»» Artigos Diversos

HÁ UM MUNDO CHAMANDO POR VOCÊ
Autor: Vanderlei Roque Signorini (sds)
Transmissão: José Augusto

Talvez nunca a palavra vocação tenha sido tão ouvida e badalada como nos dias de hoje. Tal palavra parece que vem se tornando cada vez mais "sociável". Digo isto pelo fato de a pouco tempo atrás pertencer quase que exclusivamente à esfera religiosa. O que se vê é que, somando-se aos profissionais autônomos (psicólogos), também empresas, escolas e universidades dispõem de orientadores vocacionais para ajudarem as pessoas, sobretudo os jovens, a discernirem ou descobrirem quais suas reais motivações e aptidões e em que empregá-las para que possam chegar à sua realização pessoal e social. As inseguranças e incertezas no discernimento vocacional parecem ser proporcionadas pelo bombardeio de imagens e mensagens devido aos avanços científicos e tecnológicos, que imprimem uma velocidade no ritmo de vida inigualável em outros tempos e que despertam um sentimento profundo de que tudo é provisório, fazendo com que o futuro se torne o grande desconhecido e, por isso, uma ameaça angustiante. Vive-se o imediatismo e a ausência de projetos de vida. A vida parece tornar-se sem sentido.

Constantemente ouvimos falar que todos temos vocação. Todos somos vocacionados, ou seja, chamados à vida, à fé e ao serviço na comunidade e na sociedade para o bem e para a edificação comum. A Bíblia, tida como revelação do Deus criador e libertador, apresenta o projeto para a felicidade do ser humano no mundo: a vida a serviço dos outros sem interesses egoísticos e egolátricos é o ideal de humanização, de libertação, de realização, de plenificação, enfim, de salvação. A própria Bíblia se faz vocação para que a vida seja dom de amor. E os relatos bíblicos de vocação, que são tidos como "as páginas mais impressionantes da Bíblia", apresentam os vocacionados como chamados por Deus para desempenharem uma missão em prol do povo, visando a libertação de tudo aquilo que atrapalha e impede que a vida seja vivida como dádiva.

Na Bíblia a vocação é um chamado de Deus que exige uma resposta para realizar uma missão.

O interessante é que toda vocação na Bíblia implica num sair de si, numa conversão ou mudança de vida e tem por objeto uma missão. No Antigo Testamento é sempre Deus quem chama, e o faz para uma pessoa ou grupo, para enviar em missão, dando uma tarefa especial para realizar, concedendo dons especiais necessários para o cumprimento da mesma, sendo que o próprio Deus se faz presente, acompanhando no desenvolvimento do encargo.

Foi assim que aconteceu com Abraão (cf. Gn 12,1), com Moisés (cf. Ex 3,10.16), com Amós (cf. Am 7,15), com Isaías (cf. Is 6,9), com Jeremias (cf. Jr 1,7), com Ezequiel (cf. Ez 3,1-4), e com tantos outros, até chegar ao vocacionado por excelência: Jesus de Nazaré. É na pessoa de Jesus que acontece a encarnação do projeto de Deus para a humanidade. Jesus, por amor às pessoas, entrega sua vida livre e gratuitamente, para que o humano, se espelhando nele, se torne mais humanizado.

Para os cristãos Jesus é o protótipo, o modelo de toda vocação enquanto ensinou o caminho para a plenitude humana e para a salvação. "Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (Jo 14,6), proclamou ele há quase dois mil anos nas aldeias e cidades dos montes e vales da Galiléia, convidando pessoas como André, Pedro, Tiago, João, Maria Madalena e tantos outros, como também a nós hoje, a seguí-lo e a inspirar-se nele. "Vem e segue-me" (Mc 10,21) é o grande convite ao desapego de nossas vidas e a uma entrega confiante. E aos que se sentem interpelados, desafiados e se colocam a caminho, Jesus os envia: "como o Pai me enviou, eu envio vocês..." (Jo 20,21), para que "façam as obras que eu faço" (Jo 14,12). Aliás, todos nós que fomos batizados, além de escolhidos por Jesus, somos enviados por ele: "Não fostes vós que me escolhestes, mas eu que vos escolhi e designei para irdes produzir frutos e para que o vosso fruto permaneça..." (Jo 15,16).

Deus continua chamando através de Jesus e espera a sua resposta!

Um dos mais belos relatos vocacionais bíblicos do Novo Testamento podemos encontrar em Mateus 9,35-38. Ei-lo:

Esse texto, além de apresentar uma visão panorâmica e sintética da atividade-missão de Jesus, que se traduz no ensinamento, no anúncio do Reino e na ação de curar (leia-se também libertar e salvar), realça a necessidade de que muitos "operários" sejam enviados por Deus à colheita evangélica. A colheita é a figura que Mateus usa para indicar o agir divino e a colaboração humana em vista da unidade do Reino. É um acontecimento de encontro, de felicidade e de vida. Além do mais, Mt 9,35-38 introduz o capítulo 10 de Mateus que sublinha a continuidade da missão do mestre nos discípulos. Se olharmos em Mt 10,1, veremos que a missão dos discípulos é continuar o que Jesus começou, fazer aquilo que ele fez.

O motivo é a compaixão que Jesus sente pelas multidões tidas por ele como "ovelhas sem pastor": imagem bem conhecida no Antigo Testamento, especialmente nos profetas Jeremias (cf. Jr 23) e Ezequiel (cf. Ez .34). "A falta de pastor alude ao povo abandonado e traído pelos seus líderes, sejam eles políticos, religiosos ou intelectuais que, em vez de servir ao povo, servem-se do povo para satisfazer seus caprichos pessoais e principalmente sua sede de poder. Em vez de promover a justiça a serviço da liberdade e da vida, promove a injustiça, roubando o que o povo tem e o que o povo é". É tendo em vista este quadro e esta realidade de abandono, de opressão, de exploração, de marginalização e de exclusão que Jesus se coloca como o "Bom Pastor" que cuida de suas "ovelhas", ama-as e defende-as dos perigos, pois quer que "tenham vida em abundância" (Jo 10,10).

É por isso que Jesus insiste que se peça, se reze, se suplique ao "dono da plantação" para que envie muitos "operários". Isto demonstra a preocupação de Jesus com as pessoas, com o povo sofrido, enviando-lhes, em missão, os seus discípulos. O trabalho da "colheita" exige engajamento e luta para alcançar a comunhão desejada entre as pessoas e com Deus.

Como batizados, todos fomos indistintamente chamados a "fazer-se" discípulos de Jesus numa prática de vida operosa, agindo como ele agiu, proclamando a eminência do Reino por palavras e ações, suplicando e rezando a Deus para que cada vez mais e mais pessoas se juntem a nós em Jesus Cristo para que neste nosso mundo possa habitar a liberdade, a justiça, a solidariedade, a dignidade humana e a paz.

Portanto, se é verdade que todos temos uma vocação, uma missão a desempenhar, também é verdade que todos os que descobriram sua vocação têm um papel fundamental no auxílio àqueles que adormecidos ou desatentos não descobriram a sua, e por isso, não fazem de sua vida um dom de amor na luta pelo bem de todos. Porquanto, não nos esqueçamos daquelas palavras do mestre: "Se compreenderdes e praticardes o amor, felizes sereis" (Jo 13,17).

Enfim, há quem diga que a única e verdadeira vocação cristã radical é o amor. E mais, há quem diga que no coração do mundo palpita o amor, permanentemente tentando ressoar em nossos corações. Resta-nos ouvir seu chamado e abrir as portas para que ele possa entrar. E como o amor é mais forte do que tudo nesta vida, no final, ele vencerá.