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» PRIMEIRA REGRA
Convém, perante todas as coisas, amar a Deus e ao próximo e
guardar sua Lei cumprindo seus Mandamentos, porque nisto está
a vida; e cessar de pecar, determinando-se não cometer um
pecado mortal, procurando se exercitar em toda virtude,
guardando seu amor de tal maneira que a só Deus ame e nele
só se empregue continuamente.
» SEGUNDA REGRA
Remediar a vida passada, confessando-se geralmente e
esquadrinhando com grande diligência sua consciência,
satisfazendo ao Senhor com muita dor e lágrimas, e com muita
vergonha e humilhação, pensando na cegueira passada, e
tratando em sua memória a história da sua vida perdida, e
chorando e doendo-se muito dela; e para mais satisfação,
tomando alguma aspereza de jejuns, ou vigílias, ou disciplinas,
ou silício que aflija a carne e façam vingança do deleite
passado; e este exercício durará algum tempo, porque se aquele
for bem feito não cairá em outro erro. Para deixar de pecar,
ajudará ao princípio a abstinência, a solidão e clausura,
silêncio, oração, ocupação, vigília, consideração da morte e do
Juízo, do Céu e do Inferno.
» TERCEIRA REGRA
Fugir a conversações de mundanos, que afogam o espírito e o bom
desejo da alma devota. Procurar alguma conversação de alguma
pessoa verdadeiramente espiritual, em quem more Deus, porque,
como um carvão aceso acende a outro, assim um coração aceso e
inflamado em espírito inflama a outro.
» QUARTA REGRA
Fugir e menosprezar todos os prazeres passados e deleites mundanos
e vãos, e procurar descobrir outros deleites interiores, muito
maiores e mais perfeitos, do espírito e do entendimento, os quais
dão maior fartura à alma e fazem parecer criancices aquestos
carnais (isto faz a contemplação profunda com oração e lição); e o
mesmo digo de todas as riquezas, faustos, honras, favores deste
mundo, e procurar muito ter o coração limpo de toda afeição
temporal e desocupado de todo amor apaixonado de criatura, porque
Nosso Senhor lhe enche de seu sagrado Espírito; porque este
preciosíssimo bálsamo não cabe em vasos sujos, nem dará Nosso Bom
Senhor suas pérolas aos porcos, pois o vedou a seus discípulos.
Pelo qual cumpre em grande maneira a toda pessoa que pretende ser
espiritual ter muito grande cuidado e diligência sobre Seu Coração
e apetites e desejos e pensamentos desordenados; porque seria sem
isto por demais trabalhar.
» QUINTA REGRA
Limpar muito a miúdo sua consciência, de oito em oito dias, ou ao
menos de quinze em quinze, confessando e comungando com muita devoção;
porque assim se alcança a graça para perseverar e ter grande
fortaleza e firmeza no bom princípio e começo.
» SEXTA REGRA
Ter em casa um oratório muito devoto, que convide a estar nele,
para conversar com Deus e desocupar-se para o seguir, porque aqui
se há de fundir como em crisol, para sair com o fogo do Espírito
Santo. Aqui se alcança todo o bem. O que há de fazer no oratório
é procurar dom de lágrimas, chorando seus pecados e recogitando
sua vida passada. Tomar-se conta como vive agora, ver-se e
olhar-se como em espelho, se aproveita ou não; ordenar sua vida
para diante; pensar devotamente na Paixão e nos outros mistérios
de nossa Redenção; dar graças a Deus pelos benefícios gerais,
como é a criação do mundo e a Redenção do gênero humano, e pelos
particulares. Contemplar o engano do mundo, a brevidade da vida,
a eternidade da Glória; baixar ao Inferno, contemplando as penas
dos danificados e maus que nesta vida mal viveram; e olhar os
moradores do Céu, saudar a sua cidade e desejá-la, e conversar
com estes seus cidadãos; olhar desde ali, como desde o alto, as
coisas desta vida, os trabalhos vãos e ânsias supérfluas dos homens
e os erros dos mundanos; contemplar como em espelho sua
consciência; abrir a Deus seu coração, demonstrando-lhe seus
desejos, e falar com Ele com toda reverência e amor, e dizer suas
faltas, suas misérias, suas enfermidades e trabalhos, suas
enfermidades e necessidades, seu perigo, sua sequidão, sua tibieza,
sua maldade, sua inquietude; e pedir perdão, socorro, remédio, luz,
graça, firmeza, verdade, pureza, agradecimento, amor, espírito,
sentimento e tudo o resto, rogando-lhe por si e por todos os que
tem a encargo, e pelos afligidos, e pelo estado da Igreja, e outros
semelhantes exercícios espirituais, que são lição, meditação, oração,
contemplação. Aqui se alcança graça, pureza, grosura, devoção, dom
de lágrimas, luz, conhecimento da verdade, espírito e todas as
virtudes e riquezas espirituais; aqui faz o homem seu trabalho para
que foi criado. Esta é verdadeira vida, porque o demais que se
empregue em negócios e curiosidades do mundo, tudo o perdeu. Muito o
cristão tem de se empregar bem nisto e viver consigo e não andar
desterrado fora de si e desterrado em ocupações vãs e sem fruto, que
perecem e são danosas para a alma. Neste oratório gaste o mais tempo
que puder furtar ao mundo e à governação de sua pessoa e casa.
» SÉTIMA REGRA
Guardar a língua e o coração, e ter muito grande conta com seus
pensamentos e desejos e palavras, sacudindo logo do seu coração
todos os pensamentos vãos e nocivos. Ouvir muito e falar pouco
e sobre pensado. Fugir de toda murmuração e mau juízo de outro.
Não se ocupar em ler, nem contar, nem ouvir atos de outros, nem
ser curioso de saber vidas alheias.
» OITAVA REGRA
Ter cuidado de não perder o tempo, recordando-se sempre que
deste momento de vida depende a eternidade futura de Glória; e
ter por grande perda perder uma hora, na qual se pode ganhar tanto
bem perpétuo.
» NONA REGRA
Procurar de crescer em toda virtude, olhando como em espelho as
virtudes dos outros e procurando os imitar; porque nas virtudes
está o alicerce de todo bem. Ser piedoso, manso e sofrido, amoroso
e caritativo com os pobres, de boa conversação, sem prejuízo de
ninguém; fazer bem a todos e mal a ninguém, nem em juízo, nem por
palavra, nem por obra. Sofrer fraquezas alheias, não criminar os
pecados, senão com piedade rogar a Deus pelos que erram.
» DÉCIMA REGRA
Tomar conta de todo o dito, exortando-se e repreendendo algo,
animando-se de cada dia ser melhor e ir adiante, não esquecendo-se
jamais; porque no fazer assegura a Glória que por ela espera, e
que semeia nesta vida para colher na outra fruto sempiterno. E porque
todo nosso aproveitamento depende da graça do Senhor, sempre cumpre
pedir com instância saúde, socorro e luz para conhecer o bem, e graça
para lhe amar, e forças para lhe seguir e perseverar; porque pouco
aproveitará esta escritura se não favorece a graça do Senhor para pôr
por obra o que a letra ou escritura nos ensina.
» SOMA
[Primeira regra,] guardar a Lei de Deus e deixar de pecar. Segunda, satisfazer pelos
pecados passados com dor e penitência. Terceira, fugir da amizade de
mundanos. Quarta, menosprezar ao mundo e seus deleites. Quinta, limpar
a miúdo suas consciências, confessando e comungando. Sexta, ter
oratório do servir a Deus, conversando com ele. Sétima, guardar a
língua e o coração. Oitava, não perder o tempo. Nona, crescer em
virtude. Décima, tomar-se conta do que aproveita.
E a alguns doutores, como foi Dionisio Cartujano, lhes pareceu dar
este meio e modo quotidiano aos novos, para que se guiassem ao
princípio, até que o Senhor lhes provesse de seu espírito:
Os recebidos são em
três maneiras: naturais, e temporais, e gratuitos (nos primeiros
nos dá Deus nossa vida natural; nos segundos, esta abundância
temporal; nos terceiros, sua vida Divina com sua temporal morte),
que se contêm nos benefícios da criação e conservação e
regeneração. E é de saber que os bens ou dons gratuitos que de
Deus recebemos, são em duas maneiras:
Junto com a meditação se acompanha a oração, com grande humildade
e conhecimento de si e de sua ingratidão e com confiança de
alcançar o que pedes, e pedindo coisa lícita e necessária ao
espirito e ao corpo, perseverando com grande afinco, e confessando
e comungando muito a miúdo. E os que não souberem ler, procurem
que lhes leia alguém; e se isto não tiverem, considerem na divina
sabedoria (que se mostrou na criação do mundo e dos céus) e seu
poder, e bondade, e amor que lhes tem, pois tantos bens nos envia
continuamente; e considerem que mais puros e mais excelentes terão
no Céu os bens desta vida, e os males serão mais fortes e maiores
aos condenados no Inferno, tratando sempre em sua memória aquele
verso do Salmo que diz: "'converte-te, ó alma minha!, a teu
descanso, pois te fez Deus bem'; e livrou minha alma da morte e
meus pés de cair, como se dissesse: 'Torna, ó homem, teus olhos
e coração a Deus, pois nele só poderás falar teu descanso'; e não
te faltará coisa alguma criada por teu Criador". Assim que se
converta a alma a Deus, que é seu descanso, voltar-se-á o homem
a Deus por consideração e dileção; e pôr nele seus olhos é olhar,
conversar, e o abraçar com a oração, meditação e lição, unindo-se
e ajuntando-se a Deus por desejo.
E exercitar em contemplar e meditar a
vida de nosso Senhor Jesus Cristo, conforme três motivos, que chamam
os santos doutores via purgativa, iluminativa e unitiva. Ponho por
exemplo num passo, para que assim se entenda de todos:
E, resumindo-me, digo ser necessário a todo fiel cristão que nenhum
dia se lhe passe sem ter algum momento de lição e meditação e oração;
e se for possível fazer três vezes no dia será melhor; porque a lição
santa mostra o caminho do Céu, a meditação põe em andamento, a oração
o consegue. A qual se fará de manhã; e antes que se leia, rogar a
Deus de coração que nos dê seu favor para realizar o que pedimos
atenta e devotamente, e suplicar o mesmo ao fim da lição. E lido o
capítulo ou passagem que quisermos, fazer nisso grande fundamento,
pondo por obra o que na lição se nos diz; e à uma da tarde ou ao
meio-dia, outra vez, e à noite outra. E atrás da lição será boa a
meditação profunda, pensando intimamente nas mercês recebidas de
Deus na manhã; e ao meio dia, dos males e danos de que nos há
livrado; e à noite, o muito que nos há de dar.
Ao meio dia se medite na liberdade que de sua mão temos recebido,
assim como do mal de culpa (no que por nossos pecados temos caído
e incorrido) como da pena e tormentos que por eles merecíamos; e
à tarde, dá glorificação pelos bens que Ele nos tem prometido,
os quais serão (conforme S. Anselmo) para o corpo sete, e outros
sete para a alma. Os do corpo são formosura, ligeireza, liberdade
e fortaleza, deleites, eternidade, sanidade. Os do espirito são
sabedoria, amizade, concórdia, poderio, honra, segurança e gozo.
Item, serão os homens glorificados e melhorados em cinco lugares
mais que os anjos, que serão os cinco sentidos corporais, o qual
figurou bem Jacó na melhoria daquelas cinco coisas que melhorou
a seu filho José mais que a todos os outros seus filhos.