FENÔMENOS DIVINOS INTELECTUAIS
Fonte: "Compendio de Teologia Ascetica y Mistica" (pp. 972-976)
Autor: Tanquerey (cf. trad. Daniel Garcia Hughes, da 6ª ed. franc.)
Tradução: Carlos Martins Nabeto
Reduzem-se a dois principais:
- As revelações privadas
- As graças gratuitamente concedidas
» 1. AS REVELAÇÕES PRIVADAS
NATUREZA
a. Diferença entre Revelações Públicas e Privadas
Em geral, a revelação divina é a manifestação sobrenatural feita por Deus a
respeito de uma verdade oculta. Quando essa manifestação visa o bem de toda
a Igreja, a revelação é pública; quando, porém, tem por objetivo o
proveito particular daquele que a recebe, chamamos a revelação privada.
Trataremos aqui somente sobre esta última.
Sempre houve revelações privadas: a Bíblia e os processos de canonização
relatam muitos casos. Estas revelações, porém, não constituem parte do objeto
da fé católica, que refere-se apenas ao depósito contido na Bíblia e na Sagrada
Tradição, que foi confiado à interpretação da Santa Madre Igreja. A Igreja,
assim, não obriga que seus fiéis acreditem nas revelações particulares; ao
aprová-las, a Igreja não impõe a ninguém a obrigação de acreditar, mas somente
permite - como declarou Benedito XIV - que sejam publicadas para o ensino e
edificação dos fiéis; logo, a concordância que se lhes dá não é um ato de
fé católica, mas ato da fé humana em virtude da probabilidade das revelações
e pela verossimilhança da piedade. Não é permitido publicar uma revelação
particular sem a aprovação da autoridade eclesiástica.
Seja como for, muitos teólogos opinam que as pessoas que recebem estas
revelações, bem como aquelas a quem Deus manda indicar a Sua vontade, podem
crer nelas com fé verdadeira, já que possuem provas da sua autenticidade.
b. Como Deus promove as Revelações
Através de 3 formas diferentes: por meio de visões, por locuções sobrenaturais e
por toques divinos.
- As visões são percepções sobrenaturais de um objeto naturalmente
invisível para o homem. Se manifestarem alguma verdade oculta não poderão ser
consideradas revelações. Podem ser de 3 espécies: sensíveis, imaginativas ou
puramente intelectuais.
- As visões sensíveis ou corporais, também chamadas aparições
são aquelas em que os sentidos percebem uma realidade objetiva naturalmente
invisível para o ser humano. Não é necessário que o objeto percebido seja
um corpo humano em carne e osso; basta a forma sensível ou luminosa, como
ocorreu quando a Virgem Santíssima apareceu em Lourdes: seu corpo não veio
do céu, mas, no lugar da aparição, havia apenas uma forma sensível que a
representava; isso explica por que ora aparecesse sob certa forma, ora sob
outra.
- As visões imaginativas ou imaginárias são aquelas
produzidas diretamente na imaginação por Deus ou por anjos durante o estado
de vigília ou durante o sono. Assim apareceu um anjo diversas vezes a São
José; Santa Tereza relata diversas visões imaginativas sobre a humanidade de
Nosso Senhor, estando ela desperta. Muitas vezes essas visões são acompanhadas
de uma visão intelectiva, explicando seu significado. Algumas vezes, na
visão, a alma percorre países longíquos; quase todas estas visões são
imaginativas.
- As visões intelectivas são aquelas em que o espírito percebe uma
verdade espiritual sem forma sensível; tal foi a visão da Santíssima Trindade
tida por Santa Tereza. Estas visões são por meio de idéias antes adquiridas
ou de espécies infusas e representam melhor as coisas divinas que as idéias
adquiridas. Às vezes são obscuras e não manifestam senão a presença do
objeto; outras são claras, mas não duram senão um instante. São à maneira de
intuições que deixam profunda impressão.
Há visões que reúnem duas ou três
características ao mesmo tempo; tal foi a visão de São Paulo no caminho de
Damasco: sensível quando viu uma luz resplandescente; imaginativa quando
se manifestaram os traços expressivos de Ananias em sua imaginação; e
intelectiva quando compreendeu o que Deus queria dizer-lhe.
- As locuções sobrenaturais são certas falas ou manifestações do
divino entendimento que Deus faz perceber aos sentidos exteriores, interiores
ou diretamente ao entendimento. Chamam-se auriculares quando são
vibrações milagrosamente que soam aos ouvidos; imaginativas quando
percebidas apenas pela imaginação; e intelectivas quando encaminhadas
diretamente ao entendimento.
- Os toques divinos são deliciosas sensações espirituais, impressas
na vontade por uma espécie de contato divino e que vão acompanhadas por uma
viva luz no entendimento.
Distinguem-se duas classes: os toques divinos ordinários e os
substanciais que, além de atingir a vontade, são tão profundos que
parecem atingir a própria substância da alma; esta é a razão daqueles modos
de falar de certos místicos, ao declararem ter experimentado um contanto de
substância a substância. Na verdade, estes toques ocorrem na parte mais
sutil da vontade e do entendimento, onde estas faculdades tocam com a própria
substância da alma; porém, são as potências e não a substância que recebem
estas impressões, conforme a doutrina de São Tomás de Aquino [...].
c. Como devemos Considerar estas Graças Extraordinárias
Os grandes místicos ensinam com unanimidade que não devemos desejar
ou pedir estes dons extraordinários. Certamente não são necessários para se
chegar à união divina; e, às vezes, por causa das nossas más inclinações,
apresentam mais obstáculos para a união divina. Demonstra-o particularmente
São João da Cruz, que afirma que o desejo de revelações rouba a pureza da
fé, gera uma curiosidade maligna que é origem de ilusões, ocupa o espírito
com coisas vãs, e tira a humildade e obediência que devemos a Nosso Senhor que,
através das revelações públicas, nos apresentou tudo o que devemos saber
para alcançar a salvação.
Fora isso, as visões estão sujeitas a diversas ilusões, de forma que há a
necessidade de se estabelecer regras de discernimento, para distinguir as
verdadeiras das falsas.
Regras para o Discernimento das Revelações
Para discernirmos bem as verdadeiras revelações e descobrirmos o que existe
de humano nelas, convém assinalar regras tão claras quanto possível. Essas
regras devem se referir à pessoa que recebe a revelação, ao objeto
acerca do qual versa, aos efeitos que causa e aos sinais que
a acompanham.
- Quanto à pessoa que recebe as revelações: é verdade que Deus
pode conceder revelações a quem quiser, ainda mesmo aos pecadores; contudo,
em geral, concede às pessoas não apenas fervorosas mas também elevadas ao
estado místico. Quanto ao demais, para interpretar as verdadeiras revelações
é necessário conhecer as virtudes e os defeitos daquele que crê ter sido
agraciado com revelações. Precisamos, assim, examinar seus dotes naturais e
sobrenaturais.
- Dotes naturais: (1) quanto ao temperamento: é uma pessoa bem
equilibrada ou acometida de psiconeurose ou histeria? Neste último caso, é
óbvio que passa a haver razões para se duvidar das pretensas revelações, já
que permite o aparecimento de frequentes alucionações;
(2) quanto ao estado mental: é uma pessoa discreta, de retidão de juizo ou
possui imaginação exaltada e excessiva sensibilidade? É uma pessoa instruída
ou ignorante? Onde aprendeu o que sabe? Não estaria seu espírito enfraquecido
por alguma doença ou subnutrição?
(3) quanto à moral: é uma pessoa realmente sincera ou acostumada a exagerar
a verdade e, às vezes, inventar casos? É sossegado ou se deixa levar por
paixões?
As respostas para estas questões certamente não provarão a existência ou não
de uma revelação, mas ajudarão muito no discernimento do testemunho prestado
pelos videntes.
- Dotes sobrenaturais: devem verificar se o vidente:
(1) possui sólida virtude, largamente comprovada, ou fervor razoavelmente
sensível?
(2) possui sincera e profunda humildade ou, ao contrário, gosta de aparecer
e propagar a todos os favores espirituais que afirma receber? A falta de
sinceridade é sinal muito mau.
(3) apresenta [previamente] as revelações ao seu diretor espiritual ou sai
logo espalhando a todos? Segue docilmente os conselhos de seu diretor
espiritual?
(4) passou pelas provas passival e primeiros graus da contemplação?
Especialmente, teve êxtase alguma vez em sua vida? Praticou em grau heróico
as virtudes (geralmente Deus guarda as visões para as almas mais perfeitas).
Tenha-se sempre em mente que tais fatos não provam a existência de uma
revelação, apenas tornam mais crível o testemunho do vidente; entretanto, a
inexistência desses fatos, ainda que não provem a inexistência da revelação,
torna-a pouco provável.
Essa averiguação servirá para descobrir mais rapidamente as eventuais
mentiras e ilusões dos supostos videntes. Certamente há os que por soberba
ou vontade de se tornar famosos, fingem voluntariamente êxtases e visões
(como ocorreu com Madalena da Cruz, franciscana de Córdoba, no séc. XVI:
tendo feito pacto com o demônio ainda quando criança, entrou para o convento
com a idade de 17 anos e foi, por três vezes, abadessa de seu monastério;
com o auxílio do demônio, fingiu todos os fenômenos místicos [êxtases,
elevação no ar, chagas, revelações e profecias - várias delas cumpridas;
crendo estar chegando à hora da morte, fez uma confissão geral e se
retratou; foram-lhe aplicados então todos os exorcismos e encerrada em um
outro convento de sua ordem); outros, em número bem superior, padecem de
ilusões em virtude de possuir imaginação extremamente agitada e confundem os
seus pensamentos com ou visões ou locuções interiores.
- Quanto a matéria ou objeto das revelações: é justamente onde
devemos estar mais atentos pois toda revelação que for contrária à fé ou aos
bons costumes deve ser completamente rejeitada, segundo a unânime doutrina
dos doutores da Igreja, baseada nas palavras de São Paulo: "Ainda que nós
mesmos ou um anjo dos céus venha a vos pregar um Evangelho diferente daquele
que vos anunciamos, seja anátema" (Gál. 1,8). Deus não pode contradizer-se,
nem revelar coisas contrárias ao que nos ensina por Sua Igreja. Disto derivam
algumas regras que passamos a expor:
- Deve-se ter por falsa toda revelação privada que seja contrária a qualquer
verdade da fé; tais são, por exemplo, as revelações espíritas que negam
muitos dogmas católicos, especialmente quanto a eternidade das penas do Inferno.
Igualmente, se for oposta ao ensinamento unânime dos santos padres e teólogos,
que constituem uma das formas do Magistério ordinário da Igreja. Quando se
trata de um assunto ainda controvertido entre os teólogos, deve-se ter por
suspeita qualquer revelação que tente dar a solução para a controvérsia (ex.:
tomistas X molinistas), pois Deus não intervém em questões dessa natureza
em favor de uns ou outros.
- Deve ser rejeitada qualquer visão que for contrária às leis da moral ou
da decência (p.ex.: aparições de formas humanas desnudas, linguajar imoral
ou imodesto, descrições minuciosas ou com muitos pormenores de vícios
vergonhosos que ofendem o pudor). Deus não faz revelações senão para o bem
das almas e, por isso, não pode ser jamais o autor daquelas que, por sua
natureza, inclinam para o vício. Por essa razão também, são suspeitas as
aparições que se mostram indignas ou sem recato e, com maior razão, todas
as evidentemente ridículas; esta última é a marca das imitações humanas ou
diabólicas.
- Muito menos pode-se admitir como provindas de Deus as ordens impossíveis
de serem realizadas, em razão das leis da Providência e os milagres que só
Deus pode fazer. Deus não manda o homem fazer coisas impossíveis.
- Quanto aos efeitos causados pelas revelações: pelos frutos se
conhece a árvore. As revelações podem, pois, ser conhecidas pelos efeitos
que causam na alma.
- Segundo Santo Inácio e Santa Tereza, a visão divina produz, no início,
um sentimento de assombro e temor que logo passa para um sentimento profundo
e duradouro de paz, gôzo e segurança. Com as visões diabólicas ocorre justamente
o contrário: ainda que possam causar alegria no princípio, logo causam
perturbação, tristeza e desânimo; é assim que o demônio consegue arruinar as
almas.
- As verdadeiras revelações confirmam a alma nas virtudes da humildade,
obediência, paciência e conformidade com a vontade de Deus. As falsas geram
soberba, presunção e desobediência. [...]
- Aqui entre a questão se é lícito pedir sinais e provas que confirmem as
revelações privadas.
(1) Se a coisa for de suma importância, pode-se pedir com humildade e
condicionalmente já que Deus não está obrigado a fazer milagres para provar
essa espécie de visões.
(2) Se forem pedidos, convém deixar que Deus escolha quais devam ser (ex.:
o pároco de Lourdes mandou pedir à aparição que fizesse florescer uma
roseira silvestre em pleno inverno; este pedido não foi atendido, mas, em
compensação, a Virgem Imaculada fez surgir uma fonte milagrosa para a saúde
dos corpos e almas.
(3) Quando o milagre pedido é comprovado, assim como a sua relação com a
aparição, constitui prova de muito peso para a confirmação de sua realidade.
Regras para o Discernimento da Verdade e da Mentira nas Revelações Privadas
Podem haver revelações verdadeiras quanto à sua substância mas que, contudo,
apresentam erros acidentais. Deus não multiplica seus milagres sem necessidade
e não corrige os prejuízos ou erros que podem existir na mente dos videntes.
Deus busca o bem espiritual destes e não sua formação intelectual. Entenderemos
melhor assim que analisarmos as principais causas dos erros que eventualmente
encontramos nas revelações privadas.
- A principal causa é a mistura da atividade humana com a ação sobrenatural
de Deus, especialmente quando a imaginação e o espírito têm muita vivacidade.
(a) Por isso encontramos nas revelações privadas os erros que caracterizam a
época dos videntes no que dizem respeito à ciência física ou histórica. [...]
(b) Existem nelas também as idéias e, às vezes, os prejuízos e sistemas dos
diretores espirituais dos videntes (ex.: ocasionalmente os santos dominicanos
e franciscanos falam, em suas visões, conforme o sistema doutrinal de sua
ordem).
(c) Eventualmente ocorrem erros históricos nas revelações; Deus não costuma
revelar detalhes precisos acerca da vida de Nosso Senhor ou da Virgem
Santíssima quando não tem o interesse único de despertar a piedade. Há, porém,
muitos videntes que confundem suas meditações piedosas com revelações, oferecendo
detalhes, cifras e dados que contradizem os documentos históricos ou outras
revelações - especialmente nos relatos da Paixão de Cristo [ex.: número de
chibatadas] - ou, ainda, os melhores historiadores.
- As revelações divinas podem ser mal-interpretadas (ex.: Santa Joana
d'Arc perguntou às vozes que escutava se seria queimada; as vozes responderam-lhe
que Nosso Senhor a acudirira e, sendo socorrida, seria libertada através de
uma grande vitória. Ela acreditou que essa vitória seria sua liberdade da
prisão, entretanto, na verdade, sua liberdade foi o martírio e entrada na
bem-aventurança. [...]).
- As revelações podem ser inconscientemente alteradas pelos próprios
videntes quando estes tentam explicá-las ou, com maior freqüência, por seus
secretários. Santa Brígida confessou que às vezes corrigia suas revelações
para explicá-las melhor; mas suas explicações nem sempre estavam isentas de
erro. Também hoje se admite que os secretários que escreveram as revelações
de Santa Maria de Agreda, Catarina Emmerich e Maria Lataste introduziram
tantas alterações que atualmente ninguém sabe com segurança suas verdadeiras
revelações. Por essa razão, nunca deve faltar farta prudência no exame das
revelações privadas.
Conclusão: Como devemos nos Portar diante das Revelações Privadas
- O melhor que podemos fazer é imitar a prudente reserva da Igreja
e dos Santos. A Igreja não admite revelação alguma se esta não for devidamente
comprovada e, ainda assim, nunca obriga seus fiéis a acreditarem. Além disso,
quando se trata de instituição de uma festividade ou fundação externa,
aguarda muitos anos antes de concretizá-las, não tomando qualquer decisão
antes de analisar muito bem a coisa em si e suas relações com o dogma e a
liturgia (foi o que ocorreu, por ex., com a beata Juliana de Lieja,
escolhida por Deus para que fosse instituída a festa do Santíssimo
Sacramento; seu projeto só foi submetido 22 anos após as primeiras visões;
mesmo assim, o bispo da diocese de Lieja somente instituiu a festa 16 anos
depois, e o papa Urbano IV, estendeu para toda a Igreja 6 anos após a morte
da beata, em 1264. O mesmo ocorreu com a festa do Sagrado Coração, que só
foi aprovada muito tempo depois das revelações feitas a Santa Margarida
Maria e, ainda assim, por razões diferentes das expostas nas revelações.
Podemos tirar, assim, muito proveitos destas lições!).
- Não devemos pronunciar a certeza acerca da existência de uma certa
revelação privada a menos que tenhamos provas convincentes dela.
Estas provas são acertadamente indicadas por Benedito XIV em seu livro sobre
a canonização dos santos. Em geral, não devemos nos contentar apenas com uma
prova, mas exigir várias para saber se são cumulativas ou convergentes e se
mutuamente se confirmam. Quantas mais sejam, tanto maior será a segurança
da existência da revelação.
- Quando o diretor espiritual recebe a notícia acerca das revelações,
deve evitar manifestar admiração a respeito delas pois poderá animar o
vidente a ter por verdadeiras as ditas visões, envaidecendo-o. Pelo contrário,
deve explicar que são coisas importantes para o exercício das virtudes, que
é muito fácil padecer de ilusões, que deve evitar se guiar por elas e, no
começo, tentar rejeitá-las. Essas são as regras que dão os Santos, como
Santa Tereza e São João da Cruz; este é ainda mais taxativo e afirma:
"O demônio gosta muito que uma alma queira admitir revelações, vendo-se
inclinada a elas, pois é o momento em que pode induzir ao erro e derrogar
a fé no que puder, já que sua grande rudeza é posta na alma de quem as
quer, acerca delas, promovendo tantas tentações e impertinências"
(A Subida do Monte Carmelo 1,2,10).
- O diretor espiritual deve tratar com doçura as pessoas que dizem receber
revelações; assim lhes ganhará a confiança e poderá averiguar melhor os
pormenores com os quais, após profunda reflexão, poderá emitir juizo. Se
perceber que padecem de ilusão, terá maior autoridade para fazê-las ver e
trazê-las à verdade. Este é também o conselho de São João da Cruz, extremamente
rigoroso quanto as visões (v. ob.cit., 1,2,19). [...]
- Quando se tratar de alguma instituição ou fundação externa, se reservará
muito o diretor espiritual de se pronunciar sem antes examinar cuidadosamente
as razões favoráveis e contrárias à luz da prudência sobrenatural. Assim se
comportaram os santos: Santa Tereza, que recebeu muitas revelações, nunca
quis que seus diretores se guiassem apenas pelas visões que tinha; por isso,
quando Nosso Senhor lhe revelou para que fosse fundado um monastério em
Ávila, submeteu humildemente suas intenções ao seu diretor e, como este
duvidou, buscou também o parecer de São Pedro de Alcântara, São Francisco de
Borja e São Luís Beltran.
No que diz respeito aos videntes, estes devem seguir apenas 1 regra: devem
declarar suas revelações a um sábio diretor espiritual e seguir em tudo o
que lhes disses. Este é o meio mais seguro para não se enganar.
» 2. AS GRAÇAS GRATUITAMENTE CONCEDIDAS
As revelações de que tratamos até agora são concedidas especialmente para o
proveito de quem as recebe. As graças gratuitamente concedidas o são
principalmente para os demais. São dons gratuitos, extraordinários e
transitórios, concedidos diretamente para o bem dos demais, ainda que
indiretamente possam servir para a santificação daquele que os recebe. São
Paulo enumera as graças sob o nome de carismas na Carta aos Coríntios.
Distingue 9 carismas, os quais procedem todos do mesmo Espírito:
- A fala de sabedoria (sermo sapientiae), que nos ajuda a
entender as verdades da fé, consideradas como princípios e conclusões que
acrescentam os tesouros do dogma.
- A fala da ciência (sermo scientiae), em que nos valemos das
ciências humanas para explicar as verdades da fé.
- O dom da fé, que nada mais é que uma certeza especial capaz de
produzir prodígios.
- A graça de curar enfermidades (gratia sanitatum), que é o
poder de recobrar a saúde dos enfermos.
- O dom de fazer milagres, que confirmam a revelação divina.
- O dom da profecia, isto é, o dom de ensinar em nome do Senhor e,
se for o caso, confirma a doutrina com profecias.
- O discernimento de espíritos, ou seja, o dom de ler os segredos
do coração e de discernim o bom do mau espírito.
- O dom das línguas que, em São Paulo, é o dom de orar em línguas
estranhas com certa exaltação e, segundo os teólogos, o de falar em várias
línguas.
- O dom da interpretação, que permite interpretar as palavras
estranhas de que se tratar (v. São Tomás de Aquino, Suma Teológica,
livro II, 1º parte, questão 3, artigo 4º).
Como adverte oportunamente São Paulo e São Tomás, todos estes carismas
estão bem abaixo da caridade e da graça santificante.