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JULGAMENTO E DISCERNIMENTO
Autor: pe. François Laisney
Fonte: Lista "Tradição Católica"
Transmissão: Gercione Lima

Três são os atos do intelecto: apreensão, julgamento e raciocínio, mas existe um segundo tipo de julgamento que é aquele próprio de um juíz atuando num tribunal. Quando a Igreja ensina que o Papa é juiz em matérias de Fé, ou seja, que ele é quem julga o que faz parte e o que não faz parte da Tradição, a Igreja está se referindo a esse segundo tipo de julgamento. E mais, a Igreja ensina que o Papa não apenas é o juiz nessa matéria, mas que ele é o supremo juiz . Os Bispos também são juízes, mas não supremos. Eles não receberam esse poder de julgamento supremo sobre matérias de Fé como alguns Bispos americanos e alemães parecem reinvindicar. Apesar disso, a Igreja jamais disse que um fiel leigo não poderia fazer uso do seu intelecto para emitir julgamentos objetivos e raciocinar, segundo o primeiro sentido dessas palavras!

Tomemos como exemplo o caso do Acordo entre Católicos e Luteranos sobre a Doutrina da Justificação. Pois bem, a respeito dessa matéria ( Justificação) existem dois erros opostos:

  1. Os Pelagianos que afirmam que as ações do homem são suficientes para a salvação e que a graça de Deus é apenas elemento secundário ou desnecessário.

  2. Os Protestantes que afirmam que a graça de Deus faz tudo e que o homem não precisa cooperar... basta ficar passivo à essa graça.

Entre esses dois extremos, ou seja, um dando muita ênfase à ação humana e o outro importância nenhuma, podemos encontrar a posição Católica, a qual é de certo modo, a mais difícil de ser compreendida, precisamente porque diz respeito ao Mistério da Redenção: Deus é a Causa Primária de todo o bem, especialmente dos bens sobrenaturais; sem a Sua graça nada podemos fazer; e a Sua graça não é devida à nossa natureza e muito menos à nossa natureza decaída. E ainda assim Deus requer a nossa cooperação e dá-nos a graça de cooperar com Ele: nós nos tornamos causa secundária de nossa própria justificação e salvação (para adultos convertidos).

Uma causa secundária, por si mesma não pode fazer nada, ela pode apenas atuar em virtude da influência da Causa Primária. Não obstante tudo isso, se essa causa secundária falha, o efeito também não é produzido. Segundo o grande teólogo, Padre Garrigou Lagrange; essa explicação diz respeito a um triplo mistério: um Mistério de Intimidade quando Deus atua dentro de uma alma, um Mistério de Iniquidade quando uma alma resiste à ação de Deus e um Mistério da Divina Liberdade e Sabedoria quando Deus escolhe salvar um e não outro. Pois devemos respeitar o Mistério e não negar qualquer aspecto do mesmo.

Pois bem, temos aqui algo que pode ser tomado como parâmetro para a continuidade da discussão. Existem dois erros a serem evitados:

  1. Uma atitude paralela à dos Protestantes, os quais alegam que cada fiel é a suprema e última autoridade no que diz respeito ao que pertence e ao que não pertence à Tradição da Igreja.

  2. Uma atitude extremamente oposta, a qual alega que qualquer fiel por si só é incapaz de saber o que pertence e o que não pertence à Tradição e que necessita recorrer constantemente à autoridade da Igreja, para que essa o explique.

Naturalmente que o sacerdote que diz ao fiel que ele mesmo é incapaz de saber o que pertence ou não à Tradição deve recorrer ao Bispo. E se esse Bispo também não sabe, ele deve recorrer ao Papa e o Papa por sua vez deve recorrer constantemente ao Espírito Santo, porque Este sim não erra nunca. A assistência infalível do Espírito Santo foi prometida apenas ao Sucessor de Pedro e não a cada fiel em particular.

Bom, por outro lado, temos o Magistério da Igreja, nem o de ontem e nem o de hoje, e sim o Magistério de sempre, já que Cristo é o mesmo, ontem, hoje e sempre. A verdade está sempre no topo e frequentemente acompanhada por um erro em cada lado.

A verdade é tão simples, que precisamente porque a Igreja é uma boa mestra, ela prossegue dando sempre o mesmo e verdadeiro conhecimento da Fé aos seus filhos. E esses filhos, NÃO se apoiando em seus próprios JULGAMENTOS, mas ao contrário, permanecendo fiéis aos JULGAMENTOS que receberam da Madre Igreja, TORNAM-SE CAPAZES de discernir ( segundo ato da inteligência e não julgamento judicial) entre o que ensina o Bom Pastor e os lobos vestidos em pele de cordeiro. É o próprio Jesus Cristo que pede esse discernimento de suas ovelhas: "Guardai-vos dos falsos profetas, pelos seus frutos os conhecereis!"( Mat 7:15-16) E a missão profética é apenas uma das três missões do fiel batizado.

São Paulo em sua Epístola aos Gálatas também chama-nos a fazer tal discernimento: "Mas ainda que alguém- nós ou um anjo baixado do céu- vos anunciasse um evangelho diferente do que vos temos anunciado, que ele seja anátema. Repito aqui o que acabamos de dizer: se alguém pregar doutrina diferente da que recebestes, seja ele excomungado! É porventura, o favor dos homens que eu procuro, ou o de Deus? Por acaso tenho interesse em agradar aos homens? Se quisesse ainda agradar aos homens, não seria servo de Cristo"(Gal. 1,8-10).

Portanto, é óbvio que o fiel não segue seu próprio julgamento quando ele rejeita alguém que lhe ensina "um evangelho diferente do que lhe foi anunciado". Nesse caso, ele apenas está buscando ser fiel ao JULGAMENTO que recebeu, ou seja, a Doutrina que lhe foi transmitida. Note ainda as últimas palavras, pois elas nos dão uma chave importante para discernir os lobos modernistas: "Se quisesse ainda agradar aos homens, não seria servo de Cristo", ou seja, aqueles que buscam agradar o mundo, na verdade não são verdadeiros discípulos de Cristo. Ora, todos nós sabemos bem que as novidades que foram e continuam sendo introduzidas, especialmente na Liturgia, foram explicitamente introduzidas buscando agradar aos não aos Católicos e sim aos não-Católicos. E foram eles mesmo que o declararam.

Atualmente, acelerando a obra de auto-demolição da Igreja, muitas outras novidades perniciosas vão sendo introduzidas buscando agradar não a Deus, mas sim aos que estão no mundo, numa tentativa patética de trazê-los para dentro do rebanho, mesmo quando se vê claramente que todos esses esforços resultam sempre em fracasso.

Portanto, como podemos ver, uma coisa é exercer o discernimento, outra coisa é estabelecer como princípio de orientação o seu próprio julgamento pessoal. Não podemos dizer: "Nós sabemos quando as declarações do atual Pontífice correspondem exatamente aos dos prévios Pontífices". Tal julgamento é necessariamente subjetivo e perigoso. A interpretação privada dos atos do Magistério não é menos protestante do que a interpretação privada das Sagradas Escrituras! Discernir a conformidade do que é ensinado hoje com o que foi ensinado ontem em matéria de Fé, é fazer EXATAMENTE O QUE SÃO PAULO NOS ENSINA. Isso não é interpretação privada precisamente porque o critério não é nosso próprio julgamento pessoal, mas sim o que a Igreja sempre ensinou no passado, julgando como certo ou errado.

Esse ato de discernimento não é um ato judicial. Futuramente é bem provável que um outro Papa faça um julgamento sobre a crise atual da Igreja e que declare certas proposições modernistas como anátemas. Nós não podemos declarar nada como anátema, mas podemos considerar os anátemas que os outros Papas já declararam. E porque devemos guardar os ensinamentos ex-cathedra que o Concílio de Trento proclamou contra as heresias protestantes, não podemos aceitar as ambiguidades e concessões como as contidas nesse recente Acordo com os Luteranos.

Um outro fator a ser considerado é que desde o Papa João XXIII, nenhum dos papas modernos quis usar da plenitude de sua autoridade a não ser para algumas canonizações. Até mesmo quando fêz o seu "Credo do Povo de Deus", Paulo VI deixou claro que o fazia individualmente e não como uma definição. Também em sua Encíclica Humanae Vitae ou mesmo João Paulo II quando rejeitou a proposição de mulheres no sacerdócio, também não fizeram nenhuma definição "ex-cathedra", muito embora tais declarações sejam infalíveis enquanto magistério ordinário e infalíveis justamente porque constituem a Tradição da Igreja Católica.

Existem alguns fiéis que se sentem seguros apenas quando podem se apoiar nas explícitas definições ex-cathedra . É verdade que essas definições são 100% seguras, mas seria uma mutilação da doutrina da Igreja pensar que nada mais é seguro a não ser as definições ex-cathedra! Tudo aquilo que sempre foi ensinamento da Igreja, tudo aquilo que foi ensinado desde o princípio é seguro! Assim, ainda que os Papas não exerçam sua autoridade em plenitude, os fiéis não precisam se sentir "perdidos", basta que "conservem os ensinamentos que aprenderam da Igreja, seja por palavras, seja pela Escritura (Tradição)" (2 Tes. 2,14).

Não cabe ao fiel discernir sobre complicadas questões teológicas, mas cabe a cada um procurar ser fiel ao que a Igreja ensinou por séculos: o seu Catecismo. E ao agir assim ele não está se apoiando em sua própria interpretação privada do Magistério, ele não segue um "julgamento subjetivo repleto de perigos", ele segue o caminho seguro daquilo que sempre ensinou a Tradição da Igreja.