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Olhando no passado, no que tem sido feito no campo de renovação da liturgia durante os anos
desde o Vaticano II, vemos muitas razões para agradecer e louvar de coração a Santissima Trindade
pela consciencia maravilhosa que tem se desenvolvido entre os fiéis sobre a função e
responsabilidade deles nesta obra sacerdotal de Cristo e de Sua Igreja. Porém, nós também
percebemos que nem todas as mudanças foram sempre e em todo lugar acompanhadas pela explanação
e catequese necessárias. Como resultado, em alguns casos houve um mal-entendido a respeito da
natureza da liturgia, levando a abusos, polarização, e algumas vezes até mesmo escândalos
graves. Depois de um prática de mais de 30 anos de renovação liturgica, estamos bem situados
para avaliarmos ambos, os pontos fortes e os pontos fracos do que tem sido feito, para poder
mais confiantemente esquematizar nossa trajetória no futuro que Deus tem em mente para Seu
povo amado.
O desafio agora é mover para além de quaisquer mal-entendidos que tenham havido e alcançar o
ponto correto de equilíbrio, especialmente entrando mais profundamente na dimensão contemplativa da
cerimônia, que inclui o senso de respeito, reverência e adoração que são atitudes fundamentais
em nosso relacionamento com Deus. Isto acontecerá somente se reconhecermos que a liturgia tem
dimensões ambas locais e universais, limitadas no tempo e eternas, horizontal e vertical,
subjetiva e objetiva. São precisamente estas tensões que dão à cerimônia católica seu caráter
distintivo.
A Igreja Universal está unida em um grande ato de louvor, mas é sempre o ofício de uma
comunidade particular numa cultura particular. É a cerimônia eterna do céu, mas está também impregnada
no tempo. Ela reúne e constrói uma comunidade humana, mas é também a adoração da majestade
divina. Ela é subjetiva no que depende radicalmente daquilo que os participantes trazem
consigo, mas é objetiva no que os transcende como o ato sacerdotal do próprio Cristo, ao qual
Ele nos une mas que por fim não depende de nós. É por isto que é tão importante que a lei
liturgica seja respeitada. O sacerdote, que é o servo da liturgia, não seu inventor ou
produtor, tem uma responsabilidade particular a este respeito a fim de que ele não esvazie a
liturgia de seu significado verdadeiro ou obscureça seu caráter sagrado.
O centro do mistério do rito cristão é o sacrifício de Cristo sendo oferecido ao Pai e a obra
do Cristo ressuscitado que santifica Seu povo pelos símbolos liturgicos. É portanto essencial
que ao procurar entrar mais profundamente nas profundezas contemplativas da cerimônia, o
mistério inesgotável do sacerdócio de Jesus Cristo seja inteiramente reconhecido e respeitado.
Enquanto todos os batizados participam do sacerdócio de Cristo, nem todos participam da mesma
maneira. O sacerdócio ministerial, enraizado na sucessão apostólica, confere aos sacerdotes
ordenados faculdades e responsabilidades que são diferentes daqueles dos leigos, mas que estão
ao serviço do sacerdócio comum e são direcionados ao desdobramento da graça batismal de todos
os cristãos. O sacerdote então não é somente aquele que preside, mas aquele que age na pessoa
de Cristo.
Somente sendo radicalmente fiel a esta base doutrinal é que podemos evitar interpretações unilaterais
e unidimensionais dos ensinos do Concílio. A participação de todos os batizados no sacerdócio
de Jesus Cristo é a chave para compreender o chamado do Concílio para "participação ativa,
consciente e total" na liturgia. Participação total certamente significa que cada membro da
comunidade tem uma parte a fazer na liturgia; e a este respeito bastante tem sido alcançado
nas paróquias e comunidades por todo o vosso país. Mas participação total não significa que
todos façam tudo, pois isto levaria ao clericato dos leigos e ao laicismo do sacerdócio
e isto não é o que o Concilio tinha em mente. A liturgia, como a Igreja, é destinada a ser
hierárquica e polifônica, respeitando as diferentes funções outorgadas por Cristo e permitindo
que todas as diferentes vozes se misturem em um grande hino de louvor.
Participação ativa certamente significa que em gestos, palavras, cânticos, e serviço todos os
membros da comunidade participem no ato de adoração que é tudo, menos inerte ou passivo. Ainda
assim, participação ativa não previne a passividade ativa do silêncio, quietude, e escuta: na
verdade, ela o exige. Os participantes não são passivos, por exemplo, quando ouvem as leituras
ou a homilia, ou as orações do celebrante que se seguem e os cantos e músicas da liturgia.
Estas são experiências de silêncio e quietude, mas elas são a seu modo profundamente ativas.
Numa cultura que nem favorece nem encoraja o silêncio meditativo, a arte de escuta interior é
aprendida somente com dificuldade. Aqui nós vemos o quanto a liturgia, embora deva ser sempre
inculturada apropriadamente, deve também ser contra-cultural.
Participação consciente exige que a comunidade inteira seja instruída devidamente nos
mistérios da liturgia, a fim de que a prática do ofício não se degenere em uma forma de
ritualismo. Mas isto não significa uma tentativa constante dentro da própria liturgia de tornar
o implícito explícito, pois isto normalmente leva a uma verbosidade e informalidade que não
pertencem ao rito romano e terminam por trivializar o ato de adoração.
O uso do vernáculo certamente abriu os tesouros da liturgia a todos o que tomam parte nela, mas
isto não significa que o latim - e especialmente os cânticos, que são tão incrivelmente
adaptados ao gênio do rito romano - devam ser completamente abandonados. Se a prática
subsconsciente é ignorada no serviço, um vácuo afetivo e devocional é criado, e a liturgia pode
se tornar não só muito verbal, mas também muito cerebral. No entanto, o rito romano é novamente
distinto no equilíbrio que ele alcança entre a disponibilização e a riqueza da emoção: alimenta
o coração e a mente, o corpo e a alma.
Tem sido escrito com bastante razão que na história da Igreja toda renovação verdadeira tem
sido associada a uma releitura dos Pais da Igreja. E o que é verdade em geral, é verdade a
respeito da liturgia em particular. Os Pais eram pastores com um zelo ardente pela tarefa de
propagação do Evangelho; e portanto eles estavam profundamente interessados em todas as
dimensões da cerimônia, deixando-nos alguns dos mais significativos e permanentes textos da
tradição cristã, que são tudo, menos o resultado de um esteticismo árido.
Os Pais eram pregadores ardentes, e é difícil imaginar que pudesse haver uma renovação eficaz
da pregação católica, como desejava o Concílio, sem uma familiaridade suficente com a tradição
patrística. O Concílio promoveu uma mudança no modo homilético de pregação que exporia, como
os Pais, o texto bíblico de uma forma que abre suas riquezas inesgotáveis aos fiéis.
A importância que a pregação assumiu na cerimônia católica desde o Concílio significa que os
padres e diáconos devem ser treinados a fazer bom uso da Bíblia. Mas isto também envolve
familiaridade com toda a tradição patrística, teológica e moral bem como o conhecimento
penetrante de suas comunidades e da sociedade em geral. Senão, a impressão que é dada é de um
ensinamento sem raizes, sem aplicação universal inerente na mensagem do Evangelho. A síntese
excelente da riqueza doutrinária da Igreja contida no Catecismo da Igreja Católica ainda tem
que ser experimentada mais amplamente como uma influência na pregação católica.
Os jovens irão continuar a ter uma parte ativa na liturgia se eles a vivenciarem como sendo
capaz de liderá-los a um relacionamento pessoal mais profundo com Deus, e é desta experiência
que virão vocações sacerdotais e religiosas marcadas por uma energia verdadeiramente evangélica
e missionária. Neste sentido, os jovens estão convocando o mundo todo a darem o próximo passo
em implementar a visão do serviço litúrgico que o Concílio nos legou. Aliviados pela agenda
ideológica de uma época anterior, eles são capazes de falar simplesmente e diretamente do seu
desejo de experimentar Deus, especialmente em oração pública ou particular. Ouvindo-os, nós
podemos muito bem ouvir "o que o Espirito está dizendo às igrejas" (Ap 2, 11).
No âmago de nossa experiência de peregrinação está nossa jornada de pecadores dentro das
profundezas impenetráveis da liturgia da Igreja, a liturgia da criação, a liturgia do céu -
todas que são no final a liturgia de Jesus Cristo, o sacerdote eterno, no qual a Igreja e toda
a criação são atraídos na vida da Santíssima Trindade, nosso verdadeiro lar. Este é o propósito
de todo nosso serviço religioso e toda nossa evangelização.
Extraído do ad limina do Papa João Paulo II em 1998 para os bispos americanos do
Alaska, Idaho, Montana, Oregon e Washington.