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As indulgências não significam venda do perdão de pecados, como se diz
freqüentemente, mas são obras boas que devem ser praticadas com profundo amor
a Deus e total repúdio do pecado já absolvido pelo sacramento da Penitência,
a fim de que o amor a Deus assim excitado apague os resquícios do pecado
que costumam permanecer no cristão mesmo após a absolvição sacramental. O
fiel católico que lucra uma indulgência, pode aplicá-la às almas do
purgatório, à guisa de sufrágio, isto é, pedindo a Deus que o amor ao
Senhor existente naquelas almas acabe de erradicar qualquer vestígio de
amor desregrado. Deve-se reconhecer que não é fácil ganhar indulgências,
pois o apego ao pecado (ainda que leve) muitas vezes está profundamente
arraigado no íntimo do cristão.
A esmola, implicando caridade ou amor a Deus e ao próximo, pode ser uma
obra indulgenciada. É este aspecto que deu origem à falsa interpretação de
que se vendia e comprava o perdão dos pecados no século XVI. O tema das
indulgências freqüentemente suscita mal-entendidos, mas afinal, o que são
indulgências?
Para ter noção do que são as indulgências na Igreja, devemos aprofundar
sucessivamente quatro proposições doutrinárias, a saber:
a. Necessidade de Expiação
0 pecado não é somente a transgressão de uma lei, mas é também a violação
da ordem de coisas estabelecida pelo Criador. Por isto, para que haja
plena remissão do pecado, é necessário não somente que o pecador obtenha de
Deus o perdão, mas também que repare a ordem violada (é o que se chama
"expiação"). Assim quem rouba um relógio, não precisa apenas de pedir perdão
a quem foi lesado, mas deve também devolver o relógio ao seu proprietário.
Quem caluniou alguém, não deve somente pedir-lhe perdão, mas haverá de
restaurar o bom nome e a fama de quem foi injustiçado. Mesmo os pecados
meramente internos de pensamentos e desejos exigem, além do perdão de
Deus, também a restauração da ordem interna do pecador, pois os pensamentos
e desejos culposos excitam ou alimentam paixões e afetos desregrados no
íntimo do respectivo sujeito.
A necessidade dessa reparação é muito lógica. Dizia sabiamente S.
Agostinho: "Aquele que te criou sem ti, não te salva sem ti". A
própria Escritura dá a ver que o Senhor Deus, mesmo após haver perdoado a
culpa do pecador, exigiu a reparação da ordem violada. Ver 2Sm 12,13s; Nm
20,12s; Tb 4,11s.
b. O tesouro dos méritos de Cristo confiado à Igreja
Em vista da expiação dos pecados, existe na Igreja um tesouro infinito de
méritos que Cristo adquiriu mediante a sua Paixão e Morte; esse tesouro
frutificou nos méritos da Bem-aventurada Virgem Maria e dos Santos. É
chamado "o tesouro da Igreja". Cristo confiou à sua Igreja as chaves para
administrar o tesouro da Redenção, como se depreende de textos, como o de
Mt 16, 16-19; 18, 18; Jo 20, 22s.
c. A aplicação dos méritos de Cristo ou a instituição das indulgências
Consciente do poder das chaves que Cristo lhe concedeu, a Igreja, no decorrer
dos tempos, resolveu aplicá-lo em favor dos cristãos penitentes que ainda
tivessem de prestar expiação por seus pecados. Com efeito. Sabemos que nos
primeiros séculos os pecadores que desejassem a absolvição de suas faltas,
deviam primeiramente prestar satisfação por elas, tentando extirpar do seu
íntimo as raízes do pecado. Por conseguinte, a Igreja lhes impunha uma
penitência que, para ser medicinal, costumava ser rigorosa (assim, por
exemplo, uma Quaresma de jejum, em que o penitente se vestia de sacos e
cilício); essa penitência tinha por objetivo excitar e fortalecer, no
penitente, o amor a Deus que extinguiria o amor ou as tendências
desordenadas do sujeito. Em conseqüência, julgava-se que, quando o pecador
era absolvido (na Quinta-feira Santa, geralmente), ficava isento não apenas
da culpa, mas também das raízes do pecado; teria seu amor purificado ou
teria reparado a ordem violada em seu íntimo.
Acontece, porém, que essa praxe penitencial, com o tempo, se tornou
insustentável; não só exigia especiais condições de saúde, mas também
acarretava conseqüências penosas para todo o resto da vida de quem a ela
se submetesse. Eis por que aos poucos foi sendo modificada.
Com efeito, a partir do século VI foi introduzido novo costume: o pecador,
tendo confessado suas faltas, recebia logo a absolvição, mas, depois disto,
ainda prestaria uma satisfação correspondente à gravidade de suas culpas, a
fim de extinguir dentro de si todo apego ao pecado. Este novo modo de
administrar o sacramento da Reconciliação ainda era assaz penoso; a dura e
prolongada penitência (jejum, cilício...) não podia ser praticada por todos
os pecadores. Consciente disto, a Igreja instituiu as "comutações" ou
"redenções" de penitências. Estas tem seu fundamento na própria S.
Escritura: a Lei de Moisés enumerava casos em que as obrigações dos fiéis
eram legitimamente comutadas e mitigadas, desde que se tornassem
demasiadamente onerosas.
Em que consistiam propriamente as comutações de penitências na Igreja do
século IX? Como dito, a Igreja é depositária dos méritos de Cristo que
frutificaram nos méritos da SS. Virgem e dos Santos, constituindo o
tesouro da Igreja. Ora os Bispos julgaram oportuno, a partir do século IX,
aplicar esses méritos em favor dos pecadores absolvidos que se deviam submeter
a rigorosas penitências. As duras obras de penitência foram sendo
substituídas (comutadas) por outras mais brandas, obras às quais a S.
Igreja associava diretamente os méritos satisfatórios de Cristo; assim em
lugar de jejuns podiam ser impostas orações; em vez de longa peregrinação,
o pernoitar num santuário; em vez de flagelações, uma esmola...
A estas obras mais brandas a Igreja, num gesto de indulgência, anexava algo
da expiação sumamente meritória do Senhor Jesus. Foram chamadas "obras
indulgenciadas" (enriquecidas de indulgências). A remissão da pena
satisfatória obtida pela prática de tais obras tomou o nome de
"indulgência". Compreende-se, porém, que tal indulgência não se ganhava de
maneira mecânica; era sempre necessário que o penitente, ao realizar a
obra indulgenciada, já tivesse recebido a absolvição de seus pecados, e
nutrisse em si o horror ao pecado e o férvido amor a Deus que ele teria se
fosse prestar uma quarentena ou mais de jejum e de cilício... Sem tais
disposições, não ganharia a indulgência proposta.
No século XI, os bispos começaram a conceder indulgências gerais, isto é,
oferecidas a todos os fiéis, sem se exigir a intervenção direta de um
sacerdote. Em outros termos: os Bispos determinaram que, prestando tal ou
tal obra (visita a um Santuário, orações especiais, esmolas...), os fiéis
poderiam obter a remissão da satisfação correspondente aos seus pecados já
absolvidos. Assim quem colaborasse na construção de um santuário ou
peregrinasse a um lugar sagrado, lucraria uma indulgência de 100 dias, 1
ano, 7 anos (isto é, os frutos da penitência realizada durante cem dias,
um ano, sete anos), desde que o fizesse com o horror ao pecado que animava
os penitentes da Igreja antiga.
Esta praxe ficou em vigor até os tempos recentes da Igreja. Quando, antes
do Concílio do Vaticano II (19621965), se falava de "indulgência de 100,
300 dias, um ou mais anos", não se designava um estágio no purgatório,
pois neste não há dias nem anos. Com essa contagem, indicava-se o perdão da
expiação que outrora alguém prestaria fazendo 100, 300 dias, um ou mais
anos de penitência rigorosa, avaliada segundo a praxe da Igreja antiga. Em
nossos dias a terminologia mudou, como se dirá mais adiante.
Reflexões Teológicas
As considerações até aqui propostas comprovam que a Igreja, ao instituir
as indulgências, teve em vista auxiliar os seus filhos que tenham obtido
o perdão de seus pecados, mas ainda devam prestar reparação pelos mesmos.
A Igreja reconhece que na Comunhão dos Santos os fiéis vivos podem obter
indulgências em favor dos irmãos falecidos que no purgatório ainda tenham
de prestar satisfação por pecados cometidos nesta vida. É muito importante
notar que ninguém pode lucrar indulgência sem que tenha previamente
confessado as suas faltas graves (as obras indulgenciadas não obtêm o
perdão dos pecados como tal) e sem que excite em si o espírito de
contrição que o levaria a prestar as rigorosas penitências da Igreja
antiga; sem este ânimo interior, nada se pode adquirir. Donde se vê que
a praxe das indulgências está longe de reduzir a religião a formalismo e
mercantilismo.
Deve-se observar também que a Igreja nunca vendeu o perdão dos pecados,
nem vendeu indulgências. Mais: quando a Igreja indulgenciava a prática de
esmolas, não intencionava dizer que o dinheiro produz efeitos mágicos, mas
queria apenas fomentar a caridade ou as disposições íntimas do cristão como
fator de purificação interior. Não há dúvida, porém, de que pregadores
populares e muitos fiéis cristãos dos séculos XV/XVI usaram de linguagem
inadequada ou errônea ao falar de indulgências. Foi o que deu origem aos
protestos de Lutero e dos reformadores. Na verdade, é muito difícil ganhar
uma indulgência plenária. Quem, ao recitar breve prece indulgenciada ou ao
fazer visita a um santuário, pode ter certeza de estar contrito dos seus
pecados a ponto de não lhes ter mais o mínimo apego? O velho homem, mais
ou menos arraigado em cada cristão, é caprichoso e sorrateiro; para
dominá-lo, é necessária assídua vigilância com o auxílio da graça.
A praxe atual
Após o Concílio do Vaticano II, o Papa Paulo VI procedeu a uma revisão da
instituição das indulgências, que era e é válida, mas se prestava a
equívocos, principalmente pela contagem de dias, meses e anos de
indulgência...; esta terminologia supunha condições históricas que haviam
caído no esquecimento do público.
Eis alguns traços da respectiva Constituição "Indulgentiarum Doctrina"
datada de 1967:
Vê-se como esta disposição é apta a fazer do instituto das indulgências
um estímulo para o afervoramento da piedade dos fiéis.
A confissão sacramental pode ser efetuada alguns dias antes ou (se não
houver pecado grave) depois da obra indulgenciada. A S. Comunhão, porém, e
a oração pelo Sumo Pontífice deverão ocorrer no dia mesmo em que se realizar
a obra. Basta uma Confissão sacramental para se adquirir mais de uma
indulgência plenária. Requer-se, porém, uma Comunhão e uma oração pelo S.
Padre para cada indulgência plenária.
Examinemos mais profundamente estas proposições:
Mediante estas três normas, a Igreja visa a estimular os seus filhos a uma
vida fervorosa, animada por espírito de fé, de amor e de configuração a
Cristo.