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Comentário a
"O DOM DA AUTORIDADE"

Autor William Henn (ofm cap.)

IV. SÍNTESE E UM OLHAR PARA O FUTURO

"Acreditamos que, se essa declaração sobre a natureza da autoridade e o modo de exercê-la for aceita e posta em prática, esta questão não será mais causa do prosseguimento de uma ruptura na comunhão entre nossas duas igrejas." (Dom, 51). Essa é uma reivindicação muito forte e esperançosa sobre o nível de consenso presente em O Dom da Autoridade, bem como um reconhecimento da diferença entre teoria e prática (evidente na conotação da frase "e posta em prática"). Essa diferença é importante para interpretar a Parte IV.

A recapitulação de novos pontos de consenso, listados em Dom, 52, é muito impressionante, mas pode até ser demasiado modesta. Enquanto inclui a maioria dos pontos por nós discutidos até aqui, não menciona os parágrafos 32 e 33, que situam a autoridade justamente dentro do contexto de uma eclesiologia de comunhão e missão. Foi mencionado, acima, por que esses parágrafos são particularmente proveitosos, à luz das ênfases recentes na eclesiologia e no ensinamento oficial Católico Romano.

A descrição dos avanços no interior de cada comunidade (Dom, 53-55) parece bastante precisa. A Igreja Católica Romana, sem dúvida, tem dado nova atenção e importância ao exercício da autoridade em nível local e sinodal, com a inclusão do laicato nos últimos anos. Recentemente, os Anglicanos têm prestado mais atenção, e pretendem continuar a fazê-lo, ao exercício da autoridade em nível universal. Desse modo, parecem estar se movendo em direções que os aproximarão com respeito à autoridade e seu exercício.

As "Questões Defrontadas pelos Anglicanos/Católicos Romanos", em Dom, 56-57, não devem ser vistas como contradizendo a declaração de consenso registrada em Dom, 51, mas como expressão da diferença entre teoria e prática. Como tal, apontar para esses desafios após afirmar o consenso anterior está plenamente em harmonia com o que o Papa João Paulo II chamou de "diálogo de conversão" (Ut unum sint, 82), mencionado acima.

Essas "Questões" (Dom, 56-57), juntamente com os parágrafos sob o título de "Colegialidade Renovada" (Dom, 58-59), respondem a um pedido, cada vez mais presente na literatura, sobre a recepção de documentos ecumênicos. Mais e mais comissões de diálogo são encarregadas, não só de produzir textos, como também de sugerir passos concretos para que um grau maior de comunhão possa encontrar expressão visível. A cooperação entre bispos Anglicanos e Católicos Romanos em encontros, preces, testemunho e mesmo no ensinamento conjunto está em plena harmonia com a experiência do Papa João Paulo II de colaborar, de várias formas, com outros líderes Cristãos, que ele relata no Capítulo II da Ut unum sint, intitulado "Os Frutos do Diálogo". A sugestão de considerar a possível participação de bispos Anglicanos em visitas ad limina parece um gesto nobre, um modo concreto de expressar o reconhecimento Anglicano de uma primazia universal registrada nos parágrafos 45-48 de O Dom da Autoridade. Ao mesmo tempo, é fácil imaginar que esse passo demandaria certa prudência pastoral. Aqui, bem como no caso do magistério comum, haveria de se considerar cuidadosamente como esses passos seriam entendidos pelos fiéis e, tanto quanto possível, evitar a sua exploração pela mídia, que mostra bem pouco escrúpulo em apresentar os fatos pelo lado sensacinalista, de uma forma que pode ser perigosamente enganadora.

O Dom da Autoridade termina com alguns parágrafos que caracterizam, também, o ministério da primazia universal como um "dom". Os Católicos devem acolher essa atitude benévola por parte de seus irmãos e irmãs Anglicanos. Muitas frases nessa seção provavelmente levarão alguns críticos a atacar o texto com a objeção de que apenas um certo tipo de primazia está sendo declarado, uma primazia que sustenta "a diversidade legítima" (Dom, 60) e que irá "proteger a investigação teológica" (Dom, 61), uma primazia que pode ser recuperada e re-recebida pelos Anglicanos apenas "sob certas condições claras" (Dom, 62). Em minha opinião, seria um erro interpretar estas frases como sugestão de um certo criptogalicanismo. A doutrina e a teologia Católica podem interpretá-las de forma compatível com um entendimento correto da primazia papal. No panorama ecumênico, pode-se dizer que nenhuma outra comunidade foi tão longe no consenso com Católicos Romanos sobre a primazia do Bispo de Roma. Na verdade, lembramos as palavras pungentes do Papa Paulo II ao dizer que, para o ecumenismo, não há "obstáculo" maior do que o papado.(28) Aqui, quiçá pela primeira vez no diálogo ecumênico, os Anglicanos, juntamente com seus parceiros Católicos Romanos no diálogo, falam dele como um "dom".