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O historiador Eusébio registra uma tradição (H.E. LXII) - em que ele
acredita firmemente - concernente a uma correspondência trocada
entre Nosso Senhor e a autoridade local de Edessa. Três são os
documentos associados a esta correspondência:
Na época de Eusébio pensava-se que as cartas originais
escritas em siríaco estivessem guardadas nos arquivos de Edessa.
Nos dias de hoje, possuímos não apenas o texto siríaco mas também
uma versão armênia, bem como duas versões gregas independentes -
menores que a siríaca - e várias inscrições em pedra, todas elas
discutidas em dois artigos no "Dicitionnaire d'archeólogie chrétienne et
de liturgies" col. 88 sq. e 1807 sq. Os únicos dois trabalhos a serem
consultados com referência a estes tópicos literários são a "História
Eclesiástica" de Eusébio e os "Atos de Tadeu" que professam
pertencer à Era Apostólica.
O fato, conforme esses dois trabalhos, ocorreu assim: Abgaro, rei de
Edessa, aflito com uma doença incurável, escutou a fama do poder e
dos milagres de Jesus e escreveu para Ele, suplicando para que viesse
curá-lo. Jesus recusa a vir, mas promete mandar um mensageiro
investido com Seu poder, chamado Tadeu, um dos setenta e dois
discípulos.
As cartas de Nosso Senhor e do rei de Edessa variam na
versão dada em Eusébio e a dada nos "Atos de Tadeu". A que segue
é retirada dos "Atos de Tadeu", que é menos acessível do que
a da História de Eusébio:
Escutei falar de Ti e de Tuas curas: que Tu não fazes uso de remédios
nem raízes; que, por Tua palavra, abriste [os olhos] de um cego, fizeste
o aleijado andar, limpaste o leproso, fizeste o surdo ouvir; que por
Tua palavra tu [também] expulsaste espíritos daqueles que eram
atormentados por demônios imundos; que, outra vez, Tu ressussitaste
o morto [trazendo-o] para a vida.
E, conhecendo as maravilhas que Tu fazes, concluí que [das duas uma]:
ou Tu desceste do céu, ou mais: Tu és o Filho de Deus e por isso
fizeste todas essas coisas. Por esse motivo escrevo para Ti, e rezo
para que venhas até mim, que Te adoro, e cure toda a doença que
carrego, de acordo com a fé que tenho em Ti.
Também soube que os judeus murmuram contra Ti e Te perseguem;
que buscam crucificar-Te e destruir-Te. Eu não possuo mais que uma
pequena cidade, mas é bela e grande o suficiente para que nós dois
vivamos em paz.
O fato relacionado correspondente há muito deixou de ter qualquer
valor histórico. O texto foi tirado de duas partes do evangelho, o que em
si mesmo é o suficiente para provar a não autenticidade da carta. Além
disso, as citações são feitas não dos próprios evangelistas, mas da
famosa concordância de Taciano, compilada no século II e conhecida
como "Diatessaron", deste modo fixando a data da lenda como
aproximadamente da metade do século III. Em adição, entretanto, para
a importância que é alcançada no ciclo apócrifo, a correspondência do
rei Abgaro também ganha lugar na liturgia . O decreto "De libris non
recipiendis", do psêudo-Gelásio, coloca a carta entre os apócrifos, o
que pode, possivelmente, ser uma alusão dela ter sido inserida entre
as lições de liturgia oficialmente sancionadas. As liturgias sírias
comemoram a correspondência de Abgaro durante a Quaresma. A
liturgia celta parece ter acrescentado importância à lenda; o "Liber
Hymnorum", um manuscrito preservado na Universidade Trinity, em
Dublin (E. 4,2), apresenta duas compilações nas linhas da carta para
Abgaro. Nem, de qualquer maneira, é impossível que esta carta,
seguida de muitas orações, possa ter formado um ofício litúrgico
menor em certas igrejas.
O relatório dado por Adda contém um detalhe que pode ser
brevemente referido aqui. Hannan, que escreveu o ditado por Nosso
Senhor, era um arquivista em Edessa e pintor do rei Abgaro. Ele tinha
sido encarregado de pintar um retrato de Nosso Senhor - tarefa que
ele cumpriu diligentemente - trazendo de volta com ele, para Edessa,
uma pintura que veio a ser objeto de veneração geral, mas que, depois
de certo tempo, disse-se que foi pintada pelo próprio Nosso Senhor.
Como a carta, o retrato estava destinado a ser o núcleo de um
crescimento legendário: a "Face Santa de Edessa" era principalmente
famosa no mundo Bizantino. Entretanto, uma mera alusão deste fato
aqui deve ser suficiente, já que a lenda do retrato de Edessa faz
parte de um tema extremamente difícil e obscuro da iconografia de
Cristo e de pinturas de origens miraculosas conhecidas como
"acheiropoietoe" (=feita sem as mãos).
Esta lenda teve grande popularidade tanto no Ocidente como no
Oriente durante a Idade Média: a carta de Nosso Senhor foi copiada
em pergaminho, mámore e metal, e usada como um talismã ou
amuleto.
Abgaro Ukkama a Jesus, o Bom Médico que apareceu na terra de
Jerusalem, saudações:
Quando Jesus recebeu esta carta, na casa de um alto sacerdote dos
judeus, ele disse para Hannan, o secretário:
"Vá e dize para teu senhor
que te enviou para mim: 'Feliz és tu que acreditaste em Mim não tendo
Me visto, porque está escrito sobre Mim que aqueles que me verão não
acreditarão em Mim, e aqueles que não me verão acreditarão em
Mim'. Quanto ao que escreveste, que eu deveria ir até ti, devo
cumprir todas as coisas para as quais fui enviado aqui; quando eu
ascender outra vez para o Meu Pai que me enviou, e quando eu tiver
ido ter com Ele, Eu te enviarei um dos meus discípulos, que curará
todos os teus sofrimentos, e eu te darei saúde outra vez, e converterei
todos os que estão contigo para a vida eterna. E tua cidade será
abençoada para sempre, e os teus inimigos nunca a dominarão".
Segundo Eusébio não foi Hannan que escreveu a resposta, mas o
próprio Nosso Senhor.
Um crescimento legendário curioso originou-se desta ocorrência
imaginária. A natureza da doença de Abgaro tem sido discutida
gravemente, para crédito da imaginação de vários escritores, uns
sustentando que era gota, outros lepra; os primeiros dizendo que isto
tinha durado sete anos, os últimos descobrindo que o doente tinha
contraído a doença durante uma estadia na Pérsia. Outros cronistas,
por sua vez, sustentam que a carta foi escrita em pergaminho, embora
alguns favoreçam o papiro. A passagem crucial na carta de Nosso
Senhor, entretanto, é a que promete à cidade de Edessa vitória sobre
todos os inimigos. Isto deu à pequena cidade uma popularidade que
desapareceu no dia que ela caiu nas mãos dos conquistadores. Foi um
rude choque para aqueles que acreditavam na lenda; eles preferiram
atribuir a queda da cidade à cólera de Deus contra os habitantes do
que admitir a falha da salvaguarda, que não era menos confiante naquele
tempo do que no passado.