A g n u s D e i

SIMÃO PEDRO
Autor: José Fernandes Vidal

      Conta-nos Lucas que o conhecimento
      decisivo de Simão com Jesus
      se deu assim:
      Jesus subiu à barca de Simão
      que estivera a pescar com Tiago e João.
      - Faze-te ao largo,
      prepara e lança as redes para a pesca.
      - Trabalhamos a noite toda, Mestre,
      nada pescamos.
      "Simão, Simão, não te oponhas à graça.
      És pó rasteiro
      Deixa que Ele te leve e de ti faça
      massa de oleiro."

        - Vou lançar as redes por tua conta.
        Logo as malhas encheram-se de peixes.
        Era um prodígio.
        Simão, caindo aos pés do Mestre, clama:
        - Sou pecador, afasta-te de mim.
        Mas às palavras:
        - De ora e diante serás pescador de homens,
        Simão e os dois irmãos, deixando a barca,
        pronto o seguiram.
        "É isso, Simão, que se deve ser,
        massa de oleiro,
        humilde, dócil, um dia hás de ter
        um dom primeiro."

      Simão, a quem Jesus chamou de Kefa,
      Em aramáico Kefa é pedra, rocha,
      cruzava o lago.
      Vendo um vulto que vinha sobre as águas
      ao encontro deles, tiveram medo.
      Era Jesus?
      Audacioso, o impulsivo Pedro:
      - Senhor, se és tu, manda-me andar nas águas,
      que vá a Ti.
      "Ó Pedro, o homem foi feito de lama,
      há de primeiro
      o sopro receber que à vida o chama,
      o dom do oleiro."

        Era Jesus, sim, e ele o chamou: - Vem.
        Pedro, descendo, andava sobre as ondas,
        mas teve medo,
        e de repente afundava no lago.
        Um lamento de terror: - Senhor, salva-me.
        Jesus salvou-o.
        Mas, estendendo-lhe a mão oportuna:
        - Homem de pouca fé, porque hesitaste?
        "O oleiro tudo faz da massa inerte,
        ele é capaz.
        Mas a lama na fôrma em que ele a verte,
        dócil se faz."

      Um dia, na estrada da Cesaréia,
      Jesus, aos discípulos em descanso,
      na tarde calma:
      - Para o povo, quem é o Filho do Homem?
      Eles lhe deram absurdas respostas,
      fé de terceiros.
      - Mas e vós outros, quem dizeis que eu seja?
      - Tu és o Cristo, o Filho do Deus Vivo.
      "O cântaro do oleiro é para o vinho,
      e o vinho vem,
      cuidadosamente, devagarinho,
      fermenta bem."

        - Feliz és tu, Simão, filho de Jonas,
        pois não foi da carne, não foi do sangue
        revelação,
        mas do Pai que está nos céus, e eu te digo:
        - Kefa, és rocha. Minha Igreja erguerei
        sobre essa rocha.
        Nela as ondas do mal se quebrarão.
        Dar-te-ei as chaves da porta do Reino.
        "O pó do oleiro se transforma em pedra,
        será que sim?
        O cântaro de vinho não se quebra?
        Não é assim?"

      Na ceia pascal, consta que Jesus
      de seus discípulos lavava os pés.
      Na vez de Pedro:
      - Como, Senhor? Queres lavar-me os pés?
      O que faço, não entendes agora,
      e sim, mais tarde.
      - Oh, não, jamais me lavarás os pés.
      - Se não o faço, não terás parte comigo.
      "Pedro, relembra-te não és sem jaça,
      és fraco pó.
      Deixa que teu bom Mestre de ti faça
      rígida mó."

        Oh, quão difícil entender o Mestre!
        - Não só os pés, mas as mãos e a cabeça,
        Pedro clamou.
        Findo o ato tido por servil, Jesus:
        - Vós me chamais de Mestre e de Senhor,
        e dizeis certo.
        - Se, portanto, os lavei, Mestre e Senhor,
        deveis os pés lavar-vos uns aos outros,
        como vos fiz.
        "Cuidado, Pedro, cala-te, Pedro:
        Do vaso de vinho a massa é queimada
        e o fogo a prova.
        Tua vontade não foi assim testada,
        és massa nova."

      Na ocasião, Jesus falou a Pedro
      que ia pô-lo em tentação Satanás:
      - Roguei por ti,
      para que não te desfaleça a fé.
      Convertido, confirma teus irmãos.
      - Senhor, estou pronto para ir contigo
      até à morte.
      Se eles te negam, não te negarei.
      "Simão, não teimes com quem te conhece,
      é teu oleiro,
      sabe bem da falha que te enfraquece
      te viu primeiro."

        - Digo-te: Hoje o galo não cantará,
        não antes que tu por três vezes me negues.
        Sabemos que Pedro logo depois,
        já no pátio do Sumo Sacerdote,
        negou três vezes:
        - Eu não conheço esse homem de quem falas;
        e como então tendo se arrependido,
        chorou seu fel.
        "Chora, Simão, chora alma ao chão caída,
        rocha esmagada.
        És como quiseste, pedra moída,
        taça quebrada."

      Ressuscitado Jesus, conta João,
      que estavam pescando Pedro mais outros.
      Novo prodígio:
      cheias de peixes, rompiam-se as redes.
      Foi quando ao longe sentiram e viram
      Jesus na praia.
      Jogou-se a nado para a praia, Pedro,
      e logo os outros na barca o seguiram.
      Jesus saudou-os.
      "De novo o oleiro faz da massa inerte
      massa de oleiro.
      Na vaso provado de novo verte
      o dom primeiro."

        Assados peixes, juntos os comeram.
        Depois, Jesus a Pedro perguntou:
        - Filho de Jonas,
        amas-me tu mais do que todos estes?
        - Sim, Senhor, ora bem sabes que te amo.
        - Cuida de minhas ovelhas. E assim
        fez a mesma pergunta por três vezes.
        Simão lembrou-se.
        Pedro aprendeu.
        "O pó ao vento pedra se tornou,
        na fé moída,
        amalgamada no vinho do Amor,
        rocha escolhida."

      A negação ao Mestre fora assim,
      uma, duas, três vezes, como agora.
      E a Pedro triste
      com essa insistência que o punha à prova,
      - Sabes tudo, Senhor, sabes que te amo,
      por iguais vezes
      deu-lhe também Jesus igual resposta:
      - Cuida de minhas ovelhas. "Afinal,
      Simão, rocha confirmada angular
      da Igreja erguida,
      é na fé humilde, no amor sem par,
      nossa guarida."