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Georges Huber é jornalista católico francês que se tem dedicado a escrever sobre os anjos. Após publicar duas obras sobre os anjos bons e seu ministério junto aos homens, oferece aos leitores um livro sobre o demônio e sua atualidade, seguindo fielmente as linhas da Tradição e do magistério da Igreja'. A obra é apresentada pelo Cardeal Christopher Schoenborn, Arcebispo de Viena e um dos teólogos redatores do Catecismo da Igreja Católica. Este mestre bem sintetiza o conteúdo da obra em foco nos seguintes termos:
A presente obra não suscita em nós medo aos demônios; antes revela a fé no irresistível poder de Deus, que ordena cada coisa para os seus fins. É o que a fé nos ensina e a experiência cristã nos confirma, Os demônios empreendem uma luta impiedosa contra o homem e se esforçam por obstruir os planos de Deus: percorrem o mundo incessantemente a fim de levar as almas à perdição. No entanto, a sua ação está completamente subordinada aos planos de Deus.
A partir desta verdade fundamental, Georges Huber demonstra-nos que, se Deus permite que os demônios atuem, não é certamente para fazer mal aos homens, mas para ajudá-lo a realizar os seus magníficos planos de salvação" (pp. 5s).
» 1. A CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO
Como se pôde chegar a esta situação?
É a pergunta que fazia o Papa Paulo VI, alguns anos depois de se ter
encerrado o Concílio Vaticano II, à vista dos acontecimentos que sacudiam a
Igreja. 'Pensava-se que, depois do Concílio, o sol brilharia sobre a
história da Igreja. Mas, em vez do sol, apareceram as nuvens, a tempestade,
as trevas, a incerteza'.
Sim, como se pôde chegar a semelhante situação?
A resposta de Paulo VI é clara e nítida: 'Interveio uma potência hostil. Seu
nome é o demônio, esse ser misterioso de quem nos fala São Pedro na sua
primeira Epístola. Quantas vezes não se refere Cristo, no Evangelho, a este
inimigo dos homens? E o Papa precisa: 'Nós cremos que um ser preternatural
veio ao mundo precisamente para perturbar a paz, para afogar os frutos do
Concílio ecumênico e para impedir a Igreja de cantar a sua alegria por ter
retomado plena consciência de si própria'. Para dizê-lo brevemente, o Papa
tinha a sensação de que 'o fumo de Satanás entrou por alguma fenda no templo
de Deus'.
Assim se exprimia Paulo VI sobre a crise da Igreja em 29 de junho de 1972,
nono aniversário do seu pontificado. Alguns jornais mostraram-se
surpreendidos com essa declaração do Papa sobre a presença de Satanás na
Igreja. Outros escandalizaram-se. Não estaria Paulo Vi exumando crenças
medievais que se julgavam esquecidas para sempre?
Sem recuar perante essas críticas, o Papa voltou a tratar do tema
cinco meses mais tarde. E, longe de contentar-se com reafirmar a verdade
sobre esse ponto, consagrou uma alocução inteira à presença ativa de Satanás
na Igreja.
Logo de início, sublinhou a dimensão universal do tema: 'Quais são hoje -
perguntava - as necessidades mais importantes da lgreja?'A resposta foi
clara: 'Uma das maiores necessidades da Igreja é a de de fender-se desse mal
que designamos por demônio'. A seguir, recordou a doutrina da Igreja sobre
a presença, no mundo, de 'um ser vivente, espiritual, pervertido e
perversor, realidade terrível, misteriosa e temível'.
Depois, referindo-se a algumas publicações recentes (numa das quais um
professor de exegese convidava os cristãos a 'liquidar o diabo'), afirmou:
'Separam-se do ensinamento da Bíblia e da Igreja aqueles que se negam a
reconhecer a existência do diabo ou aqueles que o consideram um princípio
autônomo que não tem, como todas as criaturas, a sua origem em Deus; e
também aqueles que o explicam como uma pseudo- realidade, uma invenção do
espírito para personificar as causas desconhecidas dos nossos males'.
'Nós sabemos - prosseguiu o Papa - que este ser obscuro e perturbador existe
verdadeiramente e atua sem descanso com uma astúcia traidora. É o inimigo
oculto que semeia o erro e a desgraça na história da humanidade. É o sedutor
pérfido e obstinado que sabe insinuarse em nós através dos sentidos, da
imaginação, da concupiscência, da lógica utópica, das relações sociais
desordenadas, para introduzir nos nossos atos desvios muito nocivos que, no
entanto, parecem corresponder às nossas estruturas físicas ou psíquicas ou
às nossas aspirações profundas'.
Satanás sabe insinuar-se... para introduzir.. Estas expressões não nos
lembram a advertência de São Pedro sobre o leão que ruge e ronda, buscando a
quem devorar (cfr. lPe 5, 8)? Para se apresentar, o diabo não fica à espera
de que o convidem; antes, impõe a sua presença com uma habilidade quase
infinita.
0 Papa evocou também o papel de Satanás na vida de Cristo. Ao longo do seu
ministério, Jesus qualificou três vezes o diabo como príncipe deste mundo
(Jo 12, 31; 14, 30; 16, 11), tão grande é o seu poder sobre os homens.
Paulo VI empenhou-se em apontar os indícios reveladores da presença ativa do
demônio no mundo.
1.2. Lacunas na Teologia e na Catequese
Na sua exposição, o Santo Padre tirou uma conclusão prática que, para além
dos milhares dos fiéis presentes na vasta sala de audiências, se dirigia aos
católicos do mundo inteiro: 'A propósito do demônio e da sua influência
sobre os indivíduos, sobre as comunidades, sobre sociedades inteiras, faz-se
necessário retomar um capítulo muito importante da doutrina católica ao
qual hoje se presta pouca atenção'.
Por outras palavras, a Cabeça da Igreja afirma que a demonologia é um
capítulo 'muito importante' da teologia católica e que hoje em dia é
excessivamente esquecido. Existe uma lacuna no ensino da Teologia, na
catequese e na pregação. E essa lacuna pede que seja preenchida. Estamos
perante 'uma das maiores necessidades' da Igreja no momento presente.
Quem o teria previsto? A catequese de Paulo VI sobre a existência e
influência do demônio originou um inesperado sentimento de revolta na
imprensa. Mais uma vez, acusou-se a Cabeça da Igreja ele retomar a crenças
já ultrapassadas pela ciência. 0 diabo estava morto e enterrado! Raramente
os jornais se haviam levantado com uma veemência tão ácida contra o Soberano
Pontífice.
1.3. 0 Inimigo Desmascarado
Faz-se necessário retomar o capítulo da demonologia: este lema de Paulo VI
teve uma espécie de precedente na história do papado contemporâneo.
Era um dia de dezembro de 1884 ou de janeiro de 1885, no Vaticano, na
capela privada de Leão XIII. Depois de ter celebrado a missa, o Papa, como de
costume, assistiu a uma segunda missa. Lá pelo fim, viram-no levantar a
cabeça de repente e olhar fixamente para o altar, acima do tabernáculo. 0
seu rosto empalideceu e as suas feições tornaram-se tensas. Finda a missa,
levantou-se e, ainda sob os efeitos de uma intensa emoção, dirigiu-se para
o seu quarto de trabalho. Um dos prelados que o rodeavam perguntou-lhe:
Qual era o conteúdo desse papel? Uma oração ao Arcanjo São Miguel, composta
pelo próprio Papa. Uma oração que os sacerdotes recitariam depois de cada
missa rezada, ao pé do altar, após a Salve Rainha já prescrita por Pio IX:
Leão XIII confidenciou mais tarde a um dos seus secretários, mons. Rinaldo
Angeli, que durante a missa tinha visto uma nuvem de demônios que se
lançavam contra a Cidade Eterna para atacá-la. Daí a sua decisão de
mobilizar São Miguel Arcanjo e as milícias celestes para que defendessem a
Igreja contra Satanás e os seus exércitos, e, de modo particular, para que
se resolvesse o que então se chamava 'a questão romana' (pp. 8-13).
É significativo que Deus estabeleça cuidadosamente os limites dos poderes
que concede a Satanás. Não lhe dá uma'luz verde' incondicional. Assim como o
Criador põe limites ao fluxo do mar enfurecido - Não irás mais longe [...],
aqui se quebrará o orgulho das tuas ondas (Jó 38, 11) -, do mesmo modo impõe
limites ao ódio e à inveja de Satanás.
0 Evangelho de São Mateus revela-nos que os demônios têm necessidade de luz
verde'mesmo para uma operação sem maiores conseqüências, ainda que insólita,
como entrar num rebanho de porcos que pastam na terra dos gerasenos. Havia a
uma certa distância um grande rebanho de porcos que pastava. E os demônios
suplicaram a Jesus: 'Se nos expulsas, envia-nos a esse rebanho de porcos'.
Ide, disse-lhes Jesus. Saíram então e foram para os porcos, e eis que, do
alto da escarpa, todo o rebanho se precipitou no mar, onde se afogou (Mt 8,
30-32).
0 relato da Paixão apresenta-nos um exemplo dramático dos limites impostos
por Deus ao poder do diabo sobre os Apóstolos. Satanás tinha pedido a Deus
que o deixasse pôr à prova os Apóstolos, sacudindo-os como o agricultor
sacode o trigo. 0 Senhor só aceita esse pedido em parte. Com explica
Garrigou-Lagrange, 'o Senhor permitiu a Satanás que joeirasse os Apóstolos
como se joeira o trigo, mas pôs um limite. Quem Satanás desejava sobretudo
fazer cair era Pedro, o chefe dos Apóstolos. Jesus conhecia o perigo que
ameaçava Pedro. Não quis preservá-lo completamente, mas com a sua oração
protegeu-lhe a fé: a do Apóstolo, portanto, não desfalecerá, e, quando se
recuperar da sua conduta errônea, caber-lhe-á confirmar os seus irmãos'.
Garrigou-Lagrange cita a profunda observação de um exegeta protestante:
'Preservando Pedro, cuja ruína teria arrastado os demais Apóstolos, Jesus
preservou-os a todos'. É assim que Deus, Senhor da História, sabe utilizar a
malícia de Satanás para a construção da Igreja.
São Tomás de Aquino insiste muito neste ponto: o diabo não pode tentar os
homens tanto quanto deseja; só pode atormentá-los na medida em que Deus o
permite. Nem mais, nem menos!
0 relato da Paixão apresenta outro exemplo da submissão do demônio às
disposições da Providência. Depois de ter dito que, na última Ceia, Satanás
tinha entrado em Judas, São João cita estas palavras de Jesus ao traidor: 0
que tens a fazer, faze-o depressa! (Jo 13, 27). Podese expressar mais
explicitamente o controle de Deus sobre as maquinações de Satanás presente
em Judas? É verdade, como explicam os exegetas, que as palavras de Jesus não
equivaleram a uma ordem. Também não eram um estímulo à traição. Expressavam
simplesmente, numa linguagem rigorosa, uma autorização) (pp. 80s).
2.2. Pode ladrar, mas não morder
São Paulo assegura-nos: "Deus não permitirá que sejais tentados além do vosso
poder de resistência, mas, junto com a tentação, dar-vos-á os meios para
suportá-la e a força para vencê-la" (1 Cor 10, 13).
Existem dois movimentos na raiz das tentações do diabo: o amor de Deus pelos
homens e a odienta inveja de Satanás. Deus permite a tentação por amor, para
dar à criatura humana a oportunidade de elevarse até Ele por atos de
virtude; o demônio desencadeia a tentação por ódio, para fazer cair o homem.
Deus oferece ao homem uma ocasião de subir e Satanás utiliza essa mesma
ocasião para fazê-lo cair. Assim, por uma misteriosa ordem de Deus, sem o
saber, sem o querer, contra a sua vontade e contra as inclinações de todo o
seu ser, Satanás contribui indireta, mas realmente, para a expansão do reino
de Deus sobre a terra. Não é esta, aliás, a razão da sua presença entre os
homens até o Juízo final, antes de ser precipitado nas profundezas do
inferno?...
A um sacerdote da Missão, a quem Satanás tinha razões para odiar, São
Vicente de Paulo escrevia: '0 diabo pode ladrar, mas não pode morder; pode
atemorizar-vos, mas não vos pode fazer mal. Isto eu vo-lo garanto diante de
Deus, na presença de quem vos falo'.
Também Santa Teresa de Lisieux se servia dessa imagem para mostrar os
limites do poder de Satanás: comparava o demônio a um grande cão malvado que
nada pode contra uma criancinha subida aos ombros de seu pai.
A este respeito, pode ser útil recordar mais uma vez as seguintes verdades:
0 missivista, no caso, refere ter ouvido dizer que a Igreja aboliu os
exorcismos ou as preces feitas para expulsar o Maligno detentor das
faculdades de um ser humano. - Em resposta nada de melhor se pode fazer do
que citar o atual Código de Direito Canônico, que, supondo a possibilidade
de haver possessão diabólica, regulamenta a prática do exorcismo:
1.1. Uma das grandes necessidades da Igreja contemporânea
» 2. COMO UM CÃO PRESO POR UMA CORRENTE
- Santo Padre, sente-se cansado? Precisa de alguma coisa?
0 Papa encerrou-se no seu escritório. Meia-hora mais tarde, mandou chamar o
Secretário da Congregação dos Ritos. Estendeu-lhe um papel com um texto
manuscrito e pediu-lhe que mandasse imprimir e o enviasse aos bispos de todo
o mundo.
- Não - respondeu Leão XIII - não preciso de nada...
"São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate, sede o nosso amparo contra a
maldade e as ciladas do demônio. Instante e humildemente vos pedimos que
Deus impere sobre ele. E vós, Príncipe da milícia celeste, com esse poder
divino, precipitai no inferno Satanás e os outros espírito malignos que
vagueiam pelo mundo para a perdição das almas."
2.1. Nunca sem Luz verde
» 3. EXORCISMO
Cânon 1172 - § 1. Ninguém pode legitimamente fazer exorcismos em possessos a
não ser que tenha obtido licença especial e expressa do Ordinário local.
Por conseguinte, a Igreja crê na eventualidade da possessão diabólica.
Apenas deseja que se examine atentamente cada caso de pretensa possessão
para não se confundir doença psíquica ou física com a ação do Maligno. Uma
vez diagnosticada, com séria probabilidade, a possessão por sacerdotes e
médicos, recorra-se ao Bispo local ou ao Prelado respectivo para lhe pedir
que delegue um sacerdote exorcista.
§ 2. Essa licença seja concedida pelo Ordinário local somente a sacerdote
que se distinga pela piedade, ciência, prudência e integridade de vida.