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Lúcia, Jacinta e Francisco eram, antes de 1916, crianças católicas do
vilarejo de Aljustrel, na diocese de Leiria, Portugal. Brincavam como todas
as crianças, gostavam de jogos e de dançar animados, enquanto pastoreavam
as ovelhas da família. Viviam um catolicismo verdadeiro, porém como muitas
crianças, limitavam-se ao mínimo necessário. Lúcia conta que às vezes, para
que o terço passasse mais depressa, em vez de rezar as orações completas,
limitavam-se a dizer: Pai Nosso, Ave Maria, Ave Maria, Ave Maria.... Ora,
para que estas alminhas, inocentes e comuns, pudessem ter a honra de ver
Nossa Senhora, um anjo lhes aparecerá por três vezes, fazendo dessas crianças
verdadeiras almas de oração.
Vamos acompanhar a transformação.
Estamos em 1916.
Na primavera deste ano (março ou abril), Lúcia, Jacinta e Francisco estavam
na Loca do Cabeço pastoreando as ovelhas quando viram um ser luminoso vindo
em sua direção. Ele tinha os traços de um rapaz de 14 a 15 anos. O anjo
lhes disse:
«Não tenham medo. Rezem comigo».
E num gesto de grande familiaridade e simplicidade, pôs-se ao lado das
crianças e prosternando o rosto por terra disse esta oração:
«"Meu Deus eu creio, adoro, espero e amo-Vos; peço-Vos perdão para os
que não crêem, não adoram, não esperam e Vos não amam".
Orai assim; os Corações de Jesus e Maria estão atentos à voz das vossas
súplicas» (2ª Memória).
E o anjo desapareceu.
Esta primeira aparição do anjo foi como uma aproximação do sobrenatural na
vida das crianças. Servirá para familiarizá-las com os seres e os costumes
do céu: a adoração, os atos de fé, esperança e caridade, a reparação e o
nome de Deus, deste Deus atento às suas súplicas. A própria Lúcia, na 4ª
Memória, dirá que «Levados por um movimento sobrenatural, imitamo-lo e
repetimos as palavras que o ouvimos pronunciar».
Nossos pastorinhos, doravante alunos do céu, sentirão imediatamente o peso
da presença da vida sobrenatural. Passarão vários dias num estado de
abatimento físico, de recolhimento, de um silêncio difícil de ser rompido
e principalmente de paz interior.
«Acontece, porém, ainda depois de passado, ficar a vontade tão embebida
e o entendimento tão absorto, que assim permanecem o dia todo e até vários
dias... Quando volta a si, está com tão imensos lucros e tem em tão pouco
as coisas da terra que todas lhe parecem cisco em comparação do que viu.
Daí em diante vive muito penada, e tudo o que lhe costumava causar prazer
não lhe infunde a menor consolação» - Sta Tereza d'Avila, Castelo
Interior, Sextas Moradas, cap. IV e V.
Tinham dificuldade de brincar, de falar e até mesmo de se mover. Daí em
diante eles passarão várias horas em oração, prostrados como o amigo do
céu, repetindo: «Meu Deus eu creio, adoro, espero e vos amo...» Só
muitos dias depois que este estado de alma diminuirá pouco a pouco.
Eis como nos conta Lúcia, na 4ª Memória:
«A atmosfera do sobrenatural, que nos envolveu era tão intensa que quase
não nos dávamos conta da própria existência, por um grande espaço de tempo,
permanecendo na posição em que nos tinha deixado, repetindo sempre a mesma
oração. A presença de Deus sentia-se tão intensa e íntima, que nem mesmo
entre nós nos atrevíamos a falar. No dia seguinte, sentíamos o espírito ainda
envolvido por essa atmosfera, que só muito lentamente foi desaparecendo.
Nesta aparição, nenhum pensou em falar, nem em recomendar segredo. Ela de
si o impôs. Era tão íntima, que não era fácil pronunciar sobre ela a menor
palavra. Fez-nos talvez também maior impressão por ser a primeira assim
manifesta».
A segunda aparição foi no verão deste mesmo ano (julho ou agosto). Será a
segunda lição de vida sobrenatural, centrada sobre o espírito de sacrifício.
Após lhes dizer para rezar muito, o anjo acrescenta:
«Os Corações Santíssimos de Jesus e Maria têm sobre vós desígnios de
misericórdia». E acrescenta: «Oferecei constantemente ao Altíssimo orações
e sacrifícios».
«Como nos havemos de sacrificar?» - pergunta Lucia.
«De tudo o que puderes, oferecei a Deus sacrifício em ato de reparação
pelos pecados com que Ele é ofendido, e súplica pela conversão dos
pecadores. Atraí, assim, sobre a vossa Pátria a Paz... sobretudo aceitai e
suportai com submissão os sofrimento que o Senhor vos enviar» (2ª Memória).
Eis, então, que Deus pede a Lúcia e seus companheiros muito mais do que na
primeira vez. É normal que eles tenham perguntado ao anjo como se sacrificar.
Para crianças daquela idade a palavra sacrifício tem um sentido limitado,
infantil. Deus queria que eles fossem além. Por isso o anjo lhes ensina a
se sacrificar, e traz para eles algumas noções até então ignoradas: ato de
reparação pelos pecados, súplica pela conversão dos pecadores, aceitação
das cruzes que Deus nos envia.
Que impressão causou esta nova lição do anjo, em suas almas? Lúcia nos
conta:
«Estas palavras do Anjo gravaram-se em nosso espírito, como uma luz que
nos fazia compreender quem era Deus; como nos amava e queria ser amado; o
valor do sacrifício, e como ele lhe era agradável; como, por atenção a
ele, convertia os pecadores. Por isso, desde esse momento começamos a
oferecer ao Senhor tudo o que nos mortificava, mas sem discorrermos a
procurar outras mortificações ou penitências, exceto a de passarmos horas
seguidas prostrados por terra, repetindo a oração que o Anjo nos tinha
ensinado» (4ª Memória).
Vemos neste texto a origem da grande mortificação das três crianças. Ela
não nasceu de uma vontade mórbida qualquer, de um fanatismo fabricado pela
imaginação; ela não lhes foi inspirada por nenhum sacerdote exagerado. A
luz divina que invadiu suas almas as levou com mansidão e naturalidade a
um conhecimento tal da vida divina, do olhar de Deus sobre nós, que eles
não conseguiriam mais viver sem este espírito e prática do sacrifício reparador.
É de se notar que os efeitos da primeira aparição limitam-se a um estado de
alma por certa presença do sobrenatural. Nesta, trata-se de um verdadeiro conhecimento
de Deus e de seu relacionamento com suas almas.
Por aí se vê que é impossível proceder da imaginação. Também não pode ser
obra do demônio, pois não tem ele poder para apresentar coisas que tanta
operação e paz e sossego e aproveitamento produzem na alma. Especialmente três
são os frutos que deixa em subido grau:
Estavam eles numa gruta de difícil acesso, para rezar escondidos. Estavam
assim, prostrados, repetindo a oração do Anjo: «Meu Deus eu creio,
adoro... etc.»
«Não sei quantas vezes tínhamos repetido esta oração, quando vemos que
sobre nós brilha uma luz desconhecida. Erguemo-nos para ver o que se
passava, e vemos o Anjo, tendo na mão esquerda um cálice, sobre o qual está
suspensa uma Hóstia, da qual caem algumas gotas de sangue dentro do cálice.
O Anjo deixa suspenso no ar o cálice, ajoelha junto de nós e faz-nos
repetir três vezes:
Na quarta Memória, Lúcia dá detalhes sobre as conseqüências desta última
aparição do Anjo:
«A força da presença de Deus era tão intensa que nos absorvia e
aniquilava quase por completo. Parecia privar-nos até do uso dos sentidos
corporais por um grande espaço de tempo. Nesses dias, fazíamos as ações
materiais como que levados por esse mesmo Ser sobrenatural que a isso nos
impelia. A paz e felicidade que sentíamos era grande, mas só íntima,
completamente concentrada a alma em Deus. O abatimento físico que nos
prostrava também era grande».
Um pouco antes ela escrevia: «Na terceira aparição a presença do
sobrenatural foi ainda muitíssimo mais intensa. Por vários dias nem mesmo
o Francisco se atrevia a falar. Depois dizia: "Gosto muito de ver o Anjo;
mas o pior é que depois não somos capazes de nada!" Eu nem andar podia!
Não sei o que tinha».
Era tanto o abatimento espiritual e corporal, era tal o êxtase dessas
crianças, que nem viram a noite chegar: «Apesar de tudo, foi ele
(Francisco) que se deu conta das proximidades da noite. Foi quem disso nos
advertiu e quem pensou em conduzir o rebanho para casa».
Procurei citar toda a passagem das Memórias de Lúcia devido ao seu caráter
eminentemente sobrenatural. É muito difícil ler estas palavras e dizer que
tudo foi invenção. Os detalhes de vida espiritual são muito fortes. Já
estavam as crianças levadas espiritualmente à oração constante e
mortificada. O Anjo lhes ensina uma oração nova, onde destacamos:
Só passados alguns dias, quando conseguem falar novamente, é que o menino
pergunta:
«O Anjo, a ti deu-te a Sagrada Comunhão; mas a mim e à Jacinta, que foi
o que ele nos deu?!»
«Foi também a Sagrada Comunhão!» - respondeu a Jacinta numa alegria indizível.
«Não vês que era o Sangue que caía da Hóstia?!»
E Francisco diz então estas palavras, que são a prova da veracidade das
graças com as quais Deus enchia estas almas infantis:
«Eu sentia que Deus estava em mim, mas não sabia como era!»
E prostrando-se por terra, permaneceu por largo tempo, com sua irmã,
repetindo a oração do Anjo: «Santíssima Trindade...etc.».
«Aqui se lhe comunicam todas três Pessoas, e lhe falam, e lhe dão a
compreender aquelas palavras do Senhor no Evangelho, quando disse que
viria Ele com o Pai e o Espírito Santo a morarem na alma que o ama e guarda
os seus mandamentos... E cada dia se admira mais esta alma, porque lhe
parece que as Pessoas Divinas nunca mais se apartaram dela; antes,
notoriamente vê que, do modo sobredito, as tem em seu interior, no mais
íntimo, num abismo muito fundo; e não sabe dizer como é, porque não tem
letras, mas sente em si esta divina companhia» - Sta. Tereza d'Avila,
Castelo Interior, Sétimas Moradas, cap. I.
É no exemplo vivo desta criança que aprendemos o que muitos espirituais
nos ensinam com palavras humanas e que nos torna difícil a compreensão do
que seja a Santa Comunhão. Que extraordinária ação de graças fazem estas
crianças, dias depois de receberem a comunhão, milagrosamente, das mãos de
um Anjo, elevadas a um júbilo sobrenatural ao compreenderem que era Jesus
escondido que os visitara.
A lição estava dada, a formação espiritual alcançara um grau em que já era
possível que elas entendessem profundamente as graças que a Mãe do Céu
viria lhes dar.
A história da vida de oração, da vida interior deles, apenas começava. E se
foi com razão que disseram que o grande milagre de Lourdes foi a alma de
Santa Bernadete, podemos dizer o mesmo destas três crianças, ou pelo menos
das duas menores, visto que Lúcia ainda vive.
As aparições de Nossa Senhora
Chegamos ao dia 13 de maio de 1917.
Comecemos pela descrição que Lúcia nos faz na sua 4ª Memória. Transcrevo-a
toda para os que nunca a leram. As crianças viram um reflexo de luz no céu,
como um relâmpago, e com medo de uma chuva, vão tocando as ovelhas em
direção à casa, quando vêem um segundo clarão e, logo depois, uma senhora sobre
uma carrasqueira «Vestida de branco, mais brilhante que o sol,
espargindo luz mais clara e intensa que um copo de cristal cheio d'água cristalina,
atravessado pelos raios do sol mais ardentes... estávamos tão perto que
ficávamos dentro da luz que a cercava ou que ela espargia. Talvez a metro e
meio de distância, mais ou menos». Esta proximidade com a luz que dela
saía tem sua importância pelo que virá.
«– Não tenhais medo. Eu não vos faço mal.
– De onde é vossemecê? - perguntei.
– Sou do Céu.
– E o que é que Vossemecê me quer?
– Vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13, a
esta mesma hora. Depois vos direi quem sou e o que quero. Depois voltarei ainda
aqui uma sétima vez.
– E eu também vou para o Céu?
– Sim, vais.
– E a Jacinta?
– Também.
– E o Francisco?
– Também, mas tem que rezar muitos Terços.»
Depois desta introdução, que segue com perguntas sobre as amigas de Lúcia
já falecidas, Nossa Senhora dirá o que realmente quer das crianças, dizendo
coisas parecidas com as palavras do Anjo, já conhecidas dos três. Não
vemos aqui Nossa Senhora ensinando-os a rezar ou as crianças perguntando do
que se trata. Tudo é claro e rápido:
«- Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que
Ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é
ofendido, e de súplica pela conversão dos pecadores?
– Sim, queremos.
– Ide, pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso
conforto.»
Dentro do nosso estudo das graças místicas das três crianças, temos os
seguintes elementos nesta primeira aparição:
«Foi ao pronunciar as últimas palavras que abriu pela primeira vez as
mãos, comunicando-nos uma luz tão intensa, como que reflexo que delas
expedia, que nos penetrava no peito e no mais íntimo da alma, fazendo-nos
ver a nós mesmos em Deus, que era essa luz, mais claramente que nos vemos
no melhor dos espelhos».
Estando dentro da luz que emana de Nossa Senhora elas vêem, das palmas das
mãos da Senhora, brotar mais luz ainda. E essa nova luz penetra no íntimo
de suas almas, dando-lhes um conhecimento que uma simples criança não
poderia ter: conhecimento de si mesmos em Deus que era aquela luz. Ora,
isso é o que acontecerá conosco no céu. Durante alguns instantes, que não
foram demorados, mas também não foram muito rápido, elas estiveram no céu.
O que mais impressiona é que elas não tenham morrido de amor, passando do
êxtase para a glória. O fato é que a terra, naquele momento desapareceu
para eles:
«Então, por um impulso íntimo, também comunicado, caímos de joelhos e
repetíamos intimamente: "Ó Santíssima Trindade, eu Vos adoro. Meu Deus,
meu Deus, eu Vos amo no Santíssimo Sacramento". Passados os primeiros
momentos Nossa Senhora acrescentou: "Rezem o Terço todos os dias, para
alcançarem a paz para o mundo e o fim da guerra"».
Nossa Senhora não repetiu para eles a oração. Ela brota da iluminação em
que estão mergulhados. A Santíssima Trindade já era deles conhecida pela
oração do Anjo, assim como o amor por Jesus escondido no Santíssimo Sacramento.
Ambos lhes foram comunicados na terceira aparição do Anjo, quando as
crianças comungam de suas mãos.
É preciso compreender que o que há de mais rico e elevado nesta aparição de
Nossa Senhora está escondido no coração das crianças: «Omnis glóriae
filiae Regis ab intus – toda a glória da filha do Rei vem do interior»
(Sal. 44). E a Virgem Maria permanece ali, no silêncio das colinas de
Fátima, rodeada por três inocentes criancinhas, mergulhadas num êxtase de
amor. Quanto tempo ficou ali a Mãe de Deus? Ninguém sabe.
Na verdade, o que Nossa Senhora comunicou às almas das crianças naquele momento
foi algo diferente das aparições do Anjo: «A aparição de Nossa Senhora veio
de novo a concentrar-nos no sobrenatural, mas mais suavemente. Em vez
daquele aniquilamento na Divina presença, que prostrava mesmo fisicamente,
deixou-nos uma paz e alegria expansiva que nos não impedia falar, em
seguida, de quanto se tinha passado» (4ª Memória).
E, de fato, os três falavam entre si com facilidade sobre o grande
acontecimento. Jacinta será mesmo indiscreta, contando em casa o
acontecido, o que será motivo de muito sofrimento e humilhações para os
três.
«...foi ela que, não podendo conter em si tanto gozo, quebrou o nosso
contrato de não dizer nada a ninguém. Quando, nesta mesma tarde, absorvidos
pela surpresa, permanecíamos pensativos, a Jacinta, de vez em quando,
exclamava com entusiasmo: "Ai! que Senhora tão bonita!"» (1ª Memória).
E Francisco também expansivo:
«Oh! Minha Nossa Senhora, terços rezo todos quantos Vós quiserdes!»
E ainda:
«Gostei muito de ver o Anjo; mas gostei ainda mais de Nossa Senhora. Do
que gostei mais foi de ver a Nosso Senhor naquela luz que Nossa Senhora nos
meteu no peito. Gosto tanto de Deus! Mas Ele está tão triste por causa de
tantos pecados. Nós nunca havemos de fazer nenhum».
A vida dos pastores se transforma e seria muito longo nós comentarmos todas
as impressionantes mortificações que eles farão, pela conversão dos pecadores,
para que as almas não se percam no inferno, para consolar o Bom Deus já tão
ofendido.
No entanto devemos marcar a vocação própria dos dois menores: Jacinta fica
muito impressionada com o inferno, antes mesmo de terem a visão da
terceira aparição; a pequenina pensa com freqüência nos pobres pecadores
que sofrerão para sempre ali.
Francisco, o mais interior dos três, isola-se em oração, rezando o Terço,
pensando sempre em consolar a Deus.
Mas as graças não param na primeira aparição. Suas almas ainda têm mais a
aprender sobre Deus e sobre elas mesmas. E a lição de vida mística
continuará na segunda aparição.
A Segunda Aparição: 13 de junho de 1917
Tanto pelas palavras de Nossa Senhora quanto pela visão da luz que se
irradia novamente de suas mãos, esta segunda aparição nos mostra a missão
de cada uma delas e a importantíssima revelação da devoção ao Imaculado
Coração de Maria:
« - Queria pedir-lhe para nos levar para o Céu.
– Sim, a Jacinta e o Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas cá mais
algum tempo. Jesus quer servir-se de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele
quer estabelecer no mundo a devoção a Meu Imaculado Coração.
– Fico cá sozinha? - perguntei com pena.
- Não filha. E tu sofres muito?! Não desanimes. Eu nunca te deixarei. O
meu Imaculado Coração será o teu refúgio, e o caminho que te conduzirá até
Deus.
Foi no momento em que disse estas últimas palavras que abriu as mãos e nos
comunicou, pela segunda vez, o reflexo dessa luz imensa. Nela nos víamos como
que submergidos em Deus. A Jacinta e o Francisco parecia estarem na parte
dessa luz que se elevava para o Céu, e eu na que se espargia sobre a
terra. À frente da palma da mão direita de Nossa Senhora estava um coração
cercado de espinhos que parecia estarem-lhe cravados. Compreendemos que era
o Imaculado Coração de Maria, ultrajado pelos pecados da humanidade, que
queria reparação» (4ª Memória).
Esta visão sublime e tão importante foi como um segredo que eles conseguiram
guardar, pois tratava-se da vida deles. Só em 1941, ao redigir estas
Quartas Memórias, é que irmã Lúcia revelará ao mundo esta luz.
Porém, o modo como Deus se serviu de seus inocentes amiguinhos para revelar
ao mundo o Imaculado Coração de sua Mãe Santíssima é outra marca da
grandeza dos acontecimentos de Fátima.
«Parece-me que neste dia, este reflexo teve por fim principal infundir em
nós um conhecimento e amor especial para com o Coração Imaculado de Maria,
assim como das outras duas vezes o teve, me parece, a respeito de Deus e
do mistério da Santíssima Trindade» (3ª Memória).
Vemos assim que não foi por causa da visão do Coração na palma da mão que
os corações das crianças passaram a ter grande amor pelo Imaculado Coração,
mas sim pela luz divina que lhes foi comunicada, com o conhecimento infuso
da realidade de fé que se escondia por detrás daquela visão
extraordinária. Devoção real, sólida, profunda, sem nada de sentimental.
«Desde esse dia sentimos no coração um amor mais ardente pelo Coração
Imaculado de Maria. A Jacinta dizia-me de vez em quando: "Aquela Senhora
disse que o Seu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te
conduzirá a Deus. Não gostas tanto? Eu gosto tanto do seu Coração. É tão
bom!». E antes de ir para o hospital ela insistia com Lúcia para não
ter medo de, chegada a hora, dizer ao mundo que Deus queria a devoção ao
Imaculado Coração de Maria.
Não sei se as longas citações das Memórias de Irmã Lúcia nos desvia das
considerações de ordem espiritual, no sentido da vida mística das
crianças. Mas tudo o que foi citado mostra as principais etapas e
acontecimentos que foram formando e elevando as suas almas.
Assim é que, entre a segunda e a terceira aparição aconteceu um fato de
grande importância para o que estamos a tratar. Lúcia passa por uma grande
noite da Fé. Ela, cheia de dúvidas, achando que tudo aquilo pode ser do
demônio, e os seus priminhos chorando e sofrendo por ver a prima naquele
estado. Grandes purificações para grandes almas. Todos os esforços foram
vãos para convencer a mais velha, que só foi por ter sido arrancada de sua
casa por um impulso mais forte do que ela, indo encontrar os dois pequenos
chorando de joelhos em sua casa. E Francisco dirá depois como se comporta
os santos diante das grandes decisões: «Credo! Aquela noite não dormi
nada; passei-a toda a chorar e a rezar para que Nossa Senhora te fizesse
ir!» (4ª Memória).
Eles estavam, enfim, prontos, para a grande revelação que Nossa Senhora queria
lhes fazer.
A Terceira Aparição: 13 de julho de 1917
A narrativa da terceira aparição nos afastaria do nosso assunto. Lembremos
apenas que ela é o centro do conjunto de aparições e de fatos sobrenaturais que
as três crianças assistiram:
Esta elevada e bela afirmação vem se juntar a todas as outras que já
fizemos da vida de Francisco Marto, onde sua alma de criança e de santo se
desenha com tanta clareza, inundada desta graça de vida mística, de vida
perdida em Deus.
Jacinta, ela, viverá até o fim com esta visão do inferno diante de si,
como um aguilhão que lhe dará sempre mais forças para sofrer: «A vista do
Inferno tinha-a horrorizado a tal ponto que todas as penitências e
mortificações lhe pareciam nada, para conseguir livrar de lá algumas
almas... Algumas pessoas, mesmo piedosas, não querem falar às crianças do
Inferno, para não as assustar; mas Deus não hesitou em mostrá-lo a três e
uma de seis anos apenas, e que Ele sabia se havia de horrorizar a ponto de,
quase me atrevia a dizer, de susto se definhar.
Com freqüência se sentava no chão ou nalguma pedra e pensativa começava a
dizer: "O inferno, o inferno! Que pena eu tenho das almas que vão para o
inferno! E as pessoas lá, vivas, a arder como a lenha no fogo! E meio
trêmula ajoelhava, de mãos postas, a rezar a oração que Nossa Senhora nos
havia ensinado: "Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do Inferno,
levai as alminhas todas para o Céu, principalmente as que mais
precisarem"» (3ª Memória).
Muitas graças extraordinárias são descritas por Lúcia sobre seus primos. A
visão que Francisco tem de um demônio, como o que eles viram na visão do
inferno, a visão que Jacinta tem do Papa, bi-locação, as profecias sobre as
modas que ofenderão a Deus. Um pouco antes de sua morte, Nossa Senhora
aparece para ela e lhe pergunta se ela aceita continuar a salvar as almas
do inferno. Todas elas são confirmações, conseqüências da elevação a um
alto grau de santidade operada pelo aprendizado do Céu, desde as aparições do
Anjo até a morte das duas crianças. Mas voltemos ao dia 13 de julho:
Quando Nossa Senhora chega sobre a azinheira, Lúcia fica muda, em êxtase,
diante dessa luz intensa, da qual ela tinha duvidado. Foi Jacinta que a
alertou: «Fale pois ela já está falando com você». Lúcia, sempre discreta
sobre as graças recebidas por ela própria ficará sempre com saudades do
céu, e quando ela manifestava isso a eles, Jacinta lhe lembrava que o
Imaculado Coração de Maria seria o seu refúgio. Sua missão quase profética de
anunciar a revelação do Imaculado Coração de Maria parece, aliás, ter
começado ainda no dia da última aparição. Eis o que nos conta o Dr.
Carlos Mendes:
«Quando o sol voltou ao normal, tomei Lúcia nos meus braços para levá-la
até o caminho. Meus ombros foram assim o primeiro púlpito de onde ela
pregou a mensagem que acabara de lhe confiar Nossa Senhora do Rosário. Com
grande entusiasmo e Fé ela gritava: "Façam penitência, façam penitência!
Nossa Senhora quer que façais penitência. Se fizerdes penitência a guerra
acabará". Ela parecia inspirada. Era impressionante ouvi-la. Sua voz tinha
entoações como a voz de um grande profeta».
A Continuação
Depois da morte de Francisco e Jacinta, Lúcia continuará recebendo muitas
graças e procurando desempenhar seu papel de testemunha da vontade de Nossa
Senhora. No dia 10 de dezembro de 1925, apareceu-lhe a Santíssima Virgem e
ao lado, suspenso numa nuvem luminosa, um Menino. Nossa Senhora pôs sua
mão no ombro da religiosa e mostrou-lhe na palma da outra mão, seu Coração cercado
de espinhos. Disse o Menino: «Tem pena do coração de tua Santíssima Mãe,
que está coberto de espinhos, que os homens ingratos a todos os momentos lhe
cravam, sem haver quem faça um ato de reparação para os tirar».
E Nossa Senhora pede, então, que irmã Lúcia espalhe pelo mundo a devoção dos
5 Primeiros sábados do mês. A todos os que se confessarem, recebendo a
Sagrada comunhão, meditando nos quinze mistérios do Rosário, com o fim de
desagravar ao Imaculado Coração de Maria, a boa Mãe do Céu promete assistir
na hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação. E mais
tarde Nossa Senhora explicará porque pediu 5 sábados: porque são cinco as
espécies de ofensas e blasfêmias proferidas contra o Imaculado Coração de
Maria:
A terceira aparição do Anjo levará a formação espiritual das crianças a um
ponto altíssimo, onde a própria comunhão eucarística marcará a Caridade
que Deus lhes comunica.
"Santíssima Trindade, Pai e Filho e Espírito Santo, ofereço-Vos o
Preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em
todos os sacrários da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e
indiferenças com que Ele mesmo é ofendido. E pelos méritos infinitos do Seu
Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos
pobres pecadores."
Depois levanta-se, toma em suas mãos o cálice e a Hóstia. Dá-me a
Sagrada Hóstia a mim, e o Sangue do cálice dividiu-O pela Jacinta e o
Francisco, dizendo ao mesmo tempo:
"Tomai e bebei o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, horrivelmente ultrajado
pelos homens ingratos! Reparai os seus crimes e consolai o vosso Deus."
E prostrando-se de novo em terra, repetiu conosco outras três vezes a mesma
oração e desapareceu. Nós permanecemos na mesma atitude, repetindo sempre
as mesmas palavras, e quando nos erguemos vimos que era noite, e por isso
horas de virmos para casa» (2ª Memória).
Lúcia conta que recebeu uma verdadeira hóstia. Jacinta recebe o Preciosíssimo
Sangue sabendo que é a comunhão. Já Francisco não percebe de imediato que
está comungando.
O que segue, é a conseqüência disso:
O que mais nos interessa aqui é a impressão que lhes ficou da visão do
inferno e das profecias ditas por Nossa Senhora: «Na terceira aparição,
o Francisco pareceu ser o que menos se impressionou com a vista do
Inferno, embora lhe causasse também uma sensação bastante grande. O que
mais o impressionava ou absorvia era Deus, a Santíssima Trindade, nessa
luz imensa que nos penetrava no mais íntimo da alma. Depois dizia: "Nós
estávamos a arder naquela luz, que é Deus e não nos queimávamos! Como é
Deus! ... não se pode dizer! Isto sim, que a gente nunca pode dizer! Mas
que pena Ele estar tão triste! Se eu O pudesse consolar!...» (4ª Memória).
Os grandes mistérios revelados e vividos pelas criancinhas de Fátima
continuam, portanto, diante de nós, diante do mundo indiferente. Cabe a
cada um de nós tomar a iniciativa de se entregar ao amor desta incomparável
Mãe, que trouxe o Céu até a terra, nas terras de Portugal, para a nossa
salvação. Que os bem-aventurados Francisco e Jacinta de Fátima intercedam
por nós, para que nós estejamos à altura deste amor Maternal que Nossa
Senhora quer nos comunicar. Rezemos o Terço todos os dias.