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Deus quer que todos os homens se salvem; cf. 1 Tm 2, 4. Todavia Ele não
força ninguém a amá-Lo e preferi-Lo aos bens criados. Por conseguinte, Deus
a ninguém condena; é a criatura que condena a si mesma. Caso morra
consciente e voluntariamente avessa a Deus (coisa que só Deus pode saber),
terá para sempre a sorte que escolheu para si, pois a morte coloca o ser
humano em estado definitivo, no qual não é possível qualquer mudança. - De
resto, faz-se necessário reconhecer que nenhuma criatura está apta a julgar
Deus; Este, por definição, é a Suma Perfeição e a Santidade Absoluta; quando
Ele à limitada razão humana parece injusto, parece tal não porque seja menos
justo do que o homem (um Deus injusto não pode existir), mas porque o seu
desígnio salvífico ultrapassa o entendimento humano.
A seguinte questão é feita: "Sou católico, mas tenho uma dúvida que muito me
persegue e incomoda: é a questão da condenação eterna... Como um Deus tão
misericordioso pode deixar que seus filhos fiquem para sempre no inferno?
Para mim, o inferno é o lugar dos demônios e não dos filhos de Deus. Não
creio que no inferno esteja algum ser humano. Creio na existência do
inferno, mas não como lugar dos homens de pecado e condenados".
Vamos responder por partes:
A morte coloca o homem num estado definitivo e imutável. 0 homem fica sendo
para sempre amigo ou inimigo de Deus, conforme as disposições que tenha ao
deixar este mundo; somente enquanto peregrina na terra, pode merecer ou
desmerecer o Sumo Bem.
Esta verdade se encontra no Evangelho: Jesus admoesta os discípulos a que
vigiem, pois a atitude que tiverem assumido nesta vida em relação a Deus,
definirá a sua sorte definitiva. É o que incutem as parábolas das dez
virgens (M 25, 1-13), dos dez talentos (Mt 25, 14-30), do ricaço e de Lázaro
(Lc 16, 18-31), o quadro do juízo final em Mt 25, 31-46...
A mesma idéia ressoa na pregação dos Apóstolos; ver G1 6, 10; 1 Cor 15, 24;
2Cor 5, 10; 6, 2; Hb 3, 13. A tradição cristã a repetiu sempre, e o Concílio
do Vaticano 1 (1870), suspenso antes de concluído, estava para promulgá-la
em suas definições teológicas, nos seguintes termos:
Até a morte, mas somente até a morte, a natureza humana se acha completa
(alma e corpo) e dotada das faculdades que concorrem para a sua evolução
(sentidos, inteligência e vontade). Ora é lógico que a decisão do homem
relativa ao fim supremo seja tomada pelo homem em sua natureza completa. 0
homem não é espírito só, mas espírito destinado a vivificar um corpo e
desenvolver-se mediante o corpo.
Verdade é que, depois da ressurreição, o corpo estará de novo unido à alma.
Por que então não poderá haver mudança de opções após a ressurreição? -
Respondemos dizendo que a re-união de corpo e alma após a morte é algo a que
a natureza humana não tem, por si mesma, direito; é dom gratuito de Deus. 0
corpo então não servirá de instrumento mediante o qual a alma mude as suas
inclinações; ao contrário, as condições do corpo se adaptarão às
disposições, boas ou más, da alma, em vez de as influenciar; os justos terão
um corpo glorioso, ao passo que os réprobos terão um corpo tido como
"tenebroso".
A irrevogabilidade de um destino é algo que nós, peregrinos na terra,
dificilmente concebemos; tudo o que conhecemos neste mundo, se nos apresenta
como transitório; não temos a experiência do definitivo ou da morte.
Vem muito a propósito a parábola de Mt 20, 1-15: um patrão contrata cinco
turmas de operários em diversas horas do dia e, no fim da jornada, manda
pagar a todos o mesmo salário, embora tenham prestado desiguais cotas de
serviço. Um dos mais cansados dos trabalhadores se insurge então e argüi o
patrão de injustiça, pois iguala entre si os que não trabalharam o mesmo
número de horas. 0 patrão lhe responde com serenidade, observando que não
lhe faz injustiça, pois pagou quanto foi estipulado em contrato, ou seja, um
dinheiro, a justa remuneração. Se ele dá aos demais trabalhadores algo que
não lhes é devido em estrita justiça, mas depende da benevolência gratuita
do patrão, ele tira do seu bolso e não lesa ninguém. Fica então a pergunta:
"Precisamente porque eu sou bondoso além de toda expectativa, dando de
graça, tu te irritas? É a minha magnanimidade surpreendentemente bela e
nobre que te faz protestar?"
A mesma resposta do Senhor da parábola pode ser dada pelo Senhor Deus à
criatura que o critica, julgando que Deus não é justo e deveria proceder
como a criatura procederia. Se Ele "escandaliza", porque é bom além dos
trâmites habituais vigentes entre os homens. Então não há por que 0
criticar, mas, sim, existem motivos para abaixar a cabeça e adorar a Suma
Sabedoria do Senhor, que vê muito mais longe do que a mesquinha intuição do
ser humano. É esta a resposta que a fé católica formula para dúvida acima.
"Depois da morte, que é o remate da nossa caminhada, todos teremos logo de
nos apresentar perante o tribunal de Cristo, a fim de que cada qual receba a
retribuição do que tiver feito de bem ou de mal quando estava no corpo (2Cor
5, 10); depois desta vida mortal, não há mais possibilidade de penitência e
justificação" (Mansi-Petit, Conc. t. LIII, 175).