»» Artigos Diversos |
Os finados, os falecidos, sempre estiveram presentes nas celebrações
da Igreja e no Momento dos mortos no cânon da missa, desde os
primórdios do Cristianismo. Por que então a liturgia cristã
interessou-se pelos mortos também fora do memento da missa? Por que a
Igreja dedicou um dia exclusivo à lembrança dos finados?
Os mártires, a perseguição, os "encontros" e orações em catacumbas,
cemitérios e áreas isoladas marcaram o início da vida eclesial de
muitos cristãos. Os mais antigos sacramentários romanos atestam o uso
de missas pelos defuntos. Não sendo realizadas nos funerais (devido
às perseguições etc.), as celebrações funerárias aconteciam depois,
como comemoração. A essa prática estão vinculadas diretamente as
missas de sétimo e trinta dias.
Paralelamente surgiu o registro dos vivos e mortos a serem lembrados
nas missas, como pratica-se ainda hoje em toda a Igreja. Esse costume
está bem documentado na época carolíngia (IX-X séculos). Isso tomou o
lugar dos antigos dípticos, tabuinhas de cera onde figuravam os nomes
dos doadores de oferendas. Esses registros eram chamados de livros da
vida (Libri vitae) e, como foi dito, incluíam vivos e mortos. Depois,
os mortos foram separados dos vivos nessas listas. Desde o século VII
(Irlanda), escreviam-se os nomes dos mortos em rolos que circulavam
como informação entre monastérios e comunidades. Era também uma
maneira de comunicar a morte de monges e membros das comunidades, num
contexto carente de meios de informação, muito diferente dos dias de
hoje.
Dessa tradição surgiram as necrologias (lidas nos ofícios) e obituários
(lembrando serviços fundados ou obras de misericórdia dos defuntos em
suas datas). Passou-se claramente das menções globais aos nomes
individuais. Os libri memorialis carolingianos continham de 15.000 a
40.000 nomes a serem lembrados! As necrologias clunisianas (Abadia de
Cluni na França) mencionavam de 40 a 50 nomes por dia! A lembrança
litúrgica estava garantida duravelmente aos mortos nominalmente
inscritos. Rapidamente, em toda a Igreja, o tempo da morte individual
se impõe doravante nos registros mortuários.
Existe uma importante contribuição e originalidade clunisiana no
cuidado devido aos mortos pela Igreja, que corresponde aos anseios da
comunidade e à visão de uma Igreja Peregrina em comunhão com a Igreja
Transcedental ou Triunfante (comunhão dos santos). Entretanto, um
certo caráter elitista marcava essa união dos vivos com os mortos,
pois dizia respeito, em geral, aos grupos dirigentes. Por essas
razões, a Igreja decidiu estender à totalidade dos mortos, de forma
solene, uma vez por ano, essa atenção litúrgica.
No século XI, entre 1024 e 1033, Cluni instituiu a comemoração dos
mortos no dia 2 de novembro, em contato com a festa de todos os
santos. A Festa dos Mortos será rapidamente celebrada em todo mundo
cristão e pagão. Ela surge como um vínculo suplementar entre vivos e
mortos na prática da Igreja, destinada a todos. O próprio mundo
profano, em geral, também vai aderir a essa prática. Trata-se hoje de
um dos feriados mais universais. São cerca de 1000 anos de celebração
de Finados pela fé na ressurreição!
Principais aspectos celebrados nos Finados
Um texto anterior evocou a origem histórica dos Finados. Agora
destacam-se os principais aspectos, símbolos e imagens dessa festa
cristã.
No dia de Finados, não festejamos a morte. Seria uma ignorância e uma
contradição. Celebramos sim, nossa fé na ressurreição e a esperança do
encontro na morada que Jesus nos preparou, no seio amoroso de Deus.
Nos Finados, lembramos e agradecemos a Deus a vida de nossos
ascendentes, aqueles que nos antecederam (pais, avós, parentes e
amigos). Paramos um minuto. Acendemos uma vela. Proferimos uma
oração. Vamos à missa nos cemitérios ou comunidades. Agradecemos a
Deus essa cadeia da vida que nos tornou possíveis e viventes. Não
somos filhos do nada, nem começamos em nós mesmos. Os filhos do nada
são sementes de caos. Somos sementes do Cosmos, do amor de Deus,
transmitido por avós, pais e antepassados. Essa cadeia de
gerações nos transmitiu vida e fé, como expressão da tradição
católica, a transmissão pela Igreja das verdades da fé.
A luz, que nos iluminou através de pais, avós, parentes ou amigos,
não se apagou com suas mortes. Acendemos velas para lembrar que essa
luz segue nos iluminando, em nossos corações. Veneramos seus exemplos
e imitamos sua fé (Hb 13,7). Enfeitamos as sepulturas com flores,
símbolo da ressurreição.
Nossos mortos são plantados como sementes, regadas com nossas
lágrimas, e florescem ressuscitados no jardim do Senhor.
Cada um de nós recebe de Deus dons especiais, como sementes do Reino.
Durante a vida devemos cultivar esses dons, deixá-los florescer e
perfumar os irmãos e irmãs. A Igreja católica é o jardim perfumado do
Senhor. Ela não condena, mas ama e acolhe. Quem busca caminhar com
Jesus na vida, estará com Ele na morte e eternidade. Nossa morte não
é um fim. É nossa páscoa, nossa passagem para a casa do Pai.
Nada pode nos separar do amor de Cristo. Os mortos e os vivos
participam da comunhão dos santos. Quem morre sai deste mundo, destas
dimensões e entra na eternidade. Na eternidade não existe tempo, nem
espaço. Deus vê sempre como presente nossa oração, passada ou futura.
Por isso ainda oramos pela conversão do outro malfeitor ao lado de
Jesus e por nossos entes queridos falecidos que morreram na esperança
da ressurreição.
Nos Finados nós não rezamos aos mortos, mas pelos mortos. Os mortos não
saíram da economia eclesial e participam da comunhão dos santos. Na
morte a vida não é tirada mas transformada. Nossa vida é eterna.