A g n u s D e i

OS PROTOMÁRTIRES BRASILEIROS
Autor: José Fernandes Vidal

Hoje, 05 de março de 2000, assisti à beatificação, pelo Papa João Paulo II, dos 30 mártires de Cunhaú e Uruaçu, do Rio Grande do Norte. E com muita emoção, com a garganta entalada como dizemos nós por lá, pois sou potiguar, da terra dos protomártires brasileiros.

Recordei, então, o distante ano de 1946: eu tinha 11 anos, fui pagem no 1º Congresso Eucarístico de Mossoró. Pagem mesmo, como os das cortes medievais...

O Congresso comemorava os 300 anos do massacre de Cunhaú e Uruaçu. E Domingo, após a beatificação, baixinho, depois em voz alta para minha esposa, cantei o Hino:

"Louvado seja o Santíssimo Sacramento, em nosso altar,
Desde Uruaçu proclama sangue mártir potiguar.
Ó mistério da fé, ó milagre do amor.
Mossoró em Ti crer e te adora, Senhor,
Mossoró em Ti crer e te adora, Senhor!"

E mais não pude recordar, nem minha esposa pôde me ajudar. Mas, certamente, falava de Cunhaú, pois nunca esqueci a história que, então, ouvi pela primeira vez.

Quando fui morar em Natal, muitos anos depois, lembrei-me e fiz uma viagem a Cunhaú. Ainda palpitava em mim a emoção do menino que nunca deixou de admirar os mártires.

Pouco tenho aqui da história para passar para vocês. Sei aquilo de ouvir dizer. Faz 354 anos... Era o ano de 1646. Na Europa a sanha dos calvinistas ainda lembrava as guerras de religião e trazia seu proselitismo para o Novo Mundo.

Foram dois massacres: um em Cunhaú; outro, pertinho, em Uruaçu.

Padre André de Soveral estava celebrando a missa em Cunhaú; a igrejinha cheia de gente simples, praiana. Os holandeses calvinistas acompanhados de seus aliados, os reconhecidamente violentos índios potiguares, entraram de igreja adentro, na hora da consagração.

Nos dois acontecimentos, dois padres foram mortos e mais 28 leigos, com brutalidades que santificaram visivelmente, até tempos recentes, as paredes caiadas das igrejinhas, aspergidas com sangue.

Ficou na história que um dos leigos, Ambrósio Francisco Félix (ou Feliz, digo eu), em Cunhaú, teve o coração arrancado pelas costas. Mas antes de morrer ainda bradou: "Louvado seja o Santíssimo Sacramento".

Ninguém, nem eu, naquele tempo, imaginaria que 354 anos após o acontecido e 54 anos após o Congresso, João Paulo II iria beatificá-los. Não demora, creio, que ele mesmo venha a canonizá-los.

Mártires são mártires. "Ninguém tem maior amor do que quem dá sua vida pelos amigos", disse Jesus (Jo 15,13). E os mártires a deram por seu Senhor. Jesus se comoveu quando soube que João Batista fora decapitado.

Penso sempre em ter em mãos um Martirológio Romano, pois iria me recordar as histórias do livrinho sobre os mártires que li naqueles tempos e me deixou com esse carinho por eles.

Até me inspirou a ir para o Seminário, no ano seguinte, 1947, lembro-me, sim. Se não me ordenei, perdoem-me os mártires. Mas continuo gostando deles, particularmente desses de minha terra potiguar. E brasileira, para alegria de todos nós.

No Seminário, na hora do almoço, quando não havia "Deo Gratias", ou seja, nos dias comuns em que não falávamos às refeições, ouvíamos sempre um trecho do Martirológio.

Não digo, porém, que não desejássemos uma quebra da rotina e que o Reitor nos dissesse: "Deo Gratias". Então, abríamos a boca no mundo. A tanto não chegara a nossa perfeição.

O que digo é que a história dos mártires é a melhor apologética de nossa Igreja, e entre as muitíssimas histórias, por exemplo, a do martírio da Virgem de Siracusa:

"Virgem mártir, invicta heroina, intercede por nós ao Senhor,
e nas lutas da vida presente dai-nos fé, esperança e amor"

Se vocês não estão vendo a beleza desses dois versos soltos, é porque não estão ouvindo a melodia como cantada nas Festas de nossa Padroeira Santa Luzia...