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A pergunta foi lançada no artigo do último domingo: Será que a Igreja tem
uma remédio para o mal de nosso tempo: a frustração da vida, o tédio, a
desilusão, a perda dos sonhos e esperanças, a ansiedade que domina e corrói
o homem de hoje?
A sabedoria milenar da fé cristã tem um diagnóstico antigo mas de atualidade
surpreendente para este mal do século, esta doença insidiosa e letal que nos
aflige: o homem está perdendo o sentido do pecado! Quando a criatura humana
perde a consciência da relação que possui com Deus, seu Criador, Senhor e
Pai, fica sem referencial para a procura da verdade e para o uso responsável
da liberdade. É famosa a frase do Papa Pio XII: o pecado século é a perda do
sentido do pecado!
O pecado, ensina-nos a Igreja, não é uma mera percepção interior mórbida da
culpa ou a simples transgressão de uma norma ou de um preceito. No íntimo é
ele a negação da presença de Deus em sua criatura, não tanto no sentido
ateísta de recusar sua existência mas no sentido secularista de considerá-lo
dispensável ou descartável para plena realização pessoal do homem que se
considera autônomo. O Papa João Paulo II, logo no início do seu pontificado,
teve esta afirmação emblemática do projeto religioso-pastoral: que se
propunha: O mundo que homem pretende construir sem Deus acaba se voltando
contra o próprio homem (O Redentor do Homem, 16).
O tempo da Quaresma é precisamente o tempo do convite especial da Igreja -
com sua íntima autoconsciência de ser mãe e mestra da humanidade - feito a
todo homem para se reconciliar com Deus. Este mistério da reconciliação é um
dom divino realizado por Cristo e cuja aplicação foi confiada à Igreja, como
nos ensina o Apóstolo Paulo: Deus nos reconciliou consigo por Cristo e nos
confiou o ministério da reconciliação (2 Cor 5,18).
A língua alemã usa um termo muito significativo - Versöhnung, restituir à
filiação - para dizer reconciliação. Com efeito, reconciliado com Deus, o
homem se sente novamente acolhido na casa paterna, recupera a amorosa e
confiante relação filial com Deus, descobre o significado mais íntimo da
própria existência, aceita-se a si mesmo e se sente seguro. Reconciliado com
Deus, ele si reconcilia consigo mesmo libertando-se das angústias interiores
e superando a consciência das próprias insuficiências e erros. Reconciliado
consigo mesmo, é natural que o homem volte a se reconciliar com seu próximo,
com a própria vida, com o mundo material que o cerca. O mistério da
reconciliação por Cristo e em Cristo tem, com efeito, uma dimensão
universal, porque n'Ele aprouve a Deus reconciliar com Ele e para Ele todos
os seres, os da terra e os do céu, realizando a paz pelo sangue de sua cruz
(Cl 1,20).
É muito significativo que a Quaresma tendo o seu ponto culminante na
celebração do amor de Cristo no mistério da Eucaristia e da Cruz, leve o
cristão a recordar na noite do Sábado Santo sua origem batismal que o fez
filho de Deus e desabroche na profunda e explosiva alegria da Páscoa. Na sua
Morte e Ressurreição Cristo, vencendo o pecado e a morte, restitui ao homem
a plena vida. Somente nesta vida ele descobre a felicidade pela qual anseia.
Nesse tempo a Igreja nos repete a todos a exortação de Paulo aos cristãos de
Corinto: Em nome de Cristo suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus! (2 Cor
2,20).