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Cipriano (denominado "o Feiticeiro" para distinguir-se do célebre Cipriano,
Bispo de Cartago), nasceu na Antióqia, situada entre a Síria e a Arábia,
pertencente ao governo da Fenícia. Seus pais idólatras e providos de copiosas
riquezas, vendo que a natureza o dotara de talentos próprios para conciliar
a estimação dos homens, o destinaram para o serviço das falsas divindades,
fazendo-o instruir em toda a ciência dos sacrifícios que se ofereciam aos
ídolos, de modo que ninguém, como ele, tinha tão profundo conhecimento dos
profanos mistérios do bárbaro gentilismo.
Na idade de trinta anos, fez ele uma viagem ao país da Babilônia para
aprender a astrologia judiciária e os mistérios mais ocultos dos supersticiosos
caldeus. E sobre a grave culpa de empregar em tais estudos o tempo que lhe
era concedido para conhecer e seguir a verdade, aumentou Cipriano a sua
malícia e a sua maleficência. Se deu inteiramente ao estudo da magia, para
conseguir por meio desta arte um estreito comércio com os demônios;
praticando ao mesmo tempo uma vida impura e absolutamente escandalosa.
E, conquanto um verdadeiro cristão chamado Eusébio, que havia sido seu
companheiro de estudos, lhe fizesse muitas vezes vigorosas censuras sobre a
sua má vida, procurando arrancá-lo do abismo profundo que o via precipitado,
só não desprezava Cipriano as suas exortações e censuras, mas também ainda
se valia do infernal engenho para ridicularizar os sacrossantos mistérios e
virtuosos professores da lei cristã, por ódio a qual chegou a unir-se com
os bárbaros perseguidores para obrigar os cristãos a renunciarem ao
Evangelho e renegarem a Jesus Cristo.
Tinha chegado a este estado a vida de Cipriano, quando a infinita
misericórdia de Deus se dignou iluminar e converter esse infeliz vaso de
injúrias e infâmias em vaso de eleição e de honra; valendo-se e servindo-se
da sua divina graça para obrar no coração de Cipriano este prodigioso milagre
da sua onipotência.
Vivia em Antioquia uma donzela por nome Justina, não menos rica do que
bela, a quem seu pai Edeso e sua mãe Cledônia educaram com muito cuidado
nas superstições do paganismo. Porém Justina, dotada como era, de um claro engenho,
assim que ouviu as pregações de Prailo, diácono de Antioquia, abandonou as
extravagâncias gentílicas e, abraçando a fé católica, conseguiu converter dali
a pouco os seus próprios pais.
Constituída cristã, a ditosa virgem tornou-se ao mesmo tempo uma das mais
perfeitas esposas de Jesus Cristo, consagrando-lhe a sua virgindade e
procurando adquirir todos os meios de conservar essa delicada virtude, para
cujo efeito observava cuidadosamente a modéstia entregando-se às orações e
ao retiro. Não obstante isto, vendo-a, um pobre mancebo, de nome Aglaide,
lhe captou tanto os agrados, que logo pediu a seus pais para esposa, ao que
eles deram consentimento; e só não pôde obter o consenso da própria Justina.
Aglaide então procurou Cipriano, o qual, com efeito, empregou todos os
meios mais eficazes da sua diabólica arte para satisfazer ao amigo.
Ofereceu aos demônios muitos abomináveis sacrifícios e eles lhe prometeram
o desejado sucesso, investindo logo a santa com terríveis tentações e
horríveis fantasmas. Porém ela, fortalecida pela graça de Deus, que tinha
merecido com orações contínuas, rigor e, sobretudo com o patrocínio da
Santíssima Virgem (a quem ela chamava sua mãe santíssima), ficou sempre
vitoriosa. Cipriano indignado por não poder vencê-la, se levantou contra o
demônio, que estava presente, e lhe falou desta maneira: "Pérfido, já veio
a tua fraqueza, quando não podes vencer a uma delicada donzela, tu, que
tanto te jactas do teu poder de obrar prodigiosas maravilhas! Diz-me logo
de onde procede esta mudança, e com que armas se defende aquela virgem para
deixar inúteis os teus esforços?"
Então o demônio, obrigado por uma divina virtude, lhe confessou a verdade,
dizendo-lhe que o Deus dos cristãos era o supremo Senhor do Céu, da Terra e
dos infernos; e que nenhum demônio podia obrar contra o sinal da cruz com
que Justina continuamente se armava. De maneira que por este mesmo sinal,
logo ele lhe aparecia para tentar, era obrigado a fugir.
- "Pois se isso assim é - replicou Cipriano - eu sou bem louco em
não me dar ao serviço de um Senhor mais poderoso do que tu. E assim, se o
sinal da cruz, em que morreu o Deus dos cristãos, te faz fugir, não quero
já servir-me dos teus prestígios, antes renuncio inteiramente a todos os
teus sortilégios, esperando a bondade do Deus de Justina que haja de me
admitir por seu servo".
Irritado então o demônio de perder aquele por meio do qual fizera tantas
conquistas, se apoderou do seu corpo. Porém (diz São Gregório) foi logo
obrigado a sair, pela graça de Jesus Cristo, que estava Senhor do seu
coração. Teve pois, Cipriano, de manter vigorosos combates contra os
inimigos de sua alma; mas o Deus de Justina, a quem ele sempre invocava,
lhe valeu com o seu auxílio e o fez ficar vitorioso.
Concorreu também muito para este efeito o seu amigo Eusébio, a quem Cipriano
procurou logo, e disse com muitas lágrimas: "Meu grande amigo, chegou
para mim o ditoso tempo de reconhecer meus erros e abomináveis desordens,
e espero que o teu Deus, que já confesso ser o único e verdadeiro, me
admitirá no grêmio dos seus íntimos servos, parar maior triunfo da sua
benigna misericórdia".
Muito satisfeito Eusébio por uma tão prodigiosa mudança abraçou afetuosamente
o seu amigo e lhe deu muitos parabéns pela sua heróica resolução, animando-o
a confiar sempre na infalível verdade do puríssimo Deus, que nunca
desampara os que sinceramente o procuram. E assim fortificado, o venturoso Cipriano
pôde resistir com valor a todas as tentações diabólicas.
Para este efeito, fazia ele sem cessar o sinal da cruz, e tendo sempre nos
lábios e no coração o sacrossanto nome de Jesus, não cessava de invocar a
assistência da Santíssima Virgem. Vendo, pois, os demônios inteiramente frustrados
todos os seus artifícios, aplicaram o seu esforço maior em o tentar de
desesperação, propondo-lhe com viveza de espírito estes e outros tais
discursos e reflexões:
Como haveria perdão para eles, que pelo número de gravidade das suas culpas
tinha já um lugar preparado no mais profundo do inferno? E que, portanto,
não tendo misericórdia que esperar, cuidasse em se divertir, satisfazendo à
rédea larga todas as paixões da sua vida.
Afirma o próprio São Cipriano, no livro da sua Confissão, que à vista do
respeito e piedade de que estavam penetrados os fiéis, adorando o
verdadeiro Deus, o tocou vivamente no coração. Diz ele: "Eu vi cantar
naquele coro os louvores de Deus e terminar cada verso dos salmos com a
palavra hebraica Aleluia; tido com atenção tão respeitosa e com tão suave
harmonia, que me parecia estar entre os anjos ou entre os homens celestes".
No fim da função admiraram-se os assistentes de que um tal presbítero, como
era Eusébio, introduzisse a Cipriano naquele sagrado congresso. E o mesmo
bispo, que estava presidindo, muito mais o estranhou, porque não julgava sincera
a conversão de Cipriano. Porém, ele dissipou logo essas dúvidas, queimando,
na presença de todos, os seus livros de magia, e introduzindo-se no número
dos catecúmenos, depois de haver distribuído todos os seus bens aos pobres.
Instruído, pois Cipriano, e com suficiente disposição, o bispo o batizou, e
juntamente a Aglaide, apaixonado por Justina, que, arrependido da sua
loucura, quis emendar a sua vida e seguir a fé verdadeira. Justina então tocada
por estes dois exemplos da divina misericórdia, cortou os seus cabelos em
sinal de sacrifício que fazia a Deus da sua virgindade, e repartiu também
pelos pobres todos os bens que possuía.
Cipriano, depois disto, fez maravilhosos progressos nos caminhos do Senhor;
e sua vida ordinária foi um perene exercício na mais rigorosa penitência.
Via-se muitas vezes na igreja, prostrado por terra, com a cabeça coberta de
cinza, rogando a todos os fiéis que implorassem para ele a divina misericórdia.
E para mais se humilhar e suprimir a sua antiga soberba, obteve, a força de
muitos pedidos, que lhe dessem o emprego de varredor da igreja.
Ele morava em companhia do presbítero Eusébio, a quem venerou sempre como a
seu pai espiritual. E o divino Senhor que se digna ostentar os tesouros da
sua clemência sobre as almas humildes e sobre os grandes pecadores verdadeiramente
convertidos, lhe concedeu a graça de realizar milagres. Isto junto a sua
natural eloqüência concorreu muito para converter à fé um grande número de
idólatras, servindo-se para isso do famoso escrito da sua Confissão, na
qual, fazendo públicos os seus crimes e enormes excessos, animava à
confiança, não só os fiéis, mas os maiores pecadores.
Entretanto, o nome de São Cipriano o seu zelo e as numerosas conquistas
que fazia para o reino de Jesus Cristo não podiam ser ignoradas pelos
imperadores. Diocleciano, que então se achava em Nicomédia, informado das
maravilhas que realizava São Cipriano, e da perfeita santidade da virgem
Justina, passou ordem para que fossem presos, o que logo executou o Juiz
Eutolmo, governador da Fenícia.
Conduzidos pois à presença desse juiz, responderam com tanta generosidade e
confessaram, com tanta eficácia, a fé em Jesus Cristo que pouco faltou para
converterem o ímpio bárbaro. Mas, para que não se julgasse que ele favorecia
os cristãos, mandou logo açoitar, com duas cordas, a Santa Justina, e
despedaçar com pentes de ferro as carnes de São Cipriano tudo com tamanha
crueldade que até mesmo aos pagãos causou horror!
Vendo então o tirano que nem promessas nem ameaças, nem aquele rigoroso suplício,
nada abatia a firme constância dos generosos mártires, mandou lançar a cada
um em uma grande caldeira cheia de pês, de banha e cera a ferver. Mas o
prazer e a satisfação, que se admirava no rosto e nas palavras dos mártires,
davam bem a conhecer que nada padeciam com aquele tormento. E o caso é que
até se percebia que o mesmo fogo, que estava debaixo das caldeiras, não
tinha o mínimo calor.
O que visto por um grande sacerdote dos ídolos, grande feiticeiro, chamado
Athanásio (que algum tempo fora discípulo do mesmo Cipriano), julgando que
todos aqueles prodígios procediam dos sortilégios do seu antigo mestre e,
querendo ganhar nome e reputação maior entre o povo, invocou os demônios com
suas cerimônias mágicas e se lançou deliberadamente na mesma caldeira donde
Cipriano foi extraído. Porém, logo perdeu a vida, e se lhe despregou até a
carne do osso.
Que o Deus dos cristãos era sem dúvida o único Deus verdadeiro, mas que
era um Deus de pureza, um Deus que punia com severidade extrema ainda os
menores crimes, de que a maior prova eram eles mesmos, que por um só pecado
de soberba foram condenados a uma pena extrema.
Na verdade esta tentação veemente pôs em grande perigo a salvação de
Cipriano. Mas o amigo Eusébio, a quem ele se referiu, o animou e consolou,
propondo-lhe em eficácia a benigna misericórdia, com que Deus recebe e
generosamente perdoa aos pecadores arrependidos, por maiores que sejam os
seus pecados. Depois o mesmo Eusébio o conduziu à assembléia dos fiéis,
onde se admitiam as pessoas que desejavam instruir-se em tão luminosos
mistérios.