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A INQUISIÇÃO NO BRASIL
Autor: d. Estevão Bettencourt
Fonte: Revista "Pergunte e Responderemos" - set./2000
Transmissão: Antonio Xisto Arruda

No Brasil nunca houve tribunal do Santo Ofício ou da Inquisição. O país achava-se sob a competência do tribunal de Lisboa. Durante o século XVI, a Inquisição agiu discretamente. São conhecidos três processos e uma visita do Santo Ofício, sem graves conseqüências. Misturavam-se, às vezes, fatos reais de índole religiosa ou político-social com faltas graves aparentes ou supostas ou tendências perniciosas no campo religioso e social. A Inquisição no Brasil foi extinta em 1774 quando o Santo Ofício foi oficialmente transformado em tribunal régio, sem autonomia ou completamente dependente da Coroa.

A Inquisição de Portugal contava três distritos: Évora, Coimbra e Lisboa, tendo este a jurisdição sobre o Brasil. Seja brevemente examinado o seu funcionamento no Brasil.

1. Século XVI

Como a Inquisição no Brasil estivesse sob a jurisdição do Tribunal de Lisboa, não houve na colônia, em nenhuma época, um tribunal próprio. Assim sendo, os processos eram levados para a Corte. No Brasil, os Inquisidores eram os Bispos. Mas, visto o grande número de novos convertidos, foi nomeado Inquisidor Apostólico D. Antonio Barreiros. Seus poderes limitavam-se aos cristãos-novos; era-lhe recomendado usar de prudência, moderação e respeito. A ação do Santo Ofício foi discreta, sendo conhecidos três processos e uma visita do Inquisidor de Portugal.

2. Século XVII

Data deste século a segunda visita do Santo Ofício. Esta ocorreu entre setembro de 1618 e janeiro de 1619, sendo Inquisidor D. Marcos Teixeira. Os motivos devem prender-se à preocupação da Coroa Espanhola com os cristãos-novos, temendo que pudessem aliar-se aos holandeses, que naquele tempo pressionavam o Reino Unido. A colõnia, de fato, tornara-se lugar de refúgio e de degredo para os novos convertidos, que aqui se achavam em grande número.O Pe. Antonio Vieira, nessa época, defendeu a tolerância para com os cristãos-novos, idéia que se generalizou e continuou viva mesmo após a restauração, em 1640.

3. Século XVIII

Surgindo as minas de ouro, para as quais ia grande número de estrangeiros de todos os Credos, a política de tolerãncia vigente no século anterior começou a mudar. Intensificou-se a ação da Inquisição no Brasil.

No reinado de D. José I (1750-77), a Inquisição decaiu, chegando praticamente a anular-se. Dois fatores contribuiram para a sua queda, ambos ligados à personalidade do Marquês de Pombal. Primeiramente, o Primeiro-ministro considerou-a contrária aos interesses da Corte, embora anos antes (1761) a tivesse utilizado contra o Pe. Gabriel Malagrida, por ter este, na ocasião do terremoto de Lisboa (1755), acusado de erros morais os membros da Corte. Além disto, em virtude de um desentendimento entre Pombal e o Santo Ofício em Portugal, chegou o rei D. José I a procurar minorar a ação do Tribunal.

Assim é que em 1773 foram baixadas leis que acabaram com a distinção entre cristãos-novos e outros cristãos, e que proibiam qualquer discriminação por ascendência judaica. Em 1774 o Santo Ofício foi transformado num tribunal régio, sem autonomia, completamente dependente da Coroa, o que significou na prática a sua desativação. "Não obstante as falhas que se podem apontar contra todo e qualquer sistema repressivo, não é lícito nem honesto ver na atuação da Inquisição ou Santo Ofício somente a face negativa. Houve também vantagens para a fé e os bons costumes, evitando-se tolerância em demasia com desvantagens para a pureza da fé ou com tropelos dos mandamentos divinos, visto que a Inquisição não empregava somente a repressão, mas também a persuasão para corrigir desvios na fé ou nos costumes. Ademais, para muita gente que se deixa levar mais pelo temor que pelo amor, por muitas causas que não é o caso de abordar, toda ação coercitiva, quando psicologicamente bem orientada, pode ter seus reflexos positivos. Aliás, o Santo Ofício era, antes do mais, um tribunal eclesiástico que tinha em mente mover o culpado a reconhecer seu pecado, detestálo e prometer emenda. Só em casos de pertinácia agia com penas que variavam segundo a gravidade do delito e a renúncia ao perdão. No Brasil, felizmente, durante o século XVI, não temos a lamentar a pena capital entre os nascidos na terra, mesmo quando encaminhados ao tribunal de Lisboa" (RUBERT, Arlindo. A Igreja no Brasil. Origem e desenvolvimento (Século XVI), vol. 1. Santa Maria, Pallotti, 1981, p. 284).