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O HOMEM MEDÍOCRE
Autor: Ernest Hello
Fonte: Livro "O Homem" (pp.58-67)
Transmissão: Carlos Melo

Ele nunca fala; repete sempre. Ele não concebe que um homem ainda obscuro, ao qual se é muito chegado, possa ser um homem de gênio.

Suas admirações são prudentes, seus entusiasmos oficiais. Ele menospreza os jovens. Ele só exclamará: "Eu bem que o tinha previsto!" quando a grandeza desse homem obscuro for reconhecida. Mas ele jamais dirá, ante a aurora de um homem ainda ignorado: "Aqui está a glória e o porvir!"

O homem medíocre pode ter tal ou qual aptidão especial: ele pode mesmo ter talento. Mas a intuição lhe é vedada. Ele não tem a segunda visão das coisas; nunca a terá. Ele pode aprender, mas não pode prever. Por vezes ele admite alguma idéia, mas ele não a seguirá em suas múltiplas aplicações. E se se lha apresenta em termos diferentes, ele não mais a reconhece e a rejeita.

Por vezes ele admite algum princípio mas, se se chega às últimas conseqüências desse princípio, ele contestará que se está exagerando. Se a palavra exagero não existisse, o medíocre a inventaria.

O medíocre pode ter estima para com as pessoas virtuosas e para com homens de talento.

Ele tem medo e pavor dos santos e dos homens geniais; ele os acha exagerados.

O homem que ama, nunca é medíocre.

O homem verdadeiramente medíocre admira um pouco todas as coisas, mas não admira nada com calor. Se se lhe devolver seus próprios pensamentos e seus próprios sentimentos com um certo entusiasmo, ele ficará desagradado. Repetirá que sois exagerado. Ele prefere seus inimigos, se forem frios, a seus amigos, se forem quentes. O que ele detesta acima de tudo é o calor.

O medíocre só possui uma paixão: o ódio ao belo. Ele pode repetir muitas vezes uma verdade banal, de um modo banal. Se exprimirdes esta mesma verdade com esplendor, ele vos amaldiçoará, pois aí ele terá encontrado seu inimigo pessoal: o belo.

O homem medíocre gosta dos escritores que não dizem nem sim nem não sobre coisa alguma; daqueles que não afirmam nada e que poupam ataques a todas as opiniões contraditórias.

Toda afirmação parece-lhe insolente, pois ela exclui a proposição contrária. Mas, se se for um tanto amigo e um tanto inimigo de todas as coisas, ele vos considerará sábio e reservado, admirará a delicadeza de vosso pensamento e dirá que possuís o talento das transições e dos matizes.

Para não ser taxado por ele de intolerante, epíteto dirigido contra todos os que pensam de maneira forte, seria preciso refugiar-se na dúvida absoluta. E mesmo assim, seria preciso não chamar a dúvida pelo nome, mas dar-lhe a forma de uma opinião modesta, que leva em conta os direitos da opinião contrária, finge dizer algo e não diz absolutamente nada. A cada frase é preciso acrescentar uma perífrase adocicante: isto parece, se eu ousasse dizer assim, se fosse permitido exprimir-me assim.

Há uma apreensão que permanece no medíocre ativa e em função: é o temor de se comprometer. Por isso exprime alguns pensamentos tomados ao Sr. La Palisse equivalente ao nosso Conselheiro Acácio com a reserva, a timidez e a prudência de homem que teme que suas palavras, demasiadamente ousadas, possam sacudir o mundo.

A primeira palavra que um homem medíocre terá ao julgar um livro será sempre a respeito de um detalhe e, habitualmente, um detalhe de estilo. Está bem escrito, dirá ele, se o estilo for corrente, morno, incolor e tímido. Está mal escrito, ele dirá, quando a vida circula numa obra, quando se cria uma língua falando, quando os pensamentos são ditos com este verdor que constitui a franqueza do escritor. Ele detesta os livros que obrigam a refletir. Mas ele gosta daqueles que são iguais aos outros, daqueles que são conforme aos seus hábitos, que não estouram o seu molde, que são encaixados na sua moldura, aqueles que se conhece de cor antes de tê-los lido, porque são parecidos a todos os livros que se lê desde que se saiba ler.

O medíocre declara que Jesus Cristo deveria ter-Se limitado a pregar a caridade e não a fazer milagres. Ele detesta, aliás, ainda mais os milagres dos santos, sobretudo dos santos modernos. Se se lhe citar um fato simultaneamente sobrenatural e contemporâneo, ele vos responderá que as legendas podem produzir um bom efeito na vida dos santos, mas que é preciso deixá-las aí. Se se lhe fizer observar que o poder de Deus é o mesmo de outrora, ele responderá que se está exagerando.

O medíocre diz que há coisas boas e más em tudo, que não se pode ser absoluto nos julgamentos etc.

Se se afirmar uma verdade de maneira forte, o medíocre dirá que se tem uma confiança demasiada em si mesmo. Ele que tem tanto orgulho, não sabe o que é orgulho! Ele é modesto e orgulhoso, submisso ante Voltaire e revoltado contra a Igreja. Sua divisa é a mesma que o brado de Joab: ousadia, somente contra Deus!

O temor que o medíocre tem das coisas superiores faz-lhe dizer que ele estima, antes de tudo, o bom senso; mas ele não sabe o que é o bom senso. Ele entende por aí a negação de tudo o que é grande.

O medíocre pode muito bem ter essa coisa sem valor que nos salões se chama de espírito, mas ele não poderá ter essa inteligência que é a faculdade de ler a idéia no fato.

O homem inteligente levanta a cabeça para admirar e para adorar; o homem medíocre a levanta para debicar. Tudo aquilo que está acima dele lhe parece ridículo; o infinito parece-lhe ausente.

O medíocre não acredita no diabo.

O medíocre lamenta que a religião tenha dogmas. Ele gostaria que ela ensinasse tão somente a moral. Se se lhe disser que sua moral decorre de seus dogmas, assim como a conseqüência do princípio, ele responderá que se está exagerando.

Ele confunde uma modéstia fugaz -- que é a mentira oficial dos orgulhosos de baixo nível -- com a humildade, que é a virtude ingênua e divina dos santos. Eis a diferença entre essa modéstia e a humildade:

Aquele que é falsamente modesto julga sua razão superior à verdade divina e independente dela mas, ao mesmo tempo, inferior à de Voltaire. Ele se julga inferior aos mais chãs imbecis do século XVIII, mas debica de Santa Tereza. O homem humilde menospreza todas as mentiras, ainda que sejam glorificadas por toda a terra, e se ajoelha ante toda verdade.

O medíocre parece habitualmente modesto, mas ele não pode ser humilde, sob pena de deixar de ser medíocre.

Ele adora Cícero, de modo cego e sem restrições.

O medíocre é o mais frio e feroz inimigo do homem genial. Opõe-lhe a força da inércia, que é uma resistência cruel; opõe-lhe seus hábitos maquinais e invencíveis, a cidadela de seus velhos preconceitos, sua indiferença malévola, seu ceticismo maldoso, este ódio profundo que se parece tanto com a imparcialidade; opõe-lhe a arma das pessoas sem coração, a dureza da tolice.

O gênio conta com o entusiasmo; e pede que se lhe abandone. Ora, o medíocre não se abandona nunca. Ele não tem entusiasmo nem compaixão, pois estas duas coisas andam sempre juntas.

Quando o homem genial se desencoraja e se crê perto da morte, o medíocre o olha com satisfação; ele se acha bem à vontade com essa agonia. Diz ele: bem que eu tinha previsto; esse homem estava num mau caminho, ele tinha demasiada confiança em si mesmo!

Se o homem genial triunfar, o medíocre, repleto de inveja e de ódio, contestá-lo-á com os grandes modelos clássicos, como ele diz, e as pessoas célebres do século passado, tentando crer que o futuro o vingará do presente.

O medíocre é muito mais perverso do que ele imagina, e do que os outros o imaginam, pois que sua frieza vela sua maldade. Ele não se deixa arrebatar nunca. No fundo, ele gostaria de aniquilar as raças superiores, e ele se vinga de não poder fazê-lo implicando com elas. Ele vive cometendo pequenas infâmias que, à força de serem pequenas, não têm aparência de serem infames.

É com alfinetes que ele espeta, e quando o sangue corre ele se regozija, enquanto um assassino, ele, tem medo do sangue que derrama. O homem medíocre não tem jamais medo. Ele se sente apoiado pela multidão dos que lhe são parecidos.

Ele gosta dos sucessos fáceis. Esquecendo o lado essencial de cada coisa e apoderando-se do que elas tem de acidental, ele corre atrás das circunstâncias; mantém-se à espreita das ocasiões; quando vence, ele ainda é dez vezes mais medíocre. Ele se julga a si mesmo, bem como aos outros, segundo o sucesso obtido. Enquanto o homem superior sente sua força interiormente, e sente-a sobretudo quando os outros não a sentem, o medíocre se julgaria um tolo se se passasse por tal; baseia seu equilíbrio nos cumprimentos que lhe são feitos. Sua mediocridade aumenta na razão de sua importância.

A glória e o sucesso não se parecem. A glória tem segredos; o sucesso, caprichos. O medíocre não luta: ele pode vencer no início, ele fracassa sempre em seguida.

O homem superior luta no início e vence em seguida.

O medíocre vence porque segue a correnteza; o homem superior triunfa porque vai contra a correnteza.

O procedimento do sucesso consiste em andar junto com os outros; o procedimento da glória é de marchar contra os outros.

Todo homem que faz conhecer seu nome produz esse efeito, pois que ele é o represente de uma certa parte da espécie humana.

Aqui está a chave de todos os enigmas.

As raças superiores fazem-se representar pelos grandes; as inferiores fazem-no pelos pequenos.

Umas e outras têm seus deputados na assembléia universal. Mas enquanto umas fornecem o sucesso a seus deputados, as outras lhes dão a glória. Aqueles que bajulam os preconceitos e os hábitos de seus contemporâneos são impelidos e vão ao sucesso: trata-se dos homens de seu tempo. Outros são os que rejeitam os preconceitos e os costumes, respiram de antemão o ar do século que lhes seguirá, impelem os outros e vão rumo à glória: são os homens da eternidade.

Eis porque a coragem, que é inútil para o sucesso, torna-se condição absoluta da glória. Grandes são aqueles que se impõem aos homens em vez de sucumbir a eles; que se impõem a si em vez de sucumbirem a si mesmos; que sufocam ao mesmo tempo seus próprios desalentos e as resistências externas. O que se chama grandeza é propriamente o brilho e a irradiação da soberania. (...)

O medíocre não sente nem a grandeza, nem a miséria, nem o Ser, nem nada. Ele não se extasia, nem se precipita; mas permanece no penúltimo degrau da escada, incapaz de subir, demasiadamente preguiçoso para descer.

Tanto nos seus julgamentos como em suas obras, ele substitui a convenção à realidade, aprova somente o que couber em seu compartimento, condena aquilo que escapa às designações, às categorias que ele conhece, teme o que surpreende e, não se aproximando jamais do mistério terrível da vida, evita as montanhas e os abismos através dos quais ela conduz seus amigos.

O homem genial é superior ao que ele faz. Seu pensamento é superior à sua obra.

O medíocre é inferior a tudo que executa. Sua obra não é a realização de um pensamento: é um trabalho feito segundo certas regras.

O homem de gênio considera sempre sua obra inacabada. O medíocre vive tomado pela sua, cheio dele mesmo, cheio de nada, cheio de vazio, cheio de vaidade. Vaidade! Esse odioso personagem cabe inteiro nestas duas palavras: frieza e vaidade!