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MODO BREVE DE SERVIR A NOSSO SENHOR EM DEZ REGRAS
Por: São Tomás de Villanueva (1555)
Fonte: Lista "Tradição Católica"
Transmissão: Maria Alice

» PRIMEIRA REGRA

Convém, perante todas as coisas, amar a Deus e ao próximo e guardar sua Lei cumprindo seus Mandamentos, porque nisto está a vida; e cessar de pecar, determinando-se não cometer um pecado mortal, procurando se exercitar em toda virtude, guardando seu amor de tal maneira que a só Deus ame e nele só se empregue continuamente.

» SEGUNDA REGRA

Remediar a vida passada, confessando-se geralmente e esquadrinhando com grande diligência sua consciência, satisfazendo ao Senhor com muita dor e lágrimas, e com muita vergonha e humilhação, pensando na cegueira passada, e tratando em sua memória a história da sua vida perdida, e chorando e doendo-se muito dela; e para mais satisfação, tomando alguma aspereza de jejuns, ou vigílias, ou disciplinas, ou silício que aflija a carne e façam vingança do deleite passado; e este exercício durará algum tempo, porque se aquele for bem feito não cairá em outro erro. Para deixar de pecar, ajudará ao princípio a abstinência, a solidão e clausura, silêncio, oração, ocupação, vigília, consideração da morte e do Juízo, do Céu e do Inferno.

» TERCEIRA REGRA

Fugir a conversações de mundanos, que afogam o espírito e o bom desejo da alma devota. Procurar alguma conversação de alguma pessoa verdadeiramente espiritual, em quem more Deus, porque, como um carvão aceso acende a outro, assim um coração aceso e inflamado em espírito inflama a outro.

» QUARTA REGRA

Fugir e menosprezar todos os prazeres passados e deleites mundanos e vãos, e procurar descobrir outros deleites interiores, muito maiores e mais perfeitos, do espírito e do entendimento, os quais dão maior fartura à alma e fazem parecer criancices aquestos carnais (isto faz a contemplação profunda com oração e lição); e o mesmo digo de todas as riquezas, faustos, honras, favores deste mundo, e procurar muito ter o coração limpo de toda afeição temporal e desocupado de todo amor apaixonado de criatura, porque Nosso Senhor lhe enche de seu sagrado Espírito; porque este preciosíssimo bálsamo não cabe em vasos sujos, nem dará Nosso Bom Senhor suas pérolas aos porcos, pois o vedou a seus discípulos. Pelo qual cumpre em grande maneira a toda pessoa que pretende ser espiritual ter muito grande cuidado e diligência sobre Seu Coração e apetites e desejos e pensamentos desordenados; porque seria sem isto por demais trabalhar.

» QUINTA REGRA

Limpar muito a miúdo sua consciência, de oito em oito dias, ou ao menos de quinze em quinze, confessando e comungando com muita devoção; porque assim se alcança a graça para perseverar e ter grande fortaleza e firmeza no bom princípio e começo.

» SEXTA REGRA

Ter em casa um oratório muito devoto, que convide a estar nele, para conversar com Deus e desocupar-se para o seguir, porque aqui se há de fundir como em crisol, para sair com o fogo do Espírito Santo. Aqui se alcança todo o bem. O que há de fazer no oratório é procurar dom de lágrimas, chorando seus pecados e recogitando sua vida passada. Tomar-se conta como vive agora, ver-se e olhar-se como em espelho, se aproveita ou não; ordenar sua vida para diante; pensar devotamente na Paixão e nos outros mistérios de nossa Redenção; dar graças a Deus pelos benefícios gerais, como é a criação do mundo e a Redenção do gênero humano, e pelos particulares. Contemplar o engano do mundo, a brevidade da vida, a eternidade da Glória; baixar ao Inferno, contemplando as penas dos danificados e maus que nesta vida mal viveram; e olhar os moradores do Céu, saudar a sua cidade e desejá-la, e conversar com estes seus cidadãos; olhar desde ali, como desde o alto, as coisas desta vida, os trabalhos vãos e ânsias supérfluas dos homens e os erros dos mundanos; contemplar como em espelho sua consciência; abrir a Deus seu coração, demonstrando-lhe seus desejos, e falar com Ele com toda reverência e amor, e dizer suas faltas, suas misérias, suas enfermidades e trabalhos, suas enfermidades e necessidades, seu perigo, sua sequidão, sua tibieza, sua maldade, sua inquietude; e pedir perdão, socorro, remédio, luz, graça, firmeza, verdade, pureza, agradecimento, amor, espírito, sentimento e tudo o resto, rogando-lhe por si e por todos os que tem a encargo, e pelos afligidos, e pelo estado da Igreja, e outros semelhantes exercícios espirituais, que são lição, meditação, oração, contemplação. Aqui se alcança graça, pureza, grosura, devoção, dom de lágrimas, luz, conhecimento da verdade, espírito e todas as virtudes e riquezas espirituais; aqui faz o homem seu trabalho para que foi criado. Esta é verdadeira vida, porque o demais que se empregue em negócios e curiosidades do mundo, tudo o perdeu. Muito o cristão tem de se empregar bem nisto e viver consigo e não andar desterrado fora de si e desterrado em ocupações vãs e sem fruto, que perecem e são danosas para a alma. Neste oratório gaste o mais tempo que puder furtar ao mundo e à governação de sua pessoa e casa.

» SÉTIMA REGRA

Guardar a língua e o coração, e ter muito grande conta com seus pensamentos e desejos e palavras, sacudindo logo do seu coração todos os pensamentos vãos e nocivos. Ouvir muito e falar pouco e sobre pensado. Fugir de toda murmuração e mau juízo de outro. Não se ocupar em ler, nem contar, nem ouvir atos de outros, nem ser curioso de saber vidas alheias.

» OITAVA REGRA

Ter cuidado de não perder o tempo, recordando-se sempre que deste momento de vida depende a eternidade futura de Glória; e ter por grande perda perder uma hora, na qual se pode ganhar tanto bem perpétuo.

» NONA REGRA

Procurar de crescer em toda virtude, olhando como em espelho as virtudes dos outros e procurando os imitar; porque nas virtudes está o alicerce de todo bem. Ser piedoso, manso e sofrido, amoroso e caritativo com os pobres, de boa conversação, sem prejuízo de ninguém; fazer bem a todos e mal a ninguém, nem em juízo, nem por palavra, nem por obra. Sofrer fraquezas alheias, não criminar os pecados, senão com piedade rogar a Deus pelos que erram.

» DÉCIMA REGRA

Tomar conta de todo o dito, exortando-se e repreendendo algo, animando-se de cada dia ser melhor e ir adiante, não esquecendo-se jamais; porque no fazer assegura a Glória que por ela espera, e que semeia nesta vida para colher na outra fruto sempiterno. E porque todo nosso aproveitamento depende da graça do Senhor, sempre cumpre pedir com instância saúde, socorro e luz para conhecer o bem, e graça para lhe amar, e forças para lhe seguir e perseverar; porque pouco aproveitará esta escritura se não favorece a graça do Senhor para pôr por obra o que a letra ou escritura nos ensina.

» SOMA

[Primeira regra,] guardar a Lei de Deus e deixar de pecar.

Segunda, satisfazer pelos pecados passados com dor e penitência.

Terceira, fugir da amizade de mundanos.

Quarta, menosprezar ao mundo e seus deleites.

Quinta, limpar a miúdo suas consciências, confessando e comungando.

Sexta, ter oratório do servir a Deus, conversando com ele.

Sétima, guardar a língua e o coração.

Oitava, não perder o tempo.

Nona, crescer em virtude.

Décima, tomar-se conta do que aproveita.

E a alguns doutores, como foi Dionisio Cartujano, lhes pareceu dar este meio e modo quotidiano aos novos, para que se guiassem ao princípio, até que o Senhor lhes provesse de seu espírito:

  • No domingo, contemplar na Ressurreição do Senhor e do gênero humano;

  • Na segunda-feira, do dia do Juízo universal;

  • Na terça-feira, da criação de todas as coisas e do governo e concerto delas;

  • Na quarta-feira, do gozo dos bem-aventurados do Céu, o qual todos esperamos ter;

  • Na quinta-feira, da brevidade desta vida;

  • Na sexta-feira, da Paixão do Senhor;

  • No sábado, tomar-se conta de suas boas obras ou más que fez na semana e das obras de misericórdia em que se ocupou e por sua negligência não fez.

E exercitar em contemplar e meditar a vida de nosso Senhor Jesus Cristo, conforme três motivos, que chamam os santos doutores via purgativa, iluminativa e unitiva. Ponho por exemplo num passo, para que assim se entenda de todos:

  • Considera nossa alma a Nosso Redentor atado na coluna ou cravado na Cruz, e entende que por nossos pecados padece o Cordeiro inocente. Desta consideração se entristece, geme e chora, por haver ofendido a Deus, sendo causa de sua morte. Chama-se esta via purgativa, porque nela se purga de seus pecados.

  • E considera o mesmo passo já dito, e conhece que por aquelas benditas chagas, açoites e cravos, é livre a alma dos açoites e tormentos do Inferno e feita hábil da Glória do Céu; dilata e ensancha seu afeto, alegrando-se e dizendo como S. Paulo: "Louvado seja Deus, que nos deu vitória por Jesus Cristo nosso Senhor". Chama-se esta via iluminativa, na qual a alma, com a luz da graça ilustrada, se emprega em dar graças a Deus por tão grandes mercês e benefícios como recebe.

  • Finalmente, contemplando na Cruz do Senhor, entende um amor caritativo e grande, e, vista esta grandeza de amor com que padeceu para redimir e dar glória, é inflamada de tão grande desejo e fervor de já ver-se com seu Esposo, que nem já se recorda de pecados passados nem se detém em considerar benefícios recebidos, senão com um doce voo e suave arrebatamento diz como o profeta Davi: "Quem me dará pernas como de pomba, e voarei a meu amado Deus e descansarei?", procurando de se ajuntar e unir com Deus. Chama-se esta via unitiva, porque nela a alma faz-se uma por amor com seu esposo amado Jesus Cristo, de maneira que devemos purgar e limpar os pecados; devemos dar graças com alegria ao Senhor por tantos benefícios, de onde resulte um amor e afecto tão íntimo, que nos faça uma mesma coisa com nosso amado Jesus Cristo.

E, resumindo-me, digo ser necessário a todo fiel cristão que nenhum dia se lhe passe sem ter algum momento de lição e meditação e oração; e se for possível fazer três vezes no dia será melhor; porque a lição santa mostra o caminho do Céu, a meditação põe em andamento, a oração o consegue. A qual se fará de manhã; e antes que se leia, rogar a Deus de coração que nos dê seu favor para realizar o que pedimos atenta e devotamente, e suplicar o mesmo ao fim da lição. E lido o capítulo ou passagem que quisermos, fazer nisso grande fundamento, pondo por obra o que na lição se nos diz; e à uma da tarde ou ao meio-dia, outra vez, e à noite outra. E atrás da lição será boa a meditação profunda, pensando intimamente nas mercês recebidas de Deus na manhã; e ao meio dia, dos males e danos de que nos há livrado; e à noite, o muito que nos há de dar.

Os recebidos são em três maneiras: naturais, e temporais, e gratuitos (nos primeiros nos dá Deus nossa vida natural; nos segundos, esta abundância temporal; nos terceiros, sua vida Divina com sua temporal morte), que se contêm nos benefícios da criação e conservação e regeneração. E é de saber que os bens ou dons gratuitos que de Deus recebemos, são em duas maneiras:

  • A primeira é redimindo-nos com sua morte e Paixão.

  • A segunda é justificando-nos e fazendo-nos por sua graça, de servos e escravos do demónio, filhos de Deus por graça, e admitindo-nos à herança e liberdade da Glória, e fazendo-nos semelhantes a Ele por sua graça, assim como se fez Ele semelhante a nós, tomando nossa natureza, para comunicar-nos visível e familiarmente como irmão.

Ao meio dia se medite na liberdade que de sua mão temos recebido, assim como do mal de culpa (no que por nossos pecados temos caído e incorrido) como da pena e tormentos que por eles merecíamos; e à tarde, dá glorificação pelos bens que Ele nos tem prometido, os quais serão (conforme S. Anselmo) para o corpo sete, e outros sete para a alma. Os do corpo são formosura, ligeireza, liberdade e fortaleza, deleites, eternidade, sanidade. Os do espirito são sabedoria, amizade, concórdia, poderio, honra, segurança e gozo. Item, serão os homens glorificados e melhorados em cinco lugares mais que os anjos, que serão os cinco sentidos corporais, o qual figurou bem Jacó na melhoria daquelas cinco coisas que melhorou a seu filho José mais que a todos os outros seus filhos.

Junto com a meditação se acompanha a oração, com grande humildade e conhecimento de si e de sua ingratidão e com confiança de alcançar o que pedes, e pedindo coisa lícita e necessária ao espirito e ao corpo, perseverando com grande afinco, e confessando e comungando muito a miúdo. E os que não souberem ler, procurem que lhes leia alguém; e se isto não tiverem, considerem na divina sabedoria (que se mostrou na criação do mundo e dos céus) e seu poder, e bondade, e amor que lhes tem, pois tantos bens nos envia continuamente; e considerem que mais puros e mais excelentes terão no Céu os bens desta vida, e os males serão mais fortes e maiores aos condenados no Inferno, tratando sempre em sua memória aquele verso do Salmo que diz: "'converte-te, ó alma minha!, a teu descanso, pois te fez Deus bem'; e livrou minha alma da morte e meus pés de cair, como se dissesse: 'Torna, ó homem, teus olhos e coração a Deus, pois nele só poderás falar teu descanso'; e não te faltará coisa alguma criada por teu Criador". Assim que se converta a alma a Deus, que é seu descanso, voltar-se-á o homem a Deus por consideração e dileção; e pôr nele seus olhos é olhar, conversar, e o abraçar com a oração, meditação e lição, unindo-se e ajuntando-se a Deus por desejo.