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Corria o ano 800. Era dia de Natal. Entra na Catedral de Latrão, em Roma, a Catedral dos Papas,
um homem majestoso, quase sexagenário, em cujos olhos brilham ideais sem fim, em cuja
corpulência e estatura quase gigante notam-se a força indomável do guerreiro, e nas cãs e na
barba uma bondade e uma doçura indizíveis.
Não é um homem qualquer, logo se vê. É um Rei... Mas que Rei! Já teve que submeter, em
território dos francos, os aquitanos e os lombardos; passou os Pirineus para quebrar, na
Espanha, o poder ameaçador dos árabes; reprimiu a insurreição dos saxões e dos bávaros; e está
em plena luta com os ávaros. Sua fama de batalhador só se iguala à de defensor da Fé. Sob seu
influxo, as artes e as ciências florescem por toda a Europa. Extremosamente amado por seus
súditos, venerado por seus guerreiros, seus domínios se estendem cada dia mais em terras
pagãs, e com eles a benéfica influência da Religião católica.
Trata-se do grande Carlos Magno - perdoem-nos a redundância.
Pois bem, esse homem de tanta grandeza, esse Rei poderoso, penetra na Catedral para rezar, como
um humilde servo de Jesus Menino. Ajoelha-se, baixa a cabeça, adora a Deus feito homem e
implora misericórdia para seus pecados. Bate no peito, recorre à intercessão da doce Virgem
Maria, e não se dá conta de que alguém se aproxima devagar, em silêncio respeitoso. É um
sacerdote? Um bispo? Não apenas. É um Papa. É um Papa santo.
É São Leão III, que traz algo nas mãos. Sem ser notado, o Pontífice chega junto a Carlos Magno
e sobre sua fonte descoberta coloca uma coroa. Uma coroa nova, não já de Rei mas de
Imperador...
Naquele Natal, na Catedral do Vigário de Cristo, nasce o Império católico do Ocidente - nervura
central da civilização cristã medieval - como 800 anos antes, no mesmo dia, havia nascido numa
manjedoura o Menino Jesus.
Ao fundar a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, Nosso Senhor Jesus Cristo colocou nEla,
em semente, todas as potencialidades para gerar uma grande civilização. Com a expansão da
Igreja, com a conversão dos povos ao longo de oito séculos, a semente se desenvolveu, tornou-se
uma possibilidade concreta, desabrochou por fim, no ano 800, no Império de Carlos Magno,
abençoado e ratificado pelas mãos de um santo sucessor de Pedro.
Então, ensina Leão XIII, "O Sacerdócio e o Império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia
e pela permuta amistosa de bons ofícios"; mais ainda, "organizada assim, a sociedade civil, deu
frutos superiores a toda expectativa" (Encíclica 'Immortale Dei').
Em certo momento, porém, vendavais revolucionários, soprados pelo inferno, começaram a
percorrer a Terra. Sucederam-se as revoluções: a protestante (século XVI), a francesa (século
XVIII), a comunista (século XX), demolindo partes sucessivas do magnífico edifício medieval.
Hoje em dia, os ventos revolucionários se atiram com ódio multiplicado sobre o pouco que resta
de civilização na sociedade, de fé nas almas e de luz da razão nos espíritos.
Neste Natal de 2000, parece que chegamos ao fim. Tudo é desolação, como após a morte de Nosso
Senhor. Tudo, menos uma coisa. Após a crucifixão, restou na alma santíssima de Nossa Senhora a
certeza luminosa da Ressurreição.
Essa certeza, hoje também, Ela a comunica às almas fiéis. Certeza de uma ressurreição da
civilização católica, tornada ainda mais esplêndida do que foi outrora, luminosa como o foram
as chagas de Cristo ressurrecto: o Reino de Maria anunciado por São Luis Maria Grignion de
Montfort, profetizado em Fátima pela Virgem Santíssima. Nascerá ele também num Natal, como o
do ano 800? Num Natal muito, muito próximo?
Quem viver verá, diz conhecido adágio. Poderíamos acrescentar: Quem confiar viverá.