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Se, de um lado, o crescimento dos Novos Movimentos Religiosos impressiona, de outro lado não se pode esquecer que traz em seu bojo pontos muito vulneráveis, que podem ser fatores de seu próximo declínio: assim a manipulação da pessoa humana, o desrespeito à inteligência e à verdade, o fanatismo, que tem suscitado crimes e processos judiciários contra esses Movimentos...
Da parte da Igrela Católica, requer-se uma revisão de sua pastoral: mais intensa e precisa catequese para todas as idades, com ênfase nos pontos controvertidos pelos não-católlcos, a revitalização do comportamento de certos setores do Catolicismo afetados pelo secularismo, a renovação das paróquias, que se devem tornar mais aconchegantes e fraternas, celebrando uma Liturgia viva e participada (que não perca o seu caráter hierático ou sagrado).
É sempre - ou cada vez mais - atual o tema das seitas ou, melhor, dos Novos Movimentos Religiososo (NMR) que invadem as populações da América Latina e, em particular, do Brasil. Embora as estatísticas sejam difíceis, visto que há pessoas de posição religiosa ambígua, diz-se que anualmente 600.000 católicos se passam para os novos movimentos religiosos no Brasil. Com relaçao à América Latina, o Cardeal Obando y Bravo, da Nicarágua, observava no Consistório Extraordinário convocado pelo Papa para examinar o fenômeno das seitas: "Em 1900, contavam-se 50.000 pertencentes a denominações não católicas; em 1967, eram 4.000.000; em 1974, 8.000.000, e em 1985 30.000.000". Podemos dizer que em nossos dias a cifra ainda é bem maior.
O ritmo de progresso numérico das seitas mostra que nao se trata de um fenômeno passageiro, mas, sim, de algo que tende a se expandir e a se arraigar, pois:
Antes do mais, impõe-se a procura das causas do fenômeno.
Distingamos causas externas, ou seja, de fora da Igreja Católica, e causas internas, isto é, deficiências da ação pastoral da Igreja Católica.
1. Verifica-se que o homem de nossos dias é profundamente carente:
Ora a esse quadro respondem os NMR. Pregam, numa palavra, a "salvação", "salvação" que, antes do mais, toma aspectos emotivos, falando ao coração, acompanhados de mensagem "maravilhosa". Com efeito; os NMR oferecem respostas que pretendem desvendar o futuro e profetizar em nome de Deus ou resolver problemas de todo e qualquer tipo. Isto satisfaz profundamente a todo ser humano pouco crítico, na medida em que é desejoso de conhecer coisas ocultas, desvendar mistérios, aprender o que há de acontecer... ou resolver o que há de insolúvel.
2. Os NMR oferecem outrossim aos nossos contemporâneos:
1. Antes do mais, registra-se a insuficiente instrução religiosa do povo católico - o que o torna indefeso diante do proselitismo dos NMR. Existe vivo senso religioso na população do Brasil, mas desvinculado do estudo ou do aprofundamento das verdades da fé. Isto é terreno fértil para o sincretismo, o ecleticismo e a própria apostasia religiosa.
2. O número de clérigos e de agentes de pastoral bem preparados é insuficiente para formar o povo católico. A população do país vai crescendo, mas não cresce proporcionalmente o número de sacerdotes e catequistas.
3. A excessiva preocupação com os problemas sócio-econômico-políticos na pregação tem afastado muita gente da Igreja Católica, levando os fiéis a procurar pequenos grupos que falem calorosamente (embora com pouca profundidade) de Deus Pai, de Jesus Cristo, do Espírito Santo e de seus dons...
4. O culto católico é, às vezes, celebrado sem que se levem em conta as possibilidades de participação dos leigos. Estes se sentem passivos, "anônimos", perdidos na massa de uma grande assembléia. Este ponto é nevrálgico, pois é certo que o culto não pode perder o seu caráter hierático, reverente a Deus e, por isto, disciplinado e regrado; mas também é certo que é o culto prestado por toda a assembléia ou todo o povo de Deus presente, de modo que cada um se sinta envolvido por aquilo que é dito e feito na Liturgia sagrada.
5. O ecumenismo ou diálogo entre irmãos separados nem sempre tem sido adequadamente cultivado. Não raro se tem caído no relativismo religioso ou em concessões indevidas, que traem a fé católica. Na verdade, é sempre mais fácil ceder ao protestantismo ou a uma nova corrente religiosa do que ser fiel ao Catolicismo, pois este é mais exigente, ao passo que as novas propostas religiosas são dadas ao subjetivismo, ao sentimento, ao livre exame da Bíblia e dos valores religiosos.
Perguntamos agora: quais as conseqüências e os possíveis prognósticos que o quadro descrito nos aponta?
O diálogo ou a troca de idéias com os membros dos novos grupos religiosos é, muitas vezes, impraticável, pois eles o recusam. E isto por dois motivos:
As estatísticas, de modo geral, apontam crescimento constante dos NMR, com prognósticos sombrios para o futuro do Catolicismo na América Latina ("o continente da esperança", como dizem). Realmente há motivos de sérias preocupações a propósito. Todavia não se podem esquecer os aspectos frágeis do fenômeno, aspectos que provavelmente servirão de dique ao avanço das seitas. Eis o que se pode registrar:
É certo que vários dos NMR são impulsionados por atitudes patológicas: assim, uma excitaçao fanática, cega... doentia,... excitação provocada e alimentada por meios ambíguos, práticas rituais e sermões que chegam às raias da morbidez. Não são raros os casos de crimes cometidos no âmbito dos NMR em nome das respectivas crenças. Em parte, tais fatos se compreendem a partir da premissa de que muitas das pessoas que vão procurar os NMR são pessoas cansadas, desanimadas, decepcionadas pelos meios de solução convencionais ou racionais; a crise mental é exacerbada pelas proposições, não raro, aterradoras dos dirigentes das seitas.
Há também quem julgue que o processo de iniciação em alguns dos NMR equivale a uma "lavagem de crânio": a pessoa é programada para se comportar e falar de tal ou tal maneira, de modo que deverá ser deprogramada caso venha a deixar o respectivo grupo. Se não chega a tanto, a iniciação tende a submeter cada vez mais a pessoa à autoridade do mestre ou pastor "esclarecido", sem deixar margem a senso crítico e a objeçoes. Diga-se, aliás, mais uma vez: muitos dos que aderem a um NMR querem precisamente ser dirigidos por uma autoridade absoluta, tida como "carismática", porque são inseguros e frustrados pela inclemência da vida.
Tal estado de coisas é perigoso tanto para os indivíduos como para a sociedade. Por isto também correm processos perante tribunais civis contra a conduta de determinados grupos religiosos. Alguns Governos da Europa e o próprio Parlamento Europeu resolveram tomar medidas coibitivas; segue-se uma notícia colhida no periódico "La Documentation Catholique" nº 1878, de 15/06/1984, p. 764:
A assembléia modificou levemente o Parecer apresentado sobre o assunto pelo parlamentar conservador britânico Richard Cottrell.
Entre outras coisas, foi trocado o respectivo título a fim de denegar todo caráter autenticamente religioso às seitas. Já não se fala de 'Novos Movimentos Religiosos', mas de 'Novas Organizações que atuam sob a Cobertura da Liberdade Religiosa'. Esta troca de título tinha por objetivo tranquilizar as comunidades protestantes receosas de que se viesse a combater a liberdade de consciência.
O Parlamento convida o Conselho dos Ministros do Interior e da Justiça da Comunidade a efetuar um 'intercâmbio de informações' sobre as seitas e as suas 'ramificações internacionais', a resolver 'eventuais problemas' por elas causados, na base dos princípios seguintes:
Do seu lado, a Federação Protestante de França escreveu em fevereiro de 1984 aos Deputados Europeus, solicitando-lhes que votassem contra o projeto Cottrell. Em abril do mesmo ano, o Conselho Britânico das Igrejas escreveu-lhes no mesmo sentido. A aversão dos protestantes assim se explica: a liberdade religiosa é indivisível: torna-se difícil traçar clara linha divisória entre seita e Igreja; o aparato legislativo na Europa é suficiente para reprimir os delitos".
Outro aspecto vulnerável das Novas Organizações (NO) é o seu caráter mais emotivo do que racional. A emoção não pode sustentar longas caminhadas, pois cedo ou tarde o homem sadio sente necessidade de dar contas a si mesmo das suas opções e da sua escala de valores. Ademais verifica-se que as NO interpretam as Escrituras a seu talante, não raro desfigurando-as - o que lhes tira toda legitimidade intelectual. Isto explica por que, entre os membros das NO, não se encontra algum intelectual de valor. Tal fato deve, aos poucos, ir limitando a propagação das NO, pois todo movimento histórico se difunde na base e na proporção da verdade que ele contém e apregoa. Cedo ou tarde toda mistificação vem à tona e provoca o repúdio da sociedade.
Chama-nos a atenção o grande número e a crescente proliferação das seitas. A história, porém, ensina que as seitas nao têm vida longa. Aparecem e desaparecem, ao longo dos tempos, como insetos muito prolíferos que duram apenas alguns dias ou algumas horas.
Também efêmera é a passagem de muitas pessoas pelas NO; entram nesses grupos e deles saem com relativa facilidade; acontece, porém, que, ao entrarem, suscitam comentários e impressionam parentes e amigos, ao passo que, ao saírem, ninguém diz coisa alguma, porque não raro se desligam aos poucos. Isto faz crer que há um aumento numérico contínuo em favor das seitas; estas parecem estar dominando o cenário.
Eis alguns fatores que atenuam a "pujança" dos Novos Movimentos e levam a prever um enfraquecimento de sua vitalidade. Como quer que seja, a confiança e o zelo apostólico dos católicos nao se baseiam nos aspectos vulneráveis das seitas, mas, sim, na palavra do Senhor Jesus, que prometeu estar com os discípulos todos os dias até o fim dos tempos (cf. Mt 28,18-20).
Impõe-se agora a questão:
Sem dúvida, a situação descrita é um desafio para a Igreja, que se sente obrigada a rever sua ação pastoral. Tais são os pontos que parecem mais urgentes:
Diz o Papa Paulo VI:
"As palavras voam, os exemplos arrastam", diz-se popularmente. Nesta época de anti-intelectualismo religioso, toma-se particularmente persuasivo (ou dissuasivo) o tipo de vida que os católicos levam. Requer-se fidelidade a Cristo, como Ele se apresenta na Igreja por Ele fundada (cf. Mt 16, 16-19) e governada pelo sucessor de Pedro; a adesão ao magistério e às orientações do Papa é de valor capital para ilustrar a coesão e a unidade da Igreja. Em nossos dias, fala-se da "privatização da religião", inclusive entre católicos; há aqueles que crêem em Cristo, mas não freqüentam a Igreja, nem participam da sua vida, por motivos individualistas e subjetivos, que são mortíferos para a vida espiritual do cristão.
O Catolicismo se debilita pela infiltração de concepções secularistas, que tendem a reduzi-lo a um Sistema de atendimento ao homem com o apagamento do nome de Deus. O transcendental estaria incluído no imanente (paradoxo!) e não precisaria de ser explicitado. É claro que tal mentalidade é apta a desfigurar o Catolicismo e tirar-lhe a identidade. Os valores religiosos, a cosmovisão de fé, as expressões do Cristianismo hão de ser constantemente sustentadas pelos fiéis, sob perigo de trair o Cristo e o Evangelho. Numa sociedade pluralista como a nossa, o transcendental pode e deve ser nitidamente proclamado.
As paróquias são as células-chaves necessárias da Igreja. Verifica-se, porém, que, com o aumento demográfico, a escassez do clero e o insuficiente comprometimento dos leigos, o estilo da paróquia tradicional já não é bastante para atender aos fiéis, em muitos lugares. A revitalização da paróquia se torna indispensável. É para desejar que se torne uma comunidade de comunidades, contendo dentro de si núcleos menores, nos quais as pessoas se sintam acolhidas fraternalmente, rezem juntas, participem da Eucaristia sempre que possível, e vivam a fraternidade cristã. Os NMR dão grande importância à vida comunitária e fraterna; é isto que atrai muitos fiéis, que não encontram a ocasião de participar de uma vida mais fraterna nas paróquias tradicionais.
O anseio de participar tende a se exercer muito especialmente nas celebraçôes litúrgicas. Daí a conveniência de uma revisão do nosso modo de celebrar; seja tão aberto aos fiéis leigos quanto o permitem as rubricas (não mais, porém, do que isto). É oportuno que os fiéis católicos sejam instruídos a respeito do significado dos gestos e símbolos da Eucaristia, do Batismo, dos Sacramentos e sacramentais em geral. Orem em comum, celebrando, na medida do possível, a Liturgia das Horas, muito rica em textos bíblicos, cantos e silêncio contemplativo.
São estas algumas sugestões que podem contribuir para responder ao premente desafio das seitas. Em cada região tomarão suas características próprias.
Concluiremos acrescentando:
A Santa Sé e os Bispos de países afetados pelas seitas (também os de outros continentes o são) têm-se dedicado à consideração do assunto, valendo-se do subsídio de peritos diversos.
O Papa João Paulo II tem-se mostrado particularmente interessado pelos fatos, tendo em vista especialmente o continente latino-americano.
Assim a um grupo de Bispos do Peru em visita ad limina, no ano de 1988, dizia:
Este assunto deve constituir um motivo suplementar de zelo pastoral, que nos leve a organizar e pôr em prática uma ação evangelizadora, para a qual precisamos de agentes de Pastoral devidamente formados e impregnados de grande espírito apostólico".
A Catequese deverá ser "um objeto prioritário nos planos orgânicos da Pastoral voltada para o futuro" (aos Bispos de El Salvador em 1984).
Aos Bispos do México em 1982 dizia o Pontífice: