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A publicação recente da terceira edição do Missale Romanum e a esperada publicação do Missal
Romano e Lecionário da Missa para as dioceses dos Estados Unidos fornece aos bispos,
liturgistas, e na verdade a todos os fiéis seguidores de Cristo a oportunidade de parar e
refletir na reforma litúrgica que ocasionou estes livros litúrgicos.
Vou refletir brevemente em alguns dos sucessos da reforma litúrgica para que possamos
continuar este trabalho nobre, reconhecendo nossa falibilidade e mais uma vez abraçando os
desafios colocados diante de nós pelos pais do Concílio Vaticano II.
As palavras de abertura do primeiro documento conciliar, Sacrosanctum Concilium, sobre a
Sagrada Liturgia, oferecem quatro objetivos para o Concilio e para a reforma liturgica:
Por todo o criticismo que possa ser devido ao liturgistas, deve-se admitir que nós nos dispomos,
naqueles anos pós-conciliares, semear vigor com abandono. Com um entusiasmo absoluto pela
liturgia e seu poder, nós procuramos trazer uma energia vital e explosiva para a liturgia de
uma maneira algumas vezes indiferenciada, mas sempre de coração.
Estávamos inspirados pelos pais do Concílio que nos disseram que a meta a ser considerada antes
de tudo na reforma litúrgica era a participação ativa, completa e consciente de todos na
liturgia. A reforma conciliar estava baseada numa visão de liturgia como "o cume para o qual
tende a ação da Igreja ... a fonte d'onde emana toda sua força" (Sacrosanctum Concilium,
10).
Assim, nós com segurança destacamos, nas palavras do Institutio Generalis Missalis Romani, que
"toda a celebração seja planejada de tal forma a dar início a participação dos fiéis em
corpo e espírito consciente, ativo, completo, e motivado pela fé, esperança e caridade."
(nº 18).
Por quase 40 anos temos refletido no significado de "completo, consciente e ativo" mas
raramente temos refletido no significado de "participação" na declaração do Concílio. A
princípio, o significado de tal palavra parece evidente. Entretanto, existe uma nuance
importante desta palavra que com frequência falhamos em reconhecer.
Quando faço algum trabalho sozinho, eu digo "meu trabalho". Participar significa que eu me uno
à obra de Cristo. A liturgia não é a obra da comunidade de minha paróquia, ou até mesmo só da
Igreja. É a obra de Cristo, a cujo perfeito sacrifício de louvor (sacrificum laudis) nos unimos
pela graça do batismo.
Tal perspectiva pode ajudar a contextualizar nossos sucessos e falhas em planejar e celebrar a
sagrada liturgia. Nossa meta não é cantar bem por causa de nossa música, mas cantar tão bem que
nossos corações e mentes, e nossa própria vida, se unam ao perfeito ato de adoração divina de
Cristo. Cada gesto, palavra, e nota de louvor têm só um objetivo: nos inflamar com o amor
insistente de Cristo (cf. Sacrosanctum Concilium, 10).
Como foi bem recebido este mandato pelos americanos, que abraçaram a acessibilidade como um
direito inato! Contudo, com bastante frequência, acessiblidade na América é entendida como não
tendo limites.
Com a liturgia - participação total tem sido interpretada como significando que eu devo
"controlar" tudo; participação consciente como que eu 'saiba' tudo, e participação ativa
significando que eu devo 'fazer' tudo.
Com muita frequência, temos passado muito tempo adaptando a liturgia ao nosso próprio uso, que
esquecemos que o verdadeiro trabalho a ser feito é nos adaptarmos e adaptarmos nossa cultura
à ação litúrgica de Cristo! A liturgia é designada para este propósito.
Porém, ao mesmo tempo, a desunião que temos testemunhado dentro de nossa própria Igreja,
especialmente em questões litúrgicas, tem com frequência sido motivo de escândalo para outros.
Somos chamados à uma visão de unidade. A visão que diz que nada é importante exceto Cristo. Uma
visão que é humilde. Uma visão que se ajoelha diante da Igreja e promete obediência e respeito
verdadeiros. Uma visão que vê o bispo e o sacerdócio como o lócus de tal unidade. Recorde as
palavras do Sacrosanctum Concilium, 41: "O Bispo deve ser tido como o sumo sacerdote de sua
grei, da qual, de algum modo, deriva e depende a vida de seus fiéis em Cristo. Por isso faz-se
mister que todos, particularmente na catedral, dêem máxima importância à vida litúrgica da
diocese em redor do bispo; persuadidos de que a principal manifestação da Igreja se realiza na
plena e ativa participação de todo o povo santo de Deus nas mesmas celebrações litúrgicas,
sobretudo na mesma Eucaristia, numa única oração, junto a um só altar, presidido pelo Bispo,
cercado de seu presbitério e ministros".
Esta é a mesma visão de uma Igreja unida a Cristo em louvor que Sto. Inácio de Antioquia pregou
nos dias dos mártires: "Vocês não devem assumir nada sem o bispo e os sacerdotes. Não tentem
persuadir-se de que o que vocês fazem por si sós é correto e próprio, mas quando se reunirem
deve haver uma petição, uma oração, uma mente, uma esperança em amor e em regojizo santo, pois
Jesus Cristo é o único e perfeito diante de tudo o mais".
Esta é um visão que ouve as palavras de Cristo nos lábios agonizantes de um papa e da caneta
de outro: ut unum sint! Que todos sejam um!
A mesma Igreja que evangelizou os gauleses e converteu os francos, que falou das mais profundas
esperanças dos peregrinos da Ibéria e dos monges irlandeses - o mesmo rito é nossa herança e
nossa alegria - um rito que nós devemos orgulhosamente viver e celebrar, e cuidar com carinho.
É dificil ser forte o bastante para admitir que somos fracos. É duplamente difícil admitir nossos
erros. Quanta energia e tempo temos desperdiçado evitando perguntas legítimas, tudo porque elas
foram feitas pelas pessoas erradas?
Nós não devemos ter medo de admitir nos erros insensatos, nossos excessos, nossas insensibilidades,
nosso egoísmo, ou nosso pecado. Pois nós, como a Igreja, somos totalmente dependentes da
misericórdia gratuita de Cristo para nossa salvação.
Os liturgistas, sobretudo, devem liderar o caminho da unidade servindo a Igreja como aqueles
que são rápidos para se arrependerem e lentos para julgar, com os quais a negociação é um
instinto e a compaixão e hospitalidade uma forma de vida. Que eles venham e nos digam: Sim, eu
sei a diferença entre um liturgista e um terrorista: "Um liturgista é forte - forte o
suficiente para ouvir!".
Tal era a visão dos pais do Concílio quando eles abriram o caminho para a reforma litúrgica. É
uma visão que, como disse o Papa João Paulo II, tem produzido os frutos mais visíveis do
Concílio. Ao mesmo tempo, como cada uma de nossas tentativas de nos ajustarmos a Cristo, é uma
obra inacabada.
É, no final, uma visão tão antiga quanto do Evangelho e tão nova como a missa de hoje de
manhã. É uma visão eterna dos pais do Concílio: "Na Liturgia terrena, antegozando, participamos
da Liturgia celeste, que se celebra na cidade santa de Jerusalem, para a qual, peregrinos, nos
encaminhamos. Lá, Cristo está sentado à direita de Deus, ministro do santuário e do
tabernáculo verdadeiro; com toda a milícia do exército celestial entoamos um hino de glória ao
Senhor, e venerando a memória dos Santos, esperamos fazer parte da sociedade deles; suspiramos
pelo Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, até que Ele, nossa vida, Se manifeste, e nós
apareçamos com Ele na gloria" (Sacrosanctum Concilium, 8).
Vigor, mudança, unidade e fortalecimento formam uma agenda ambiciosa, que só agora começamos a
entender. Olhemos cada um desses pontos.