Muitas fantasias têm sido ditas e cridas em nome de uma tão falada batalha que estamos travando contra as forças infernais. Mas será que, antes de amarrar Satanás e suas forças, não seria melhor observar bem o que está acontecendo, de fato, em nome desta batalha?
Temos visto aparecer toda uma demonologia, espalhada dentro dos meios católicos que pouco ou nada têm de católica. Por exemplo, muitos dos nomes de demônios que ouvimos por aí, nada mais são que mitologia afro-brasileira (Exú, Exú Tranca-Rua, Exú Caveira, Zé Pilintra, Preto Véio, Nãnã Buruquê, Pomba Gira, Iemanjá, etc); fazem parte do panteão dos deuses afro-brasileiros mas não da Revelação contida na Sagrada Escritura e na Tradição e, por isso, não podem merecer crédito. Com todo o respeito às manifestações religiosas de outras culturas, para nós cristãos estes nomes são vazios, não querem dizer nada, são ídolos desprovidos de existência e consistência e, portanto, não nos podem fazer nenhum mal. Que diremos então de outros nomes que têm aparecido? Mephistofes, Tremus, Arius, Cumba, Krion, Kruonos, e outros. Segundo alguns pregadores de batalha espiritual, se não soubermos o nome do demônio ele não é expulso; daí a lista tende a se avolumar. Se continuarmos aceitando esta listagem mitológica logo veremos exorcismos do Saci Pererê. À pergunta: "Como é teu nome, demônio?", ouviremos: "Meu nome é Mula-sem-Cabeça", ou "Espírito de Gnomo".
Visto que estão em uma batalha, estes "irmãos caça-fantasmas" logo passam a ver o inimigo em todos os lugares. Em tudo vêem o dedinho do capeta. De dor de cabeça à explosão de shopping, tudo passa pelos planos de guerra de Satã. O Tinhoso, assim descrito, trabalha mais do que Deus.
É fácil reconhecer um irmão "caça-fantasmas". Ele está sempre envolto nas névoas de conversas misteriosas: um tal de ouvi dizer que, não sei quem viu, não sei onde, não se sabe o quê... e por aí vai. É sempre muito escrupuloso; anda armado para batalhar em qualquer lugar e a qualquer hora que dele precisarem. Munido de Bíblia, Devocionário de São Miguel Arcanjo, rosários de todo tipo e muita, muita água benta, lá vai ele pelas ruas frias e insalubres procurando ajudar a próxima vítima. Mas, ele sempre esquece o principal "apetrecho" para um bom ministério de libertação: a doutrina católica sobre os demônios.
Esta doutrina é simples: os demônios, depois da Morte e Ressurreição de Cristo, já perderam a batalha. Como leão, procurando a quem devorar, o diabo ruge. São Pedro recomenda: "Resisti-lhe, firmes na fé". Eis a nossa arma: a fé, que da Santa Igreja recebemos. Sem conhecê-la é impossível agradar a Deus nesta "batalha".
Não é o propósito fazermos aqui um curso de demonologia. Gostaria apenas de indicar alguns princípios que possam nos ajudar no discernimento espiritual. Estes princípios pastorais são resultados de uma pesquisa que realizei como monografia para a conclusão da faculdade de Teologia, num estudo sobre a fenomenologia do milagre.
Em caso de obssessão e infestação ou mesmo de uma tentação mais grave, podemos usar das várias orações de libertação que conhecemos. Devemos recomendar a pessoa em questão que procure a Igreja, que se confesse, que busque os sacramentos, em especial a Eucaristia, que vá a Jesus na oração e peça a conversão de vida. Para os lugares infestados use os sacramentais, água e sal exorcizados na Igreja e orações. A intercessão da Santíssima Virgem deve ser buscada de um modo especial.
O leigo está proibido de realizar qualquer tipo de exorcismo, mesmo aquele escrito pelo Papa Leão XIII para uso pessoal e em pequenos grupos, e não para ser usado sobre outrem.
Estas observações do frei Kloppenburg são fundamentais para uma sadia leitura de livros como este que agora saiu sobre exorcismos (Gabriele Amorth, 'Um exorcista conta-nos', Paulinas, 1996) e que, sem estas referências, que ele não traz, poderiam nos levar a uma espécie de satanização das outras religiões.
Tenho percebido, preocupado, que muitas pessoas parecem não confiar no senhorio de Jesus Cristo sobre as suas vidas. Estão sempre achando que o demônio está influenciando-as, que um feitiço pode pegá-los a qualquer momento. As mesmas superstições que tinham quando não conheciam Jesus; parece que migram com elas para dentro da Igreja. A mentalidade mágica, pouco racional e muito sentimentalista, traz para dentro da fé cristã um perigoso ingrediente de fanatismo e fatalismo diante do mal. É comum vermos pessoas realmente adoecidas pelo terror de serem as próximas vítimas do diabo.
Podemos verificar, também, que muito deste terror provém de certas pregações sobre batalha espiritual, que confirmam e aumentam este medo. É culpa, ainda, das pessoas da Igreja que, ao invés de ajudarem estes atormentados, desprezam-nos fugindo do problema, visto que têm compromissos com outras coisas mais importantes.
Diante de uma pessoa que se diz atormentada pelo demônio devemos agir com prudência, não com medo, pressa, preconceito, racionalismos ou, pior, fugindo. Devemos agir, acreditando na idoneidade da pessoa, ajudando-a; estudar o caso, e sempre, sempre, orar pela pessoa, para que Deus a abençoe e afaste dela todos os males, deste modo genérico, sem afirmar e nem desmentir. Não ficamos "em cima do muro", ganhamos tempo e não faremos um diagnóstico apressado e, provavelmente, falso, ou, pelo menos, que menospreza a pessoa que merece atenção e amor. Assim Jesus nos ensinou.