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A festa do Natal é a mais concorrida celebração de um nascimento. Nela, tomam parte multidões incalculáveis que se
espalham pelos quadrantes do universo. Jesus veio ao mundo na pobreza de uma gruta, em Belém, situada a sete
quilômetros ao sul de Jerusalém. A luz acesa há dois mil anos atrás atingiu, em nossos tempos, os mais distantes e recônditos
lugares da Terra. Hoje, incorporou-se à cultura da humanidade, a tal ponto que alcança mesmo quem não professa a fé
cristã, viva ou não a mensagem trazida pelo Salvador. Sem dúvida, em nossos dias, está profundamente deturpada.
Chegou-se ao paradoxo de comemorar o nascimento, mas à margem do nascituro. A Criança é substituída por interesses,
valores opostos à mesma Criança de Belém. Muitos não percebem o ridículo dos festejos em torno de um berço vazio.
Afastando o imenso entulho que encobre a extraordinária realidade do que ocorreu na Gruta de Belém, vamos encontrar
toda a beleza ou, pelo menos, vestígios da grandiosidade do que ainda sobrevive em meio às festividades, distanciadas do
Evangelho. Deus veio redimir o homem, oferecer a Salvação, mas a criatura, cega pelos instintos, deixa de lado a riqueza
infinita que nos é proporcionada pelo Redentor.
Em meio à atroada de uma sociedade enlouquecida, necessitamos do silêncio da Manjedoura. Ao lado de fulgurante
iluminação que nos deslumbra e cega, a visão dos valores eternos deve ser acentuada. O autêntico presépio, em sua pobreza
eloqüente, fala-nos da caducidade dos bens terrenos e nos convida ao desapego do que é transitório. O Natal é a exaltação
do homem, sua dignidade, pois um ser humano é assumido pelo Verbo de Deus: duas naturezas, uma só pessoa.
Para descobrir a beleza da celebração do Nascimento de Jesus, impõe-se visitar a Gruta de Belém, reproduzida em imensa
variedade de expressões. Através da arte mais requintada, até a simplicidade do pobre, do pequeno, é revelada a
grandiosidade espiritual do Natal do Filho de Deus, que veio nos salvar. Para isso é necessário mortificar o consumismo
exagerado, o afã das compras às custas do grande acontecimento e abrir o coração às graças do Divino Menino.
Essa extraordinária festividade tem suas raízes na Igreja primitiva. Quando Etérea, em sua peregrinação pelos Lugares
Santos, no século IV, visitou Jerusalém, a Natividade de Jesus era celebrada a 6 de janeiro, como parte da Epifania. Os reis
magos representam a humanidade que assim tomou conhecimento do advento do Filho de Deus, nascido da Virgem Maria.
Descreve, em seus escritos que chegaram até nós, a ida a Belém, do bispo de Jerusalém com o clero e os habitantes da
cidade vizinha, para o solene ofício religioso, na Gruta da Natividade. Às 24 horas, processionalmente, retornavam e
cantavam o Ofício de Matinas. Antes do alvorecer, nova reunião, para a Eucaristia. Roma imitou esse costume, com o papa
em Santa Maria Maior, à meia-noite, celebrando o Santo Sacrifício da Missa.
A comemoração do nascimento de Jesus, como festa separada da Epifania, teve início na primeira metade do século IV, em
Roma e, a seguir, no Oriente. Embora a Sagrada Escritura não seja uma obra biográfica, há, sim, a preocupação de afirmar
o fato histórico do nascimento do Verbo Encarnado: "Naqueles tempos, apareceu um decreto de César Augusto ordenando
o recenseamento de toda a Terra. Esse recenseamento foi feito antes do governo de Quirino, na Síria. Todos iam alistar-se,
cada um na sua cidade. (...) E deu à luz seu filho primogênito e, envolvendo-o em faixas, reclinou-o num presépio; porque
não havia lugar para eles na hospedaria" (Lc 2,1-7). Com segurança, o nascimento de Jesus é um fato histórico. O ano e o
dia, sabemos somente de forma aproximativa. 25 de dezembro, depois de muito exame, foi considerado o mais provável. E
nessa escolha pesou conveniência de ordem pastoral.
O Patriarca São Sofrônio, que morreu em torno do ano 638, em um sermão se refere à aceitação, em Jerusalém, do dia 25
de dezembro, separado da Epifania, 6 de janeiro, como um costume oficiado em toda a cristandade. Por um sermão de São
João Crisóstomo, sabe-se que, em 376, já se celebrava, em Antioquia, nesse dia, a vinda de Jesus ao mundo. E no
Ocidente, Santo Ambrósio, mais de uma vez, nos dá notícias dessa festa litúrgica na mesma data de nossos dias. Entre os
anos 336 e 354, um historiador, que se conhece apenas pelo nome de "Cronógrafo", anota esse dia e mês como do
"nascimento de Cristo, em Belém de Judá".
Certamente, muito contribuiu para fixar esta data o seguinte acontecimento no universo pagão. O imperador Aureliano
(270-275) tomou diversas medidas para fortificar o Império Romano e sua unidade. Entre outras, reorganizou o culto
religioso, levou o deus Sol à mais importante dignidade. O dies natalis solis invicti (o dia do nascimento do deus Sol, nunca
vencido) ocorria imediatamente após o solstício do inverno, a 25 de dezembro. A Igreja em Roma substituiu os grandes
festejos do paganismo pelos de um outro Sol, já prenunciado por Malaquias (Ml 3,20): "Mas, para vós que temeis o meu
nome, brilhará o sol da justiça, que tem a cura em seus raios." Para fugir das festas do paganismo e sem despertar suspeitas
em tempos de perseguição religiosa, os cristãos comemoravam no mesmo dia o nascimento de outro Sol: Jesus Cristo.
Essa tradição multissecular é de extraordinária riqueza espiritual e humana. Fala da bondade infinita de Deus, que veio nos
salvar. O presépio é uma fonte de paz, de alegria, de bondade. Não pode ser conspurcada por sentimentos subalternos.
Restaurar a celebração autêntica do nascimento de Jesus é um desafio que nos vem proposto cada ano. Vamos aceitá-lo e
celebrar condignamente o nascimento de Jesus.