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Tem sido espalhado entre os fiéis católicos um panfleto protestante intitulado "Há outro Cristo?", da autoria de J.T.C. É impresso nos Estados Unidos da América pela C.L.C. Editora em língua portuguesa. Ataca violentamente o sacerdócio católico e o ministério por ele exercido, recorrendo a linguagem popular e maldosa, pois, entre outras coisas, atribui a Satanás a instituição da S. Missa e o ensinamento da Igreja relativo ao culto divino.
Nas linhas subseqüentes será analisado o conteúdo do panfleto e lhe serão propostas as devidas respostas.
O autor do impresso afirma que ao padre são atribuidos poderes que só competem a Jesus Cristo e ao Senhor Deus, a tal ponto que o sacerdote é chamado "um outro Cristo". Com referência à S. Eucaristia, o texto afirma:
"Às ordens do padre, o Rei dos Reis e Senhor dos Exércitos se sujeita a ser engolido por qualquer pessoa a quem o sacerdote o der".
"Esse sacerdote católico romano é mais do que um Deus... Ele é Criador do seu Criador".
"O sacrifício de Jesus pelos pecados, há quase 2.000 anos, no Calvário foi perfeito. Não há nada que você ou qualquer igreja possa fazer para melhorá-lo".
"Jesus odeia esse sistema religioso falso, que tem blasfemado o seu santo nome, sua santa Palavra, enganado bilhões de pessoas".
Dividiremos a resposta em três partes:
1. Na verdade, muitos livros de espiritualidade atribuem ao padre o apelativo de "outro Cristo" (alter Christus). Atualmente esta designação está sendo dada a todo cristão, pois este, pelo Batismo, é inserido em Cristo ou feito membro do Corpo Místico de Cristo. É São Paulo quem escreve: "Vivo eu, não eu; é Cristo que vive em mim" (Gl 2,20). Como se compreende, não se trata de dizer que há muitos Cristos propriamente ditos, mas afirma-se que o cristão, pelos sacramentos do Batismo, da Eucaristia e da Ordem, entra em íntima comunhão com Cristo,... íntima comunhão que Jesus mesmo ilustra mediante a imagem da videira: "Eu sou a videira verdadeira, e vós sois os ramos. Aquele que permanece em mim, e em quem eu permaneço, produz muito fruto" (Jo 15,5).
2. Essa comunhão faz que o padre participe do sacerdócio de Cristo e se torne a mão estendida de Cristo para a salvação do mundo. Foi o próprio Jesus quem o quis, ao dizer aos Apóstolos após a consagração do pão e do vinho na última ceia: "Fazei isto em memória de mim" (Lc 22,19); Jesus mandou converter o pão em seu corpo e o vinho em seu sangue. Em Jo 6,53-56 o Senhor fez do sacramento do seu Corpo e Sangue condição para que os fiéis tenham a vida:
4. Mais uma função sacerdotal se encontra enunciada no Novo Testamento: em Tg 5,14 lê-se: "Alguém dentre vós está doente? Mande chamar os presbíteros da Igreja para que orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o doente, e o Senhor o porá de pé; e, se tiver cometido pecados, estes lhe serão perdoados". S. Tiago supõe a existência de ministros da Igreja chamados "presbíteros", os quais, entre outras funções, exercem a unção dos enfermos para o alívio do corpo e da alma dos doentes.
5. Quanto ao Batismo, é também confiado aos Apóstolos e seus sucessores até o fim dos tempos:
O Concílio do Vaticano II desenvolve o mesmo pensamento nestes termos:
1. É inegável que o pão e o vinho consagrados se tornam o Corpo e o Sangue de Jesus. Isto se depreende não só das palavras do Senhor pronunciadas na última ceia (cf. Mt 26,26-28; Mc 14,22-25; Lc 22,19s; 1Cor 11,21-25), mas também do sermão do pão da vida ocorrente em Jo 6,48-58. Quem nega a real presença de Cristo na Eucaristia, nega a própria Escritura; daí ser grave irreverência chamar "biscoito" o pão consagrado, como faz J.T.C.
Mais: deduz-se do texto sagrado que Jesus não quis apenas tornar-se presente estaticamente sobre os altares, mas quis instituir a celebração do sacrifício da nova e eterna Aliança ou da sua Páscoa, pois a Cruz de Jesus é inseparável da Ressurreição do Mestre; Jesus não é "um Cristo morto", como diz o panfleto em foco. Com efeito; merece atenção o fato de que na última ceia o Senhor não ofereceu apenas o seu Corpo e o seu Sangue aos discípulos como alimento, mas ofereceu-os pelos discípulos, em favor destes (hyper hymoon) - o que incute o caráter sacrificial do rito (cf. Lc 22,19s).
Mais ainda: ao falar do sangue da nova Aliança na ceia, Jesus aludia a Ex 24,8, texto em que Moisés apresenta o sangue da antiga Aliança ("Este é o sangue da Aliança que Javé pactuou convosco"); Cristo assim oferecia-se como vítima para selar a definitiva Aliança, em lugar da vítima irracional cujo sangue selava a primeira Aliança no Sinai; Jesus assim opunha sangue a sangue, sacrifício a sacrifício, imolação realizada na última ceia à imolação realizada outrora no deserto. A última ceia aparece como a nova Páscoa, que, mediante o sangue do verdadeiro Cordeiro imolado pelos pecados do mundo (cf. Jo 1,29), faz cessar os numerosos e imperfeitos sacrifícios do Antigo Testamento; cf 1Cor 5,7; Jr 31,31-33.
Não seria plausível replicar que na quinta-feira santa Jesus oferecia "seu corpo e seu sangue imolados" como símbolos vazios de conteúdo e meramente figurativos daquilo que devia acontecer na sexta-feira santa.
Não, as palavras do Senhor são simples e claras; Jesus não teria empregado termos ambíguos e metafóricos em circunstâncias tão solenes, provocando confusão na mente dos discípulos. Por conseguinte, podemos repeti-lo; sobre a mesa (que se transformava em altar) Jesus se colocava em estado de Vítima realizando uma ação sacrificial. Quem ainda concebesse dúvidas sobre o sentido do texto evangélico, poderia resolvê-las considerando a praxe e o ensinamento das gerações cristãs que, desde os inícios da Igreja, tomaram as palavras de Cristo no seu significado próprio e natural.
2. Levemos agora em conta que Jesus mandou aos Apóstolos que repetissem o rito da última ceia,... dessa última ceia à qual Jesus atribuiu o significado de sacrifício; ver Lc 22,19; iCor 11,24. Desta ordem concluíram os Apóstolos e as gerações subseqüentes que, todas as vezes que renovavam a Ceia do Senhor (também chamada Eucaristia), realizavam a oblação de uma Vitima (Cristo) ou de um sacrifício. Este, porém, não podia nem pode ser a repetição do sacrifício da Cruz, pois Jesus se imolou uma vez por todas conforme a epístola aos Hebreus. A epístola aos Hebreus inculca solenemente a unicidade do sacrifício de Cristo oferecido outrora no Calvário. Sim, Cristo aí aparece como o Sacerdote Único (cf. Hb 4,14; 6,20; 7,21.23s), que se oferece como Vítima Única e Perfeita (cf. 7,28) numa oblação definitiva (cf. 9,11-14.25-28;10,10-14). O Senhor Jesus não precisa de se oferecer muitas vezes, mas sua oblação foi feita uma vez por todas, porque, à diferença do que se dava com os sacrifícios de animais irracionais do Antigo Testamento, a oferta de Cristo possui valor infinito, capaz de expiar todos os pecados, passados, presentes e futuros, do gênero humano; cf. Hb 4,14; 7,27, 9,12.25s. 28; 10,12.14. A ceia, por conseguinte, não pode ser senão o ato de "tornar presente" (sem multiplicar) através dos tempos, e de maneira incruenta (ou sacramental), o único sacrifício de Cristo oferecido cruentamente no Calvário há vinte séculos. Concluímos, portanto:
E por que terá Jesus instituído a celebração ritual do sacrifício do Calvário?
Ele o fez para que a sua Igreja, os fiéis, se oferecessem com Ele ao Pai na qualidade de oferentes e oferecidos ou na qualidade de sacerdotes (cada qual participando, a seu modo, do sacerdócio de Cristo) e hóstias (cada qual participando da condição de Cristo-Hóstia). A oblação de Cristo na Cruz não é um ato meramente pretérito, mas é algo que se perpetua sobre os altares para que o cristão, enxertado em Cristo pelo Batismo, ofereça sua vida, suas tarefas, labutas e esperanças ao Pai com o Senhor Jesus.
Os protestantes se ufanam de ter a Bíblia como única fonte das verdades da fé e autoridade decisiva, sem levarem em conta a Palavra oral, que é anterior à Bíblia e a acompanha como referencial necessário para a interpretar. A conseqüência desta premissa são as centenas de denominações protestantes, que usam todas a mesma Bíblia, mas dela deduzem conclusões contraditórias: uns observam o domingo, outros o sábado; uns batizam crianças, outros só batizam adultos; uns têm hierarquia com "bispos", outros não a têm... Levados pelo subjetivismo ou pelo livre exame realizado por cada crente individualmente, os protestantes deduzem da Bíblia o que "lhes parece", a ponto de recusarem a evidência da real presença de Cristo na Eucaristia.
É falsa a posição de quem só leva em conta a Bíblia, pois a própria Escritura nos diz que nem tudo o que Jesus fez se encontra no texto sagrado (cf. JO 20,30s; 21, 24s). Por isto São Paulo manda observar as tradições que vêm dos Apóstolos (é claro que não qualquer tradição é válida); cf. 2Ts 2,5s; lTm 6,20s; 2Tm 2,2; Hb 2,3. Só se pode entender a Bíblia à luz da Palavra oral, que lhe é anterior e a berçou,... Palavra que ressoa na Igreja. Afinal a Igreja é anterior aos escritos do Novo Testamento; a Igreja viveu decênios sem a Palavra escrita do Novo Testamento, orientando-se pela Palavra oral de Jesus e dos Apóstolos. E a Igreja que entrega a Bíblia aos fiéis e a explana, assistida como é pela ação do Espírito Santo (cf. Jo 14,26; 16,13-15). Esta verdade é sabiamente lembrada pelo Pe. Álvaro Barreiro em seu livro "Povo Santo e Pecador. A Igreja questionada e acreditada", pp. 52s:
A Igreja do Novo Testamento é também anterior à Palavra de Deus na sua forma escrita. Qualquer que seja a explicação dada à questão da origem dos Evangelhos, eles são posteriores à existência da Igreja, pois nasceram da fé da Igreja; surgiram na Igreja e para a Igreja. Os Evangelhos são, como todos os outros textos do Novo Testamento, a expressão escrita da fé e da vida da Igreja, de sua pregação e de suas práticas. Não se pode, portanto, afirmar sem mais que a Escritura funda a Igreja. Com relação à Igreja apostólica temos de afirmar que, histórica e teologicamente, a existência das Escrituras do NT é uma realidade segunda com relação à Igreja, realidade primeira. Os escritos do NT são o testemunho consignado por escrito do desígnio histórico-salvífico de Deus realizado visivelmente na Igreja. Este fato demonstra que o princípio da sola Scriptura, entendido literal e globalmente, é histórica e teologicamente insustentável...
A Igreja não pode ser julgada por mim individualmente usando a Escritura como arma na minha mão contra a Igreja. A Escritura nasceu da fé da Igreja e continua pertencendo à Igreja".