A g n u s D e i

SÚPLICA
Autor: Charles Péguy
Fonte: As Cinco Preces na Catedral de Chartres
Tradução: José Fernandes Vidal

Oh! não, não suplicamos que o grão sob a mó
Seja jamais reposto no âmago da espiga,
Oh! não, não suplicamos que a alma errante e só
Jamais a florido horto seja devolvida.

Oh! não, não suplicamos que ao ramo da vinha
A uva já calcada venha a ser resposta,
E que o pesado zangão ou a abelhazinha
A se fartar de orvalho ali de novo possa.

Oh! não, não suplicamos que a vermelha rosa
Seja jamais reposta na haste da roseira,
E que o grande balaio e a cestinha mimosa
Retornem como vime a nova ribanceira.

Oh! não, não suplicamos que a folha já escrita
Riscada venha a ser do livro de memória,
E que a grave suspeita numa nova história
Possa vir reformar a pena já prescrita.

Oh! não, não suplicamos que o caule vergado
Reposto possa ser no livro da natura,
Que o pesado botão com a jovem nervura
Rompa a casca de novo e surja rebrotado.

Oh! não, não suplicamos que o ramo esmagado
Reverdeça jamais no livro da graça,
Que o pesado rebento ou que uma nova raça
Renasça jamais no tronco fulminado.

Oh! não, não suplicamos que o galho esfolhado
Regresse uma vez mais em jovem primavera,
Ou que a pesada seiva ou uma jovem era
Salve uma copa só no bosque já inundado.

Oh! não, não suplicamos que a prega da toalha
Seja recomposta antes que volte o Senhor,
E que este vosso servo ou o infeliz que for
Jamais se veja livre da pesada malha.

Oh! não, não suplicamos que a sublime mesa
A não ser para um Deus de novo se refaça,
Mas tão grande conviva jamais com certeza
Reaqueçerá suas mãos em nossa chama baça.

Oh! não, não suplicamos que nós degredados
Voltemos a seguir por caminho de rosas,
Rainha, que nos baste manter-nos honrados,
Não pedimos senão vossa ajuda piedosa.

Não vos pedimos não trilha que seja grácil,
Mas vos pedimos sim que vosso amor nos queira.
Não vos pedimos não trilha que seja fácil,
Mas vos pedimos sim vossa guarda guerreira.

Ó Rainha do Mar, Porto da Boa Sorte,
Não vos pedimos não nenhum desses reparos,
Senão que de guardarmos sob o vosso amparo
Fidelidade sim mais forte do que a morte.