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Declaração
O DOM DA AUTORIDADE
Comissão Internacional Anglicana-Católica Romana

I. INTRODUÇÃO

1. O diálogo entre os Anglicanos e os Católicos Romanos tem dado sinais evidentes de progresso quanto à questão da autoridade na Igreja. Esse progresso já pode ser percebido na convergência alcançada em declarações anteriores da ARCIC sobre o conceito de autoridade, de maneira notável:

  • a admissão de que O Espírito do Senhor Ressuscitado mantém o povo de Deus obediente à vontade do Pai. Por essa ação do Espírito Santo, a autoridade do Senhor é ativa na Igreja (cf. Relatório Final, Autoridade na Igreja I, 3);

  • o reconhecimento de que, graças ao seu batismo e à sua participação no sensus fidelium, os leigos constituem parte integral do poder decisório da Igreja (cf. Autoridade na Igreja: Elucidação, 4);

  • a complementaridade da primazia e da conciliaridade como elementos de episcope dentro da Igreja (cf. Autoridade na Igreja I, 22);

  • a necessidade de uma primazia universal exercida pelo Bispo de Roma como sinal e salvaguarda da unidade dentro de uma Igreja re-unida (cf. Autoridade na Igreja II, 9);

  • a necessidade de o primaz universal exercer seu ministério em associação colegiada com outros bispos (cf. Autoridade na Igreja II, 19);

  • uma compreensão da primazia universal e da conciliaridade que complemente e não suplante o exercício da episcope em igrejas locais (cf. Autoridade na Igreja I, 21-23; Autoridade na Igreja II, 19).

2. Essa convergência foi oficialmente reconhecida pelas autoridades da Comunhão Anglicana e da Igreja Católica Romana. A Conferência de Lambeth, em 1988, não apenas considerou os consensos da ARCIC sobre a doutrina eucarística e sobre ministério e ordenação consoantes, em substância, com a fé anglicana (Resolução 8:1), como também afirmou que as declarações de consenso sobre a autoridade na Igreja forneceram a base para um diálogo posterior (Resolução 8:3). Da mesma forma, a Santa Sé, em sua resposta oficial de 1991, reconhecendo áreas de consenso sobre questões de importância primordial para a fé da Igreja Católica Romana, tais como a Eucaristia e o ministério da Igreja, percebeu sinais de convergência entre nossas duas comunhões quanto à autoridade na Igreja, indicando o caminho para um desenvolvimento maior.

3. No entanto, as autoridades de nossas duas comunhões têm solicitado maiores investigações sobre assuntos em que, embora tenha havido convergência, um consenso que julgam necessário ainda não foi atingido. Esses assuntos incluem:

  • a relação entre Escritura, Tradição e o exercício da autoridade de magistério;

  • colegialidade, conciliaridade e o papel dos leigos em tomadas de decisão;

  • o ministério Petrino da primazia universal com relação à Escritura e à Tradição.

A despeito do progresso alcançado, sérias dificuldades têm surgido na busca pela unidade. Questões relativas à autoridade têm sido levantadas de modo perspicaz em cada uma de nossas comunhões. Por exemplo, debates e decisões sobre a ordenação de mulheres têm conduzido a questões sobre fontes e estruturas da autoridade e como estas funcionam para os Anglicanos e os Católicos Romanos.

4. Em ambas as comunhões, investigações sobre como a autoridade deve ser exercida em diversos níveis estão abertas às perspectivas de outras igrejas sobre o assunto. Por exemplo, o Relatório de Virgínia da Comissão Teológica e Doutrinal Interanglicana (preparado para a Conferência de Lambeth de 1998) declara: "A longa história de envolvimento ecumênico, tanto local quanto internacionalmente, tem nos mostrado que o discernimento e o poder decisório dos Anglicanos devem considerar as visões da verdade e a sabedoria inspirada pelo Espírito de nossos parceiros ecumênicos. Além disso, quaisquer decisões que tomarmos devem ser submetidas ao discernimento da Igreja universal" (Relatório de Virgínia, 6.37). Em sua Encíclica Ut unum sint, o Papa João Paulo II convidou líderes e teólogos de outras igrejas a se unirem a ele num diálogo fraterno sobre como o ministério da unidade do Bispo de Roma poderia ser exercido numa situação nova (cf. Ut unum sint, 95-96).

5. Há um vasto debate sobre a natureza e o exercício da autoridade tanto nas igrejas quanto na sociedade em geral. Anglicanos e Católicos Romanos desejam dar testemunho, para as igrejas e para o mundo, de que a autoridade exercida de forma correta é um dom de Deus para trazer reconciliação e paz para a humanidade. O exercício da autoridade pode ser opressivo e destrutivo. Na verdade, freqüentemente pode sê-lo em sociedades humanas e até em igrejas, quando elas adotam certos padrões de autoridade sem uma visão crítica. O exercício da autoridade no ministério de Jesus adquire características diferentes. É em conformidade com o pensamento e o exemplo de Cristo que a Igreja é chamada a exercer autoridade (cf. Lc 22.24-27; Jo 13.14-15; Fl 2.1-11). Para o exercício dessa autoridade, a Igreja é investida pelo Espírito Santo de um conjunto de dons e ministérios (cf. 1 Cor 12.4-11; Ef 4.11-12).

6. Desde o início, a ARCIC tem considerado questões sobre o ensinamento ou a prática da Igreja no contexto de nossa comunhão real, mas imperfeita, com Cristo e da unidade palpável para a qual somos chamados. A Comissão tem sempre procurado colocar-se à parte de posições opostas ou defensivas para descobrir e desenvolver nossa herança comum. Trabalhando a partir do que já foi feito pela ARCIC, a Comissão fornece uma nova declaração sobre como o dom da autoridade, quando bem exercido, permite à Igreja continuar obediente ao Espírito Santo, que a mantém fiel ao serviço do Evangelho para a salvação do mundo. Desejamos esclarecer como o exercício e a aceitação da autoridade na Igreja são inseparáveis da resposta dos fiéis ao Evangelho, como estão relacionados com a interação dinâmica da Escritura com a Tradição, e como são expressos e experimentados na comunhão das igrejas e na colegialidade de seus bispos. À luz dessas compreensões, chegamos a um entendimento aprofundado da primazia universal a serviço da unidade de todas as igrejas locais.