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PECADO: UMA DOENÇA INSIDIOSA E LETAL
Autor: d. José Carlos de Lima Vaz (sj)
Fonte: Jornal "A Tribuna de Petrópolis" - 11.03.2001
Transmissão: Clarissa Soares

A pergunta foi lançada no artigo do último domingo: Será que a Igreja tem uma remédio para o mal de nosso tempo: a frustração da vida, o tédio, a desilusão, a perda dos sonhos e esperanças, a ansiedade que domina e corrói o homem de hoje?

A sabedoria milenar da fé cristã tem um diagnóstico antigo mas de atualidade surpreendente para este mal do século, esta doença insidiosa e letal que nos aflige: o homem está perdendo o sentido do pecado! Quando a criatura humana perde a consciência da relação que possui com Deus, seu Criador, Senhor e Pai, fica sem referencial para a procura da verdade e para o uso responsável da liberdade. É famosa a frase do Papa Pio XII: o pecado século é a perda do sentido do pecado!

O pecado, ensina-nos a Igreja, não é uma mera percepção interior mórbida da culpa ou a simples transgressão de uma norma ou de um preceito. No íntimo é ele a negação da presença de Deus em sua criatura, não tanto no sentido ateísta de recusar sua existência mas no sentido secularista de considerá-lo dispensável ou descartável para plena realização pessoal do homem que se considera autônomo. O Papa João Paulo II, logo no início do seu pontificado, teve esta afirmação emblemática do projeto religioso-pastoral: que se propunha: O mundo que homem pretende construir sem Deus acaba se voltando contra o próprio homem (O Redentor do Homem, 16).

O tempo da Quaresma é precisamente o tempo do convite especial da Igreja - com sua íntima autoconsciência de ser mãe e mestra da humanidade - feito a todo homem para se reconciliar com Deus. Este mistério da reconciliação é um dom divino realizado por Cristo e cuja aplicação foi confiada à Igreja, como nos ensina o Apóstolo Paulo: Deus nos reconciliou consigo por Cristo e nos confiou o ministério da reconciliação (2 Cor 5,18).

A língua alemã usa um termo muito significativo - Versöhnung, restituir à filiação - para dizer reconciliação. Com efeito, reconciliado com Deus, o homem se sente novamente acolhido na casa paterna, recupera a amorosa e confiante relação filial com Deus, descobre o significado mais íntimo da própria existência, aceita-se a si mesmo e se sente seguro. Reconciliado com Deus, ele si reconcilia consigo mesmo libertando-se das angústias interiores e superando a consciência das próprias insuficiências e erros. Reconciliado consigo mesmo, é natural que o homem volte a se reconciliar com seu próximo, com a própria vida, com o mundo material que o cerca. O mistério da reconciliação por Cristo e em Cristo tem, com efeito, uma dimensão universal, porque n'Ele aprouve a Deus reconciliar com Ele e para Ele todos os seres, os da terra e os do céu, realizando a paz pelo sangue de sua cruz (Cl 1,20).

É muito significativo que a Quaresma tendo o seu ponto culminante na celebração do amor de Cristo no mistério da Eucaristia e da Cruz, leve o cristão a recordar na noite do Sábado Santo sua origem batismal que o fez filho de Deus e desabroche na profunda e explosiva alegria da Páscoa. Na sua Morte e Ressurreição Cristo, vencendo o pecado e a morte, restitui ao homem a plena vida. Somente nesta vida ele descobre a felicidade pela qual anseia. Nesse tempo a Igreja nos repete a todos a exortação de Paulo aos cristãos de Corinto: Em nome de Cristo suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus! (2 Cor 2,20).