS HIPÓCRITAS
Há também falsos devotos da Santíssima Virgem, os devotos hipócritas, que
cobrem seus pecados e maus hábitos com o manto desta Virgem fiel, a fim de
passarem aos olhos do mundo por aquilo que não são.
7. OS DEVOTOS INTERESSEIROS
Há ainda os devotos interesseiros, que só recorrem à Santíssima Virgem
para ganhar algum processo, para evitar algum perigo, para se curar de
alguma doença, ou em qualquer necessidade desse gênero, sem o que a
esqueceriam; uns e outros são falsos devotos que não têm aceitação diante de
Deus e de sua Mãe Santíssima.
Cuidemos, portanto, de não pertencer ao número dos devotos críticos que
em coisa alguma crêem e de tudo criticam; dos devotos escrupulosos que
receiam ser demasiadamente devotos a Jesus Cristo; dos devotos exteriores
que fazem consistir toda a sua devoção em práticas exteriores; dos devotos
presunçosos, que, sob o pretexto de sua falsa devoção continuam marasmados
em seus pecados; dos devotos inconstantes que, por leviandade, variam suas
práticas de devoção, ou as abandonam completamente à menor tentação; dos
devotos hipócritas que se metem em confrarias e ostentam as insígnias da
Santíssima Virgem a fim de passar por bons; e enfim, dos devotos
interesseiros, que só recorrem à Santíssima Virgem para se livrarem dos
males do corpo ou obter bens temporais.
1. OS DEVOTOS CRÍTICOS
Isto é maravilhosamente útil à conversão de um pecador, mesmo
empedernido; e se meu leitor estiver nestas condições, como que tenha já um
pé no abismo, eu lho aconselho, contanto, porém, que só pratique estas boas
obras na intenção de, pela intercessão da Santíssima Virgem, obter de Deus a
graça da contrição e do perdão dos pecados, e de vencer seus maus
hábitos, e não para continuar calmamente no estado de pecado, a despeito dos
remorsos de consciência, do exemplo de Jesus Cristo e dos santos, e das
máximas do Santo Evangelho.