A g n u s D e i

SE DEUS EXISTE, POR QUE TAMBÉM EXISTE O MAL?
Fonte: A Catholic Response Inc.
Tradução: Carlos Martins Nabeto

"Nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá; o Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor!" (Jó 1,21)

Provavelmente o argumento mais popular contra a existência de Deus seja baseado na eterna pergunta: "Se existe verdadeiramente um Deus bom, então por que existe mal no mundo?" Tipicamente, o argumento soa como "Já que o nosso mundo é cheio de desgraças, um Deus bom e todo-poderoso jamais toleraria o mal; logo, Deus não existe!". Logicamente, este argumento envolve muito mais emoção (agravada por algum rancor) do que razão, mas a questão acaba sendo importante de se analisar. Na verdade, ela pode ser expressada de diversas maneiras (algumas delas serão analisadas aqui).

Primeiramente, devemos considerar o significado do mal. Existem dois tipos de mal: o mal moral e o mal físico. O mal moral é o pecado voluntário; já o mal físico, é um dano natural. Exemplos de mal moral são: o assassinato, o adultério, a fornicação, o roubo, a feitiçaria, o aborto... (cf. Didaqué 2,2). Exemplos de mal físico são: a fome, a doença, os desastres naturais e a morte. Vemos, então, que o mal não é nada em si mesmo, mas a ausência de algi que deveria estar presente, como, por exemplo, o ódio que nada mais é que a ausência do amor. Assim, Deus não cria o mal, pois o mal não é uma coisa a ser criada; o mal é uma imperfeição, ausência ou vazio na criação de Deus.

Analisemos, em primeiro lugar, o mal moral, que pode ser assim expresso: "Se existe um Deus bom, então por que Ele criou pessoas moralmente más?". Para compreendermos esta matéria, devemos entender que Deus não criou pessoas más (Gen 1,26-31). Sendo todo sabedoria, Deus criou conscientemente pessoas que desejam voluntariamente ser pecadoras, porém com inteligência e atitudes diferentes. Deus nos criou com o dom do livre-arbítrio - a habilidade de livremente optar em aceitá-Lo ou rejeitá-Lo. Podemos, assim, optar por sermos pecadores - rejeitando Deus - desobedecendo-O intencionalmente. Esta rejeição, por sua vez, é um vazio no plano que Deus fez para nós.

Deus quer que O amemos mas, sem o livre-arbítrio, nós não poderíamos amá-Lo com sinceridade. Não podemos ser forçados a amar alguém... Se Deus nos criasse sem o livre-arbítrio, seríamos máquinas vivas e não feitas segundo Sua imagem e semelhança. Logo, Deus permite o mal moral como extensão do livre-arbítrio que Ele nos dá. Desta forma, o mal moral que existe no mundo é resultado da nossa própria escolha!

Analisemos agora o mal físico, que pode ser expresso assim: "Se existe um Deus bom, por que existe dor, sofrimento e morte no mundo?" Talvez uma versão mais grave desta pergunta seja: "Se existe um Deus justo, por que tantas pessoas boas sofrem?" Ora, o sofrimente serve a um propósito no mundo material. A dor retarda os danos em nossos corpos. Eu não coloco a mão no fogo porque conheço o sentimento da dor; a dor causada pela angina nos adverte de um ataque cardíaco iminente; o atleta enfrenta sofrimentos físicos extremos para disciplinar seu corpo a garantir uma melhor performance nos eventos esportivos, de forma que, sem dor também não há ganhos. Logo, o sofrimento enfrentado por pessoas boas não soa como um total absurdo...

As coisas materiais operam de acordo com as leis físicas. Por exemplo, o fogo opera segundo as leis da termodinâmica. As mesmas leis naturais que permitem aquecer as nossas casas durante o inverno podem fazer com que ocorram incêndios de grandes proporções. Para impedir o mal físico é necessário o milagre - ou seja, a suspensão das leis físicas. Deus permite o mal físico à medida que Ele não executa um milagre atrás do outro para suspender o sofrimento, fazendo com que o ordinário se transforme em extraordinário. Assim, as leis físicas se aplicam igualmente para bons e para maus (cf. Mt 5,45).

É provável que a real questão não seja por que Deus permite o mal físico, mas por que Deus nos criou em um mundo material? Alguns sugerem que Deus nos criou em um mundo materialmente imperfeito para que não pudéssemos confiar em nós mesmos mas vir a amar e confiar em Deus, que é perfeito (cf. 2Cor 1,8-9). Nós fomos criados com um desejo e fome que só podem ser satisfeitos por Deus. Este vazio da felicidade nos chama a Deus. Nas palavras de Santos Agostinho: "...para Ti, que nos criastes para Ti mesmo, ó Senhor, nossos corações estão impacientes até que descansem em Ti" (Confissões I,1,1). Santo Ireneu de Lião (190 dC) tem uma outra opinião:

"...onde não há esforço, não há apreço. A visão não nos seria tão desejável se não conhecêssemos o grande mal que é a cegueira; a saúde também torna-se mais preciosa pela experiência da doença; assim a luz pela comparação com as trevas; a vida com a morte. Assim o reino celeste é mais precioso para os que conheceram o terreno. Quanto mais precioso é, tanto mais o amamos e quanto mais o amamos tanto mais seremos gloriosos junto de Deus. O Senhor permitiu tudo isso para nós a fim de que fôssemos instruídos em tudo e permanecêssemos para sempre fiéis em todas as coisas e radicados em seu amor, tendo aprendido a amar a Deus como homens racionais." ("Contra as Heresias" IV,37,7).

Na Bíblia, o livro de Jó trata desse problema de maneira belamente poética. Jó é um uma pessoa justa, homem temente a Deus (Jó 1,1); porém, Deus permite que Satanás cause terrível sofrimento a Jó, por meio de desastres e doenças, para testar sua lealdade. Satanás quer provar a Deus que a fé de Jó é falsa (Jó 2,3-7). Sob intenso sofrimento, Jó discute com seus "amigos" sobre o sofrimento dos inocentes. Quase no final, Deus entra no debate e responde: "Quem é este que escurece o meu conselho com palavras sem conhecimento? Agora cinge os teus lombos, como homem; perguntar-te-ei e tu me responderás. Onde estavas tu quando eu lançava os fundamentos da terra? Dize-me, se tens inteligência" (Jó 38,2-4).

"Quem debate com o Todo-Poderoso, o ensinará? Quem assim questiona a Deus, responda a estas coisas" (Jó 40,2).

Deus responde dizendo a Jó que Sua sabedoria e poder estão além da compreensão humana. O homem também não mantém controle sobre o universo: suas virtudes não garantem a felicidade sobre a Terra. Jó humildemente encerra o debate com as palavras:

"Eu sei que tudo podes; nenhum dos teus planos pode ser impedido... Certamente falei do que não entendia, coisas maravilhosas demais para mim, e que eu não compreendia... Por isso me abomino e me arrependo no pó e na cinza" (Jó 42,2.3b.6).

Aqui a Bíblia lembra que devemos aceitar os sofrimentos e confiar em Deus. Mais adiante, na Bíblia, Jesus Cristo responde desta forma na Cruz.

As dores e sofrimentos dos cristãos nesta vida tornam-se, assim, prazer e glória da Vida Eterna. Na Bíblia, São Paulo liga o mal físico (morte) com o mal moral (pecado):

"Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram"

Através do pecado de Adão (isto é, o pecado original), todos nós pecamos e sofremos a morte; entretanto, Deus é misericordioso e o Cristianismo oferece a esperança:

"Pois assim como a morte veio por um homem, também a ressurreição dos mortos veio por um homem. Pois assim como todos morrem em Adão, assim todos serão vivificados em Cristo" (1Cor 15,21-22).

A morte de Cristo na Cruz preencheu o vazio causado pelo pecado. Mesmo sofrendo dor e morte pelos nossos pecados, Deus - que não possui pecado - aceitou, como homem, a dor e a morte na Cruz para nos salvar. Amar envolve sacrifício e Cristo deixou um exemplo para nós:

"Embora [Jesus] sendo Filho, aprendeu a obediência por meio daquilo que sofreu e, tendo sido ele aperfeiçoado, veio a ser o autor da eterna salvação para todos os que lhe obedecem" (Heb 5,8-9).

"Se alguém quiser vir após mim, negue a si mesmo, tome a sua cruz e me siga" (Mc 8,34. V.tb.: 1Ped 2,20-21; Fil 1,29).

Como cristãos, esperamos na eterna alegria - e agradecemos o sofrimento e a Jesus Cristo - como São Paulo promete:

"...somos filhos de Deus; se nós somos filhos de Deus, logo também somos herdeiros: herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo, se é certo que com ele padecemos, para que também com ele sejamos glorificados. Para mim, tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada" (Rom 8,16-18).

Em nosso sofrimento, compartilhamos do sofrimento de Cristo (Col 1,24) e no céu compartilhamos da Sua glória (1Ped 4,19).

Nosso mundo pecaminoso é o infeliz resultado da escolha humana... Nem mesmo Satanás pode nos forçar a pecar. Dor, sofrimento e morte são partes integrais do mundo material devido ao pecado de Adão, mas o Cristianismo oferece a esperança através do sofrimento de Jesus Cristo. O mal deste mundo não é prova de que Deus não existe, mas uma constante lembrança da nossa necessidade do Deus perfeito revelado na Bíblia (2Cor 1,8-9).


Sugestão para leitura: "O Consolo da Filosofia", de Boécio, escrito em 524 dC - uma obra clássica que trata do problema do livre-arbítrio humano e o Criador, detentor de toda a sabedoria.