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O que é a alma? Aí está uma pergunta do catecismo. A resposta procura
distinguir, no ser humano, uma parte espiritual criada por Deus, a alma, e
uma parte material que nos vem dos nossos pais, o corpo. A consciência que
ele tem de si mesmo, o pensamento, a vontade que ele exercita, a liberdade
que põe em acção, os sentimentos que experimenta, tudo isso é de uma ordem
diferente dos órgãos e das funções do corpo. Compreende-se que os filósofos
da antiguidade tenham insistido nesta dualidade do ser humano que, por sua
vez, impregnou o cristianismo. Nesta perspectiva, a alma espiritual é pura e
o corpo impuro; a alma é a sede das virtudes mais elevadas como a vontade de
se dirigir livremente para o bem : deve, pois, governar o corpo e não se
deixar escravizar por ele já que aquela é tida como boa e este como mau. É a
alma que torna o homem semelhante a Deus e, por isso, é imortal enquanto o
corpo é mortal, sendo a morte provocada pela separação dos dois.
Esta linguagem já não corresponde à nossa maneira de pensar e à nossa
experiência. Sabemos que há pessoas que perderam as suas faculdades humanas
de inteligência e de memória sem, com isso, terem perdido a vida. A
existência dos animais questiona-nos. O que é que provoca a sua morte?
Terão, então, alma? A sua consciência e a sua aptidão para comunicar também
nos são desconhecidas. Onde começa o que é próprio do homem? Também na
bíblia a noção de alma não é nítida. Ela utiliza palavras diferentes para
designar este princípio imaterial: a vida, o coração, o sopro... Uma coisa
é certa: não há oposição entre a alma e o corpo; pelo contrário, há unidade
da pessoa.
Será preciso ir mais longe e perguntar se a questão da alma é uma questão
com sentido? De fato, a pessoa é o seu corpo. Ela não existe sem as células
nervosas que lhe permitem pensar. Não existe sem a memória que lhe permite
reconhecer os outros e, assim, saber quem é. O corpo não é um instrumento ao
serviço de um espírito que pensa. Também não é o invólucro da alma. Ele é
capacidade de comunicar, de se ligar aos outros, capacidade de amor. Sem
esta capacidade, a pessoa não existe. É outra lógica da existência humana
diferente da lógica da criação de um ser acabado, vindo não se sabe donde. É
a lógica de um processo no decurso do qual a pessoa se torna ele mesma;
pelos seus laços com os outros e com o mundo, a sua identidade vai-se
construindo. A fé cristã não está em contradição com esta visão do ser
humano. Ela diz-nos que o próprio Deus incarnou. Fez-se carne, quer dizer,
teve um rosto humano e um corpo de homem em Jesus Cristo. E é esse corpo que
Deus ressuscita depois da morte de Jesus, na cruz. Como penhor da nossa
própria ressurreição. Acreditamos, dizem os cristãos no Credo, na
ressurreição da carne. A questão do modo permanece mas a esperança cristã é
a de uma ressurreição da pessoa toda, na sua plenitude.