A g n u s D e i

IGREJA ELETRÔNICA NO BRASIL:
A CONQUISTA PELA TV
por: Jorge Paleari
fonte: Revista "Sem Fronteiras" - Abr./89

Atenção: Os horários e programas apresentados neste artigo estão desatualizados. Alguns programas mudaram de horário ou de emissora; outros simplesmente desapareceram sem deixar vestígios. Contudo o artigo é válido pelas informações sobre as técnicas utilizadas pelos "evangelizadores" da TV, que ainda são usadas atualmente pelas mais diversas igrejas.


Anúncio de milagres e curas. O segredo para subir na vida. A Igreja Eletrônica disputa o público, comercializa mensagens e produtos religiosos. Sua postura diante dos problemas do povo e suas ligações com os poderosos.

São oito horas e quinze da manhã. A TV Record de São Paulo está transmitindo um programa da Igreja Internacional da Graça de Deus. Já o nome da Igreja é altissonante.

O pastor e missionário R.R.Soares comanda a programação. Vestindo um terno discreto, com voz convincente, anuncia que vai falar sobre o "descarrego em Jesus". E logo cuida de desfazer o possível espanto dos telespectadores, explicando que está simplesmente traduzindo a palavra alívio, que se encontra nos Evangelhos, por descarrego.

O que efetivamente impressiona é que a expressão descarrego é tirada do vocabulário umbandista. Mas o deslize é só aparente, pois todo o programa tem mesmo por objetivo desafiar as religiões dos orixás e das entidades desencarnadas que, segundo o pastor, nada podem, pois "só Jesus descarrega, alivia".

Diversas testemunhas vão sendo apresentadas, todas elas confirmando as palavras do pastor: foram curadas por Jesus e rejeitam a macumba. O missionário pergunta a uma mulher: "É melhor estar com Jesus ou com os guias?".

A resposta, já esperada, faz ressoar gritos de aleluia nos estúdios da televisão.

SUBIR NA VIDA

O estilo simples de conversação direta, teatral, recheada com piadas e largas risadas do apresentador, pretender imitar a linguagem popular, parecendo-se mais com uma versar religiosa da comunicação dos malandros.

Produtos milagrosos são anunciados: um objeto que atrai todos os males, um sabão abençoado que lava toda sujeira, um lenço ungido com o qual se enxuga toda dor. São todos símbolos de máxima eficácia, em contraposição com os símbolos considerados inúteis dos cultos afro-brasileiros.

Ao longo da transmissão, é apresentado um carnê: "Estamos apertados. Não deixem o programa sair do ar. Depositem no banco tal, conta número tal...". O discurso do pastor Soares não só compete, de forma agressiva, com as religiões chamadas mediúnicas, cujos símbolos explora ao máximo. Vai mais além, sugerindo que quem não sobe na vida é porque não ser converteu e, por isso, continua como presa do demônio.

O problema da pobreza, miséria e sofrimento do povo aparece no discurso do pastor. Mas não se mexe com as causas, não se faz nenhum tipo de análise sócio-política da situação. Tudo é explicado da forma mais simplista possível: a causa da miséria e de outros problemas relacionados é a recusa a converter-se.

EXPULSANDO DEMÔNIOS

O que relatamos acima é apenas um dos muitos programas de cunho religioso apresentados diariamente na televisão. Vamos ver outros exemplos.

Oito horas e trinta da manhã. Entra no ar o programa "Despertar da Fé", do bispo macedo, outro pentecostal exorcista, da Igreja Universal do Reino de Deus.

O bispo pentecostal afirma: "São os demônios que causam sofrimento e desemprego". Só há uma solução: ungir o mais possível com o óleo de Israel, o santo óleo proveniente diretamente da Palestina.

Um jovem casal, recém-convertido a Jesus, é entrevistado, ficando claro para todos como os exus são causadores dos vícios da bebida, do jogo e outros. É explicado que os exus prendem e amarram as pessoas, tiram-lhes a vontade e a força para resistir. Só Jesus liberta.

SÍMBOLOS CATÓLICOS

Já um outro programa eletrônico explora mais os símbolos religiosos católicos, criando confusão entre os ouvintes. É o programa "A Hora da Eucaristia", da Rede Nacional de Missões Católicas. Seu líder máximo, o "santo padre" Jair Pereira, pertencente a uma das vertentes da chamada Igreja Católica Brasileira, mantém programas diários na TV Record de São Paulo.

O discurso do apresentador é centrado sobre símbolos de origem católica: orações, venda de devoções programadas, santas cinzas, água benta sacramentada sete vezes, o vidro com bálsamo sacramentado, a chave do sofrimento, etc. O objetivo é, mais uma vez, reafirmar a eficácia de tudo isso frente aos trabalhos dos macumbeiros.

Durante todo o programa, são constantes os testemunhos de curas e alívios efetuados na Paróquia Mundial Bom Jesus dos Milagres. E também os pedidos de ajuda para o programa não sair do ar.

A LBV (Legião da Boa Vontade), fundada por Alziro Zarur, que morreu em 1979, também tem o seu programa na televisão, aos sábados, logo depois do meio-dia. Fala de um cristianismo abrangente e universal: a fraternidade sem limites, com uma forte dose de patriotismo e assistencialismo. O amor anunciado não se insurge contra as injustiças, não as denuncia. [...]

PROGRAMAS IMPORTADOS

Há também os programas importados. O mais conhecido dentre eles é o do pastor norte-americano Jimmy Swaggart, transmitido pela TV Bandeirantes de São Paulo.

A figura deste pastor perdeu um pouco o seu brilho, prejudicada pelo escândalo que o envolveu há alguns meses [em 1988], quando foi acusado de ter sido flagrado com uma mulher num motel dos Estados Unidos. Como resultado, recebeu dois anos de punição. Entretanto, existem pressões no sentido de fazê-lo voltar à direção do programa. É que a ausência dele parece estar causando grandes prejuízos financeiros à sua igreja.

Nos seus programas, Jimmy Swaggart faz pregações solenes diante de platéias numerosas. Altera a voz, grita, gesticula e se exalta. Prende a platéia e o telespectador durante todo o tempo. Ele mesmo canta suas músicas. Ao seu lado estão sempre sua esposa e filhos. A característica principal do programa é o moralismo.

Seus programas são transmitidos para toda a América Latina, em dublagem, nas línguas espanhola e portuguesa.

IMPÉRIO TELEVISIVO

O pastor batista Nilson do Amaral Fanini, da Primeira Igreja Batista de Niterói (RJ), faz planos mirabolantes: montar um grande império televisivo.

Suas relações com certas figuras do poder são evidentes. Em agosto de 1982, reuniu cerca de 120 mil fiéis no estádio do Maracanã. Estavam também presentes o ex-presidente Figueiredo e uma comitiva de cinco ministros.

Para o teólogo Hugo Ashmann, não restam dúvidas de que o tipo de pregação do pastor Fanini, "centrada mna defesa dos valores éticos da nação e repleta de advertências patrióticas ao povo", acabou ajudando o partido oficial, o PDS, nas eleições daquele ano.

Um ano depois, em novembro de 1983, o próprio Figueiredo assinava um decreto, concedendo ao pastor Fanini, para um período de 15 anos, o canal 13 do Rio de Janeiro.

O pastor Fanini já nos antecipou os traços fundamentais de sua mensagem religiosa: nada que vá além dos apelos ao renascimento ou conversão individual ("Jesus te espera", "Jesus te salva"), fortes doses de moralismo privatista ( "Tu estás perdido! Só te resta aceitar Jesus!"), uso arbitrário de versículos bíblicos, voltados para a vida privada.

Em resumo: uma religião do indivíduo, cega aos apelos de Deus para construirmos justiça e fraternidade já neste mundo, como sinal eficaz do seu Reino definitivo. Mas, ao mesmo tempo, uma religião comprometida ou, no mínimo, agradável e interessante para os setores sociais dominantes.

Os fatos que estamos relatando brevemente demonstram como a visão crítica dos cristãos deve ser aguçada. Estamos diante de fenômenos relativamente novos, mas muito importantes e desafiadores para a missão de anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo e construir seu Reino.

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