»» Artigos Diversos

A TRANSCENDÊNCIA DO CRISTIANISMO
Autor: bispo Fulton J. Sheen
Fonte: Lista "Tradição Católica"
Transmissão: Ewerton Wagner Santos Caetano

Ponto de suma importância em relação à transcendência do cristianismo é o fato de que nenhuma outra religião teve jamais um fundador com pré-história.

Ninguém jamais soube que Buda, ou Confúcio, ou os fundadores das outras religiões, estivessem para vir, inclusive os fundadores dessas religiões que estão sendo fundadas esta tarde em Los Angeles. Os fundadores das outras religiões aparecem em plena eflorescência na cena histórica, pretendendo terem sido enviados por Deus e até mesmo pretendendo cada um deles ser Deus.

A aceitação de suas pretensões depende da credulidade, e não da história. A razão humana acha plausível que, estando Deus prestes a enviar um mensageiro a este mundo, anunciasse previamente a sua vinda, a fim de que tal mensageiro pudesse ser identificado ao aparecer. Verificamos ser este o caso de Cristo, e de nenhum outro. Inteiramente à parte da fé na Revelação, o fato é que, entre certo povo e por longo período de tempo, houve uma série de profecias em relação a Cristo. Ele haveria de ser, por exemplo, da geração de Abraão (Gn 12), de Isaac (Gn 26), de Jacó (Gn 28); viria quando Judá tivesse perdido o cetro (Gn 49), antes da destruição do segundo templo (Ag 2), depois de sessenta e nove semanas de anos (Dn 9); nasceria de uma Virgem (Is 7) na aldeia de Belém (Mq 5); sofreria em silêncio e seria considerado iníquo pela sua morte ignominiosa (Is 53); seria traspassado por uma lança (Zc 12), mas nenhum osso de seu corpo haveria de quebrar-se (Ex 12); suas mãos e seus pés seriam traspassados (Sl 21) e seu sepulcro proviria de um homem rico (Is 53); ressurgiria ao terceiro dia (Os 6) e triunfaria no Monte das Oliveiras (Zc 14); seria Rei universal no tempo (Is 9) e no espaço (Zc 9); seria não só a esperança do povo do qual proveio, mas também o Desejado por todas as nações (Gn 49).

As probabilidades contra a realização destas e muitas outras profecias são maiores do que as probabilidades contra a realização de qualquer fato tomado separadamente. Se foram preditos vinte fatos e se a probabilidade de cada um desses fatos é um décimo; para dois fatos em conjunto a probabilidade será de um centésimo; para três, de um milésimo; e para vinte, a probabilidade seria de 1/100.000.000.000.000.000.000. Edershein, em 'Vida e Época de Jesus, o Messias', enumera 456 textos do Velho Testamento que os rabinos interpretavam como referentes ao Messias. Aqui está, somente sob um ponto de vista histórico, a singularidade que coloca o Cristo em posição de evidência entre todos os outros fundadores de religiões do mundo. E, depois que a realização dessas profecias se verificou historicamente na pessoa de Cristo, não somente cessaram todas as profecias em Israel, como também houve interrupção dos sacrifícios (fato predito por Daniel), quando o verdadeiro Cordeiro Pascal foi sacrificado.

O cristianismo é a única religião no mundo identificada com a história, tanto no advento do seu Fundador, como na sua repercussão e influência sobre as civilizações subseqüentes. Isto é a tal ponto verdadeiro que, mesmo aqueles que querem negar a existência de Cristo, têm que datar a sua negação de 1940, 1950 ou 1960 anos depois do nascimento de Cristo. Tanto a razão como a história exigem que as pretensões de uma Pessoa que se coloca acima de todas as outras sejam investigadas: é o caso d'Aquele que, em sua própria aldeia, pôde ler uma profecia de oitocentos anos a respeito de si próprio, e dizer: 'Hoje cumpriu-se esta escritura aos vossos ouvidos' (Lc 4,21). E, diante daqueles que se gloriavam de ter Abraão como pai, pôde reportar-se ao seu eterno começo e dizer: 'Antes de Abraão ter começado a ser, Eu sou' (Jo 8,58).

Isto nos leva a outro ponto na questão da transcendência, ponto esse que se relaciona com aquelas outras religiões que foram fundadas por pessoas humanas não-anunciadas previamente, tais como Gautama quanto ao budismo, Zoroastro quanto à religião persa e Maomé quanto ao islamismo. Em cada um destes casos, a doutrina está sempre separada do indivíduo; o ideal é abstrato, embora comunicado por um Fundador. Somente no cristianismo encontra-se a identificação da Pessoa com o ideal, histórica ou absolutamente falando. 'Eu sou a Verdade'. Todos os outros disseram: 'Aqui está a Verdade - segui-a'. Cristo não conheceu e não pregou outra verdade senão a si próprio. O budismo não é Gautama, mas o cristianismo é Cristo. E a um só mesmo tempo, Ele afirmou a Verdade e atribuiu à sua Pessoa uma inocência e uma retidão moral absolutas: 'Quem de vós me acusará de pecado?' O Logos, ou a Verdade dos estóicos, era pura abstração e Plutarco dizia a respeito do estóico ideal: 'Não está em parte alguma da terra, nem jamais foi visto'. O Logos de Fílon era mera hipótese e nunca se difunde ou se comunica. Mas o Logos do cristianismo foi 'a Palavra que se fez carne e que habitou entre nós'. Os ideais sempre foram apresentados aos homens, e ainda o são, mas ideal sem personificação é ideal sem interesse. Ninguém pode apaixonar-se por um teorema de geometria. As idéias desencarnadas são frias. É por esta razão que, no mundo antigo, apresentavam-se figuras lendárias (tais como Orfeu e Osíris) - para dar força e cor aos preceitos. Nem mesmo a era messiânica pôde resistir em tempo de crise, mas teve de dar lugar à pessoa messiânica. A história, pelos tempos do nascimento de Cristo, estava madura para uma Verdade que fôsse uma Pessoa. Em todas as outras religiões havia ideais, preceitos e éticas, mas somente em uma o ideal não era abstração e, sim, a exibição, no tempo e no espaço, de uma figura que preenchia as inexauríveis aspirações do coração humano. Cristo não é simplesmente um homem bom, porque os homens bons não mentem. E ele mentiria se não fôsse o que pretendia ser: o Filho de Deus. Ou Ele é o Filho de Deus feito homem ou é o maior finório de todos os tempos; mas não é, absolutamente, 'um dos tais professores de moral'".

  • Retirado do livro "Filosofia da Religião - O Impacto da Cultura Moderna sobre a Religião" de Fulton J. Sheen, AGIR editora, Rio de Janeiro, 1960, pp. 234-236.