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Há quem diga que o título de Católica só foi atribuído à Igreja pelo
Concílio de Constantinopla I em 381 por decreto do Imperador Teodósio -
alegação esta desmentida pelo fato mesmo de que já S. Inácio de Antioquia,
nos primeiros anos do século II, falava de Igreja Católica. Quanto ao
termo Papa, só foi aplicado ao Bispo de Roma no século V de maneira
enfática; todavia a função de Pedro como chefe do colégio apostólico já
está delineada nos escritos do Novo Testamento; no caso, o que importa não
é o nome, mas o exercício da função.
O seguinte artigo de um jornal deixou vários leitores confusos. Daí então,
vamos as respostas.
A Igreja recebeu o nome de "católica" somente no ano 381, no Concílio
"Conctos Populos" dirigido pelo imperador romano Teodósio. Devido às
alterações que fez, deixou de ser apostólica e não sabemos como pode ser
romana e universal ao mesmo tempo. (Hist. Ecles., I pg. 47, Riva ux). Até o
século V não houve "papa" como conhecemos hoje. Esse tratamento de ternura
começou a ser aplicado a todos os bispos a partir do ano 304. (Cônego
Salin, Ciência e Religião. Tom. 2 pg. 56).
O texto em foco contém várias imprecisões (para não dizer vários erros),
como se evidenciará nas linhas seguintes.
1. Igreja Católica: desde quando?
A expressão "Igreja Católica" não tem origem no fim do século IV, mas
encontra-se sob a pena de S. Inácio, Bispo de Antioquia (+107 aproximadamente),
que nos primeiros anos do século II escrevia: "Onde quer que se
apresente o Bispo, ali esteja também a comunidade, assim como a presença
de Cristo Jesus nos assegura a presença da Igreja Católica" (Aos
Esmlrnenses 8,2).
A expressão "católica" parece designar, em primeira instância, a
universalidade da Igreja (ela está em toda parte, e não somente nesta ou
naquela comunidade). Todavia os intérpretes do texto julgam que algo mais
está dito aí: S. Inácio terá tido em vista a Igreja autêntica, verdadeira,
perfeita. Desde fins do século II se torna freqüente o sentido de
universal, sem, porém, excluir o de autêntica, isto é, portadora de todos os
meios de salvação instituídos por Cristo. Esta segunda acepção se tornava
necessária pelo fato de haver correntes ou "igrejinhas" heréticas,
separadas da Igreja grande, nos primeiros séculos (como até hoje as há).
O sentido de "autêntica" atribuído ao adjetivo "católica" encontra-se
regularmente nos escritos dos primeiros séculos. A partir do século III,
pode-se dizer que "católica" significa a verdadeira Igreja, esparsa pelo
mundo ou também alguma comunidade local que esteja em comunhão com a
Grande Igreja. Quanto à origem da palavra "católico", é preciso procurá-la
no grego profano. Com efeito; para Aristóteles (+322 a.C.), "kath'holon"
significa "segundo o conjunto, em geral"; o vocábulo é aplicado às
proposições universais. O filósofo estóico Zenon (+262 a.C.) escreveu um
tratado sobre os universais intitulado "katholiká"; são católicos os
princípios universais. Políbio (+128 a.C.) falou da história universal em
comum, dizendo-a "Tès katholikès kal koinès Historias". Para o judeu Filon
de Alexandria (+44 d.C), "katholikós" significa "geral", em oposição a
"particular"; os deuses astrais da Síria eram ditos "katholikoí". Tal
vocábulo é, pela primeira vez (como dito), aplicado à Igreja por S. Inácio
de Antioquia (+107 aproximadamente).
2. Que houve então em 381?
Em 381 realizou-se o Concílio Geral de Constantinopla, que repetiu a
fórmula Igreja Católica, professando: "Creio na Igreja una, santa,
católica e apostólica". O Concílio nada inovou; apenas reiterou a
fórmula antiga.
Põe-se então a pergunta: que dizer do mencionado decreto do Imperador
Teodósio? Impõe-se notar logo que o decreto data de 380, e não de 381. Com
efeito; sob Teodósio I (379-95), que reinou no Oriente do Império Romano,
registraram-se acontecimentos importantes. Aos 28/02/380, o Imperador
assinou um decreto que tornava oficial a fé católica "transmitida aos
romanos pelo apóstolo Pedro, professada pelo Pontífice Dâmaso e pelo Bispo
de Alexandria, ou seja, o reconhecimento da Santa Trindade do Pai, do
Filho e do Espírito Santo". Com estas palavras, Teodósio abraçava,
para si e para o Império, o Credo que, proveniente dos Apóstolos, era
professado então pelo Papa Dâmaso (366-84) e pelo Bispo S. Atanásio de
Alexandria, grande defensor da fé ortodoxa na controvérsia contra os
arianos. Assim o Cristianismo, que Constantino I tornara lícito em 313,
era feito religião oficial do Império Romano.
"Não sabemos como a Igreja pode ser romana e universal". - O título
"romana" não implica nacionalismo nem particularismo. É apenas o título
que indica o endereço da sede primacial da Igreja. Na verdade, a Igreja,
atuando neste mundo, precisa de ter seu endereço ou seu referencial postal,
que é o do Bispo de Roma, feito Chefe visível por Cristo. Por conseguinte
a Igreja Católica recebe o título de "Romana" sem prejuízo para a sua
catolicidade ou universalidade. De modo semelhante, Jesus, Salvador de
todos os homens, foi dito "Nazareno", porque, convivendo com os homens,
precisava de um endereço, que foi a cidade de Nazaré.
3. Apostolicidade
Diz a notícia de jornal: "Devido às alterações que fez, a Igreja deixou
de ser apostólica".
Em resposta, torna-se oportuno, antes do mais, examinar o que signifique o
atributo "apostólica" aplicado à Igreja. Já no Novo Testamento se encontra
a noção de que o patrimônio da fé não chega aos fiéis como algo descido do
céu diretamente, mas, sim, como algo que parte do Pai, passa por Jesus
Cristo, pelos Apóstolos e, finalmente, chega a cada indivíduo no seu
respectivo tempo. Assim, por exemplo, Jo 1, 1-3: "O que era desde o
princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos,
e o que nossas mãos apalparam do Verbo da vida... nós vos anunciamos esta
Vida eterna, que estava voltada para o Pai e que vos apareceu". Cf.
Jo 17, 7s; 20, 21; Mt 28, 18-20; Rm 10, 13-17; 2Tm 2, 2; Tt 1, 5.
Os primeiros escritores da Igreja retomaram e estenderam essa série de
comunicações ou missões. Assim lemos em Tertuliano: "Sem dúvida, é
preciso afirmar que as igrejas receberam dos Apóstolos; os Apóstolos receberam
de Cristo, e Cristo recebeu de Deus" (De Praescriptione Haereticorum
21, 4). Os antigos davam grande apreço às listas de Bispos que houvessem
ocupado uma sede outrora fundada ou governada por um Apóstolo. S. Ireneu de
Lião (+202) é o autor de um desses catálogos: "Depois de ter assim
fundado e edificado a Igreja, os bem-aventurados Apóstolos transmitiram a
Lino o cargo do episcopado... Anacleto lhe sucede. Depois, em terceiro
lugar a partir dos Apóstolos, é a Clemente que cabe o episcopado...
A Clemente sucedem Evaristo, Alexandre; em seguida, em sexto lugar a partir
dos Apóstolos, é instituído Sixto, depois Telésforo, também glorioso por
seu martírio; depois Higino, Pio, Aniceto, Sotero, sucessor de Aniceto; e,
agora, Eleutério detém o episcopado em décimo segundo lugar a partir dos
Apóstolos" (Contra as Heresias III,2,1s).
Com outras palavras: para os antigos, a Igreja é uma comunidade que teve
início com os Apóstolos, mas está destinada a se prolongar até o fim dos
tempos, de modo que Ela não é senão o desabrochamento do cerne dos
Apóstolos. Vejam-se as palavras de Tertuliano (+220 aproximadamente): "Foi
primeiramente na Judéia que eles (os Apóstolos escolhidos e enviados por
Jesus Cristo) implantaram a fé em Jesus Cristo e estabeleceram comunidades.
Depois partiram pelo mundo afora e anunciaram às nações a mesma doutrina e
a mesma fé. Em cada cidade fundaram Igrejas, às quais, desde aquele
momento, as outras Igrejas emprestam a estaca da fé e a semente da
doutrina; aliás, diariamente emprestam-nas, para que se tornem elas
mesmas Igrejas. A este título mesmo são consideradas comunidades apostólicas,
na medida em que são filhas das Igrejas apostólicas. Cada coisa é
necessariamente definida pela sua origem. Eis por que tais comunidades,
por mais numerosas e densas que sejam, não são senão a primitiva Igreja
apostólica, da qual todas procedem... Assim faz-se uma única tradição de um
mesmo Mistério" (De Praescriptione Haereticorum 2, 4-7.9).
A necessidade de distinguir das correntes cismáticas a verdadeira Igreja de
Cristo provocou a acentuação e a utilização mais e mais freqüente do
predicado da apostolicidade: a Igreja verdadeira vem de Cristo mediante os
Apóstolos, ao passo que as correntes heréticas e as seitas não podem
reivindicar para si o título de apostólicas. A partir do século XII
começaram a aparecer pequenos tratados sobre a Igreja Apostólica frente às
seitas dissidentes. Aliás, foram as heresias que provocaram a publicação
de tratados explícitos sobre a Igreja.
No século XVI a apologética católica, frente à reforma protestante,
explanou largamente a origem apostólica da Igreja Católica. Os teólogos puseram
em evidência que aqueles que se afastam da Igreja fundada por Cristo e
entregue aos Apóstolos, é que perdem o direito de constituir a Igreja
Apostólica. Os reformados têm um fundador humano para cada uma de suas
denominações, que pretende recomeçar a história do Cristianismo séculos
após a geração dos Apóstolos, portanto sem o clássico caráter de apostolicidade.
Quanto às "alterações" na Igreja, não são mais do que o desabrochar da
semente lançada por Cristo. A árvore plenamente desenvolvida é da mesma
natureza que a própria semente, e vice-versa. Tal desabrochamento - lógico
e necessário - foi acompanhado pelo Espírito Santo prometido por Jesus à
Igreja (cf. Jo 14, 26; 16, 13-15) para que conserve e transmita incólume o
depósito da fé. Caso o Senhor não tivesse providenciado essa garantia de
fidelidade e autenticidade através dos séculos, teria sido vão o seu
sacrifício na Cruz. É, pois, necessário dizer que na Igreja Apostólica
(fundada por Cristo e entregue aos Apóstolos) se mantém viva e pura a
mensagem apregoada pelo Divino Mestre.
Ver "Carta Aberta aos Protestantes".
4. Origem do Papado
Lê-se no citado tópico de jornal: "Até o século V não houve Papa como
conhecemos hoje" - A resposta a esta afirmação dependerá de como
entender a expressão "Papa como conhecemos hoje". Se entendemos que se
trata de Papa com uso dos meios de comunicação modernos (televisão, rádio,
internet ...) e viagens aéreas, está claro que não houve Papa de tal tipo
na Antigüidade. Todavia, se se entende Papa no sentido de chefe visível da
Igreja, encontra-se tal figura já nos escritos do Novo Testamento. Com
efeito; Pedro aí aparece como aquele a quem Jesus confia as chaves do
reino dos céus (cf. Mt 16, 17-19) e entrega o pastoreio das suas ovelhas
(cf. Lc 22, 31 s; Jo 21, 15-17). O aspecto bíblico da questão já foi
repetidamente abordado [...]. Sejam acrescentados alguns traços significativos
da história da Igreja.
Não se pode esperar encontrar nos primeiros séculos um exercício do Papado
(ou das faculdades entregues por Jesus a Pedro e seus sucessores) tão
nítido quanto nos séculos posteriores. As dificuldades de comunicação e
transporte explicam que as expressões da função papal tenham sido menos
freqüentes do que em épocas mais tardias. Como quer que seja, podemos tecer
a história do exercício dessas funções nos seguintes termos: A Sé de Roma
sempre teve consciência de que lhe tocava, em relação ao conjunto da
Igreja, uma tarefa de solicitude, com o direito de intervir onde fosse
necessário, para salvaguardar a fé e orientar a disciplina das
comunidades. Tratava-se de ajuda, mas também, eventualmente, de
intervenção jurídica, necessária para manter a unidade da Igreja. O
fundamento dessa função eram os textos do Evangelho que privilegiam Pedro,
como também o fato de que Pedro e Paulo haviam consagrado a Sé de Roma com o
seu martírio, conferindo a esta uma autoridade singular.
Eis algumas expressões do primado do Bispo de Roma:
Aliás, S. Ireneu (+202 aproximadamente) dizia a respeito de Roma: "Com
tal Igreja, por causa da sua peculiar preeminência, deve estar de acordo
toda Igreja, porque nela... foi conservado o que a partir dos Apóstolos é
tradição" (Contra as Heresias 3, 2). Muito significativa é a profissão
de fé dos Bispos Máximo, Urbano e outros do Norte da África que aderiram ao
cisma de Novaciano, rigorista, mas posteriormente resolveram voltar à
comunhão da Igreja sob o Papa S. Cornélio em 251: "Sabemos que Cornélio
é Bispo da Santíssima Igreja Católica, escolhido por Deus todo-poderoso e
por Cristo Nosso Senhor. Confessamos o nosso erro... Todavia nosso coração
sempre esteve na Igreja; não ignoramos que há um só Deus e Senhor
todo-poderoso, também sabemos que Cristo é o Senhor...; há um só Espírito
Santo; por isto deve haver um só Bispo à frente da Igreja Católica"
(Denzinger-Schõnmetzer, Enchiridion 108 [44]).
No Concílio de Calcedônia (451), lida a carta do Papa Leão I, a
assembléia exclamou: "Esta é a fé dos Pais, esta é a fé dos Apóstolos.
Pedro falou através de Leão".
O título de papa é dado ao Bispo de Roma já por Tertuliano (+220
aproximadamente) no seu livro De pudicitia XIII 7, onde se lê: "Benedictus
papa". É encontrado também numa inscrição do diácono Severo (296-304)
achada nas catacumbas de São Calixto, em que se lê: "iussu p(a)p(ae)
sul Marcellini" (="por ordem do Papa ou pai Marcelino"). No fim do
século IV a palavra Papa aplicada ao Bispo de Roma começa a exprimir mais
do que afetuosa veneração; tende a tornar-se um título específico. Tenha-se
em vista a interpelação colocada por S. Ambrósio (+397) numa de suas
cartas: "Domino dilectissimo fratri Syriaci papae" (="Ao senhor
diletíssimo irmão Siríaco Papa") (epístola 42). O Sínodo de Toledo
(Espanha) em 400 chama Papa (sem mais) o Bispo de Roma. São Vicente de
Lerins (falecido antes de 450) cita vários Bispos, mas somente aos Bispos
Celestino I e Sixto III atribui o título de Papa.
No século VI o título tornou-se, com raras exceções, privativo dos Bispos
de Roma.
A ORIGEM DO VATICANO E DO PAPA
No tocante ao termo "Papa" deve-se dizer que vem do grego "pappas" = "pai".
Nos primeiros séculos era título atribuído aos Bispos como expressão de
afetuosa veneração, veneração que se depreende dos adjetivos "meu...,
nosso..." que acompanham o título. A mesma designação podia ser
ocasionalmente atribuída também aos simples presbíteros (pais), como
acontecia no Egito do século IV. No Oriente ainda hoje o sacerdote é
chamado "papas". No Egito o "papas" por excelência é o Patriarca de
Alexandria.