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EVANGELIZAÇÃO [500 ANOS]
Por: d. Eugênio Sales (Arcebispo do Rio de Janeiro-RJ)
Fonte: Jornal "O Dia" de 23.04.2000
Transmissão: Cledson Ramos Bezerra

A difusão do Evangelho até aos confins do Universo nasce da própria natureza da Igreja fundada por Cristo. Ele a instituiu para continuar a missão que O trouxe à Terra. Ao regressar ao seio do Pai, após a Ressurreição, determinou: "Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura" (Mc 16,15). Trata-se de um encargo, confiado aos Apóstolos e discípulos. O Concílio Vaticano II reconhece que o espírito missionário é parte integrante da própria natureza da Igreja. O Decreto "Ad Gentes" (nº 6) assim se expressa: A atividade missionária dimana intimamente da própria natureza da Igreja". As celebrações por motivo dos 500 anos da Descoberta do Brasil pelos portugueses estão vinculadas a essa ordem dada por Cristo e são a manifestação da vitalidade da Igreja de então, apesar das graves dificuldades por que passava na época, fruto das limitações de seus filhos. Os festejos pela passagem desse evento têm seu ponto alto quando os cristãos celebram a Páscoa. A Ressurreição de Cristo, concluindo o Tríduo Sagrado, é a culminância da liturgia, o júbilo pela vitória do Redentor. A Primeira Missa foi celebrada em terras do Brasil, a 26 de abril de 1500, no dia seguinte à chegada a Porto Seguro, onde a esquadra de Cabral havia ancorado, no Domingo da Pascoela. Também o início dessa viagem foi assinalado por uma solene celebração do Santo Sacrifício da Missa, em Nossa Senhora de Belém, no Restelo. No sermão, o Bispo de Ceuta salientava o grande zelo do Rei Dom Manuel, presente à solenidade, em "dilatar a Fé de Cristo". No dia seguinte, a frota, composta de treze naus, parte. A existência de interesses políticos e econômicos, legítimos, conforme a mentalidade da época, não exclui tratar-se de um empreendimento também religioso. A propagação da Fé católica no mundo que surgia com as novas descobertas, era seguramente um dos objetivos desta viagem de Pedro Álvares Cabral. Um mundo novo surgia, também como um grande desafio à evangelização.

Em abundante documentação do século XVI se constata a outorga dessas terras aos reis de Espanha e Portugal e a expressa obrigação de levar por toda a parte a mensagem cristã. Não faltaram, também, as graves advertências dos Papas contra abusos previsíveis. A utilização de penas contra os infratores incluía até a excomunhão. Os Romanos Pontífices severamente tomaram posição contra a escravatura e em favor da proteção aos silvícolas. O direito do Padroado Régio, as turbulências por que passou a vida eclesial em vários países, dificultaram a correção de falhas e de graves abusos. As imensas extensões territoriais, com as distâncias daí decorrentes, geravam obstáculos à aplicação das leis. A ganância e outros frutos do pecado tornaram ainda mais difícil a tarefa dos missionários. Apesar desta constatação, há um saldo altamente positivo. Em 1991 foi publicada, pela Livraria Vaticana, uma alentada obra com os Documentos Pontifícios e outros registros existentes no Arquivo Secreto do Vaticano, intitulado "América Pontifícia", os primeiros cinco séculos de evangelização. Abrange toda a América Latina e, portanto, inclui o Brasil. Causa profunda admiração a rapidez da semeadura da Palavra de Deus e seu desenvolvimento. Evidentemente, o Brasil está presente nesses registros. O primeiro documento traz a data de 12 de junho de 1514. É a Bula "Pro Excellenti Praeminentia", do Papa Leão X.

Nestes cinco séculos, a luz do Evangelho acesa em nossa Pátria, em Porto Seguro / Cabrália se difundiu pelo imenso território que hoje constitui o 5º país do mundo em extensão. Celebramos festivamente este aniversário. O Governo, a Igreja, o Povo agradecem a Deus tudo o que de bom, nobre brotou e cresceu em terras brasileiras. A esse agradecimento vem se associar o Legado do Santo Padre.

Ao constatar a grandeza deste País no seu V Centenário de Descobrimento, vemos também os graves problemas no decorrer desse largo período de nossa História. Entre outros crimes cometidos, os sofrimentos dos mais fracos, especialmente os índios, os negros, os pobres. A obra dos homens traz a marca do pecado e, pelos que foram aqui cometidos, pedimos perdão ao Pai de todos nós. Ao lado dos louvores, a súplica em favor de nossos irmãos que ofenderam a Deus. Elevamos uma fervorosa ação de graças por todos: brancos, negros, índios, de crenças ou etnias diversas que ajudaram a fazer crescer a nossa Pátria, que a todos acolhe. De modo particular, estes dias festivos trazem à nossa memória os feitos, benemerências, atos de heroísmo, serviços a Deus, à Igreja e aos nossos irmãos, nesses cinco séculos.

Alguns aspectos são fundamentais na celebração deste V Centenário. O primeiro é reconhecer que o Brasil é católico, apesar das sombras existentes. E esse fato inconteste tem seu passo inicial com a vinda dos evangelizadores, que nos trouxeram o Evangelho. A existência de falhas, deficiências, erros, não devem impedir de agradecer vivamente o dom de Deus que facilitou nossa pertença à Igreja. O segundo é tomar consciência das limitações existentes que dificultam uma vida cristã mais autêntica nos indivíduos, na Família, na sociedade brasileira.

Daí a necessidade de um grande esforço em favor de maior e melhor formação religiosa, na plena fidelidade a Cristo e seus ensinamentos. A catequese permanente e ampla é um pilar de nosso futuro. A correção das injustiças sociais à luz do Evangelho e não das ideologias deve ser um compromisso, fruto destas celebrações.

Chegou até nossos dias a chama da Fé cristã. Imensa é nossa responsabilidade, hoje, de conservá-la viva, autêntica, fiel à Doutrina de Jesus. A pedra de toque está na obediência ao Sucessor de Pedro, a quem Jesus confiou a sua Igreja, como cabeça do Colégio Apostólico.