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PÁSCOA NO CORAÇÃO
Fonte: Jornal do Brasil de 23.04.2000
Transmissão: José Augusto

Primeiro foram as mulheres. A morte daquele homem consternara profundamente a cidade da Luz e da Esperança - e os próprios discípulos, atarantados, tinham se dispersado. Mas Maria Madalena e as outras mulheres foram cedinho, "no primeiro dia da semana", ao sepulcro, a fim de levar perfumes e aromas para embalsamar o corpo, de acordo com as tradições dos judeus. Foram elas as primeiras a receber a notícia, a revelação do grande mistério guardado por Deus durante séculos e agora vindo à luz em plenitude naquela manhã de domingo. Quando chegaram ao sepulcro, viram um anjo que era como um raio de luz e tinha a veste "branca como a neve". Os guardas tremeram de medo e ficaram como mortos. As mulheres também tiveram medo, mas se encheram de "grande alegria" quando ouviram o que lhes dizia o anjo: "Não temais, pois sei que buscais a Jesus, o crucificado. Ele não está aqui. Ressuscitou, conforme tinha dito".

Ressuscitou. Esse era o grande mistério revelado. Se aquele homem tinha ressuscitado, então todas as promessas se cumpriram. Então ele era realmente o Filho de Deus, o ungido, o messias. Mas ninguém o tinha visto ainda, depois da morte. Os discípulos estavam "sumidos na tristeza e no pranto". Não acreditaram em Maria Madalena, quando dela ouviram que ele vivia, como conta São Marcos no fecho de seu Evangelho. A Páscoa, portanto, completa como realização divina, ainda não estava completa no coração dos discípulos.

Era de se imaginar a prostração, a "tristeza" de que fala o evangelista, como se pode sentir em "dois deles que iam de caminho e se dirigiam ao campo". Voltavam para sua aldeiazinha de Emaús, a quatro ou cinco horas de caminhada a partir de Jerusalém. O mundo caíra sobre eles. Por dois anos tinham entregado sua vida, como 70 outros companheiros, para seguir os passos do Mestre. Então seriam eles os partidários de uma causa perdida? Dolorosa decepção. Sentiam-se profundamente humilhados. Mais que admiração, tinham, como todos os outros companheiros, uma espécie de veneração por aquele homem iluminado. Mas agora tudo estava perdido.

É legítimo perguntar que tipo de confusão passava pelas duas cabeças atormentadas naquele momento. Um cônego belga, Paul Thône, que escreveu um livrinho sobre os discípulos de Emaús, parece desvendar toda a fraqueza da alma humana que os dominava na pequena estrada poeirenta enquanto caminhavam, fraqueza traduzida em dúvida, em falta de fé. Tinham tido uma esperança diferente, tão diferente naquele homem! Tanto poder ele mostrara, tantos milagres fizera. Tanto prestígio tinha que as multidões o seguiam. Não só os discípulos, como eles, mas quase toda gente esperava que ele libertasse seu povo do jugo de Roma. Ele lhes daria o orgulho de uma independência que seria a glória nacional e o passo decisivo no caminho da prosperidade. Para os discípulos, porém, a esperança nele era mais do que isso. Sua missão - sentiam, e tinham ouvido isso dele - não era apenas da terra. E, de repente, o fim de todo aquele belo sonho... Profeta da libertação, mas de uma libertação maior, ele não conseguira escapar de um punhado de conspiradores que o dominaram e o entregaram. Tinham-no torturado, zombaram dele, dilaceraram sua carne, por fim o entregaram a uma multidão ululante, e ao mais vergonhoso e o mais cruel dos suplícios.

Era o terceiro dia a contar de sua morte. As profecias falavam em terceiro dia. Mas se realmente ele estivesse vivo, se tivesse ressuscitado, é claro que faria questão de se mostrar, de mostrar o brilho de seu triunfo, pensavam os caminhantes. Jesus àquela altura já tinha ressurgido aos olhos de Pedro, concedera ao chefe dos apóstolos o privilégio da primeira aparição depois das mulheres, mas os dois de Emaús não tiveram nenhum contato com Pedro nem com qualquer discípulo depois da enorme tragédia. Antes de deixar Jerusalém, na amarga viagem de volta a sua aldeia, ouviram falar que ele tinha aparecido a Maria Madalena. Que ela e suas companheiras tinham se prostrado e lhe abraçado os pés. Mas isso eram coisas de mulheres, nada além da imaginação feminina... Tão desiludidos estavam que nem esperaram o terceiro dia terminar. Saíram logo pela estrada. Levavam a mágoa sem remédio da pior das derrotas: a derrota da esperança. Tudo estava acabado.

Eram sentimentos complexos e variados que os deixavam espiritualmente tão agitados, mas ao mesmo tempo tão arrasados. Aquela presença para sempre perdida era insubstituível. Os discípulos de Emaús - Cléofas e um outro tão humilde que a história o manteve no anonimato - caminhavam para sua aldeiazinha sob o peso do fim de um sonho. Impossível que não estivessem decepcionados diante da frustração que sentiam. A humilhação abala a coragem, mas, lembra Paul Thône com toda a propriedade, a decepção é pior ainda, quebra a força moral dos homens. Leitores constantes dos profetas, agora sentiam-se estranhamente vazios ao recordar aquela passagem do último capítulo de Isaías: "... eu vos consolarei e em Jerusalém sereis consolados", passagem que ouviram o próprio Mestre repetir. Em sua casa, em sua aldeia, para onde quer que fossem, suas vidas seriam agora solidão e exílio.

Nesse momento junta-se a eles um desconhecido (Jesus não quis mostrar-se sob seu aspecto habitual). Era hábito na Palestina antiga fazer uma saudação, trocar algumas palavras com qualquer caminhante que passasse pela estrada. Os dois discípulos não negaram sua palavra ao viandante, mas não puderam reconhecê-lo. E se assustaram quando ele lhes perguntou sobre o que conversavam.

- És o único peregrino em Jerusalém que não sabe o que acaba de acontecer!

- Que foi? - pergunta o desconhecido.

Cléofas, então, desenrola toda a história. Vai mais além, fala de suas decepções, de seu desconsolo. Ao fim de tudo, o forasteiro reage com indignação. Não era possível que eles não soubessem que tudo aquilo estava escrito. Os discípulos sabiam - e então Jesus falou-lhes que tinham o coração duro, que era a falta de fé que os estava impedindo de acreditar que se tinham consumado todas as coisas que os profetas anunciaram. E explicou tudo, conta São Lucas, desde Moisés, passando por todos os profetas. Tudo quanto ao Cristo (a Ele) se referia no Livro sagrado.

A chama do homem indignado os impressionou. Chegados a Emaús, ele fez menção de prosseguir, mas eles o convidaram para ficar, que a tarde já ia caindo. Completa o Evangelho de Lucas: "E sucedeu que, quando estavam com ele à mesa, tomou o pão, benzeu-o, partiu-o e o deu a eles. Então abriram-se os olhos deles e eles o reconheceram, mas ele desapareceu. Disseram então um para o outro: 'Bem que ardia nosso coração quando no caminho ele nos falava e explicava as Escrituras'. Na mesma hora se levantaram e voltaram para Jerusalém. Lá encontraram reunidos os onze e seus companheiros, que lhes disseram: 'Em verdade, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão'. Os dois contaram o que lhes acontecera no caminho e como o reconheceram ao partir o pão".

Todo o mistério se resume nisso. Em cada homem, hoje como em Emaús, a Páscoa só se completa quando se abrem os olhos da alma. A Ressurreição apenas começa no túmulo vazio. Mas só se completa nos corações ardentes, como os dos discípulos de Emaús quando ouviram a Palavra.