A Palavra de Deus nos ensina que somente aqueles que estão puros, ou seja justificados, podem herdar a vida eterna e consequentemente terem acesso à visão beatífica de Deus (Sl 14; Hb 12,22-23; Mt 5,8). Infelizmente, também é verdade, pouquíssimos cristãos partem desta vida totalmente reconciliados com Deus e com os irmãos. O Senhor vem então, em socorro de nossas fraquezas, com sua misericórdia, permitindo que aqueles que estão destinados ao céu, ou seja que procuraram pautar suas vidas pela mensagem e vivência evangélica, mas que ainda carregam em si algumas imperfeições e pecados, possam ser purificados, de algum modo, após a morte. O purgatório é portanto, uma exigência da razão e mesmo de caridade de Deus por nós. Hoje, infelizmente, muitos negam a realidade do purgatório, afirmando que o mesmo não se encontra na Bíblia. O termo "purgatório" não existe na Bíblia, mas a realidade, o conceito doutrinário deste lugar de purificação existe. Examinemos:
O pecado contra o Espírito Santo, ou seja a pessoa que recusa de todas as maneiras os caminhos da salvação, não será perdoado nem neste mundo, nem no mundo futuro. Acena o Senhor Jesus neste trecho implicitamente, que há pecados que serão perdoados no mundo futuro, i.é, após a morte. Ver também Mc 3,29.
Nesta parábola, o administrador é o ministro da Igreja (quatro versículos acima Pedro pergunta ao mestre: "Senhor é para nós que estás contando esta parábola?", ao que Jesus responde: "Qual é então Pedro, o administrador fiel que o Senhor constituirá sobre todo o seu pessoal?"). Pois bem, o ministro de Deus que for infiel, receberá a visita do seu Senhor "no dia em que não o esperar" (dia de sua morte). E o Senhor o "mandará ao destino dos infiéis" (Inferno). Porém a parábola acena que haverá outros tipos de administradores, e outros tipos de destino. Aquele que conhece a vontade de Deus mas não se preparou como convinha para a sua volta, será açoitado "com numerosos golpes". Aquele que ignora a vontade de seu Senhor e fizer coisas repreensíveis, será açoitado com "poucos golpes". Portanto após a morte dos administradores da casa de Deus, uns serão condenados ao inferno, outros serão punidos, uns mais, outros menos, conforme o merecimento de cada um, mas não compartilharão o "destino dos infiéis". Após a morte, portanto, haverá de haver algum lugar ou "estado" onde os administradores pouco fiéis haverão de ser purificados.
Nesta parábola, o Senhor Jesus ensina que, enquanto estivermos nesta vida, devemos ter sempre uma atitude de reconciliação com os nossos irmãos de caminhada. Devemos sempre entrar "em acordo" com o próximo, pois caso contrário, ao fim da vida seremos entregues ao juiz (Deus), que por sua vez nos entregará ao executor (seu anjo) e este nos colocará na prisão (purgatório); dali não sairemos até termos pago à justiça divina toda nossa dívida, "até o último centavo". Mas um dia haveremos de sair. A condenação neste caso não é eterna. Ver também Mt 5,21-26 e 18,23-35.
Jesus nos ensina que a ira contra nossos irmãos e as ofensas que a eles fizermos, merecem toda a reprovação por parte do Pai celeste. Ao chamarmos nosso irmão de "louco" teremos de responder na geena de fogo. O fogo sempre foi, em todos os tempos, e também na Bíblia um símbolo de purificação. Evidente que ninguém é condenado ao inferno para todo o sempre, somente porque chamou o seu próximo de "louco" (senão todos estaríamos condenados). A chave deste ensinamento se encontra na conclusão deste discurso de Jesus: serás lançado na prisão (nesta "geena de fogo"), e dali não se sai "enquanto não pagar o último centavo".
Paulo fala dos pregadores do Evangelho, que haveriam de edificar a Igreja sobre os alicerces lançados por ele durante suas viagens missionárias. Uns edificariam com muito zêlo (com ouro, prata e pedras preciosas), outros seriam porém, pouco zelosos (edificando com madeira), outros seriam negligentes (edificando a Igreja com feno ou palha). De qualquer forma o "dia do Julgamento" demonstraria o que "vale o trabalho de cada um". Se a construção resistir, isto é se o ministro edificou com amor, "o construtor receberá a recompensa". Se o ministro foi pouco zeloso pela Igreja, "arcará com os danos". Porém ele será salvo apesar de tudo. Como? Sendo purificado, ou seja, "passando de alguma maneira através do fogo", isto é, após o dia do julgamento particular, alguns ministros de Deus deverão ser purificados devido ao pouco zêlo para com as coisas da Igreja de Deus.
Esta "prisão" ou "limbo dos antepassados", onde os espíritos dos antigos estavam presos, e onde Jesus Cristo foi pregar durante o Sábado Santo, é figura do purgatório. Com efeito, o texto menciona que Cristo foi pregar "àqueles que outrora, nos dias de Noé, tinham sido rebeldes". Temos, portanto, um lugar onde as almas dos antepassados aguardavam a salvação. Não é um lugar de tormento eterno, portanto não é o inferno. Não é um lugar de alegria eterna na presença de Deus, portanto ainda não é o céu. Mas é um lugar onde os espíritos aguardavam a salvação. Salvação e purificação comunicada pelo próprio Cristo. Por isto, declara o apóstolo, foi o "Evangelho pregado também aos mortos(...) para que vivam segundo Deus quanto ao espírito".
O general Judas Macabeu (160 aC), herói do povo judeu, faz uma grande coleta e a envia para Jerusalém, para que os sacerdotes ofereçam um sacrifício de expiação pelos pecados de alguns soldados mortos. Fica claro no texto que os judeus oravam pelos seus mortos e por eles ofereciam sacrifícios. Fica claro também que os sacerdotes hebreus já naquele tempo aceitavam e ofereciam sacrifícios em expiação dos pecados dos falecidos e que esta prática estava apoiada sobre a crença na ressurreição dos mortos. Subentende este texto que as almas dos soldados mortos estavam em algum local ou "estado" de purificação, pois se estivessem nos céus, as oração dos vivos eram desnecessárias, e se, por outro lado estivessem no inferno, toda oração seria inútil. E como o livro dos Macabeus pertence ao cânon dos livros inspirados, aqui também está uma base bíblica para a oração em favor dos falecidos.
Paulo cita aqui, uma prática cuja índole na verdade desconhecemos. Segundo alguns estudiosos, os primeiros cristãos preocupados com a sorte eterna de seus pais ou avós que não haviam conhecido o Evangelho e, consequentemente, não puderam ser batizados, praticavam algum rito ou oração para que seus parentes ganhassem de alguma forma a salvação, "batizando-se" no lugar deles. O apóstolo Paulo não condena este "batismo" pelos falecidos, antes, lança mão justamente dele como argumento precioso da fé dos cristãos na ressurreição geral dos mortos. De fato, esta prática demonstra a preocupação dos primeiros cristãos com relação à salvação de seus pais, antepassados e amigos, traduzida em algum rito ou oração pelos mortos, por nós hoje desconhecida.
etc... etc...
"Dá de boa vontade a todos os vivos, e não recuses este benefício a um morto" (Eclo 7,37).