A g n u s D e i

O PÃO DA VIDA
por: Maurício V. de Uzêda

"O Senhor alimentou o seu povo com a flor do trigo e com o mel do rochedo o saciou" (Sl 80,17).

Sim, Deus alimentou com o maná o seu povo peregrino, à caminho da terra prometida. Podemos ver quem é este povo à caminho, podemos entender qual é a terra prometida, mas não é tão simples entender bem o que significam as palavras de Cristo: "Não foi Moisés que vos deu o pão vindo do céu, mas meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão procedente do céu, pois o pão de Deus é o que desce do céu e dá a vida ao mundo. Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer deste pão viverá eternamente. O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo... pois minha carne é verdadeiramente comida e meu sangue é verdadeiramente bebida" (Jo 6,32-54).

Sim! Somos povo peregrino, Igreja militante, à caminho da terra definitiva. Isto é fácil de entender. Como entender, porém, que o pão vivo, o nosso maná, é verdadeiramente o corpo de Cristo? Quando a vista o tato e o gosto se põem a avaliar a presença de Cristo na Eucaristia, falham totalmente: vêem aparências externas; percebem a cor, o gosto, o odor, a forma, a quantidade. Falta-lhes o dado da fé1, que se apoia nas palavras de Jesus e na Tradição da Igreja (o legado dos ensinamentos dos apóstolos que se traduziu na vivência dos primeiros cristãos).

A Igreja ensina que Cristo se torna presente no pão e no vinho pela conversão de toda a substância do pão e do vinho no corpo e sangue de Cristo. Ficam as aparências sim, mas a substância, o ser, aquilo que a coisa é aos olhos do Criador2, passa a ser a substância do corpo e do sangue de Cristo. É por isso que a Igreja chama de Transubstanciação, o milagre à que assitimos durante a consagração. São necessários alguns conceitos de Filosofia e Teologia para conseguir uma pequena centelha de entendimento. Contentemo-nos com a fé que nos diz que Deus, que pode criar e aniquilar, pode também transformar uma coisa em outra.

Cristo está presente na Sagrada Eucaristia com o seu Corpo, com o seu Sangue, com a sua Alma e a sua Divindade. Vivo! Inteiro! Em cada mínima migalha de pão ou gotícula de vinho (por isso muitos preferem comungar direto na boca, para que não se perca uma só partícula. Como estamos cuidando da forma com que comungamos?) O sabemos bem, nós que tivemos a honra de cuidar do paninho usados pelos sacerdotes para limpar a patena e secar o cálice - o sanguíneo - repetindo por três vezes, com reverência e carinho, o ato de molhá-lo em água limpa e derramar a água em um vaso com flores!

Difícil entender o que Cristo fez? Não, se pensamos nos artifícios à que recorremos quando temos que partir, deixando alguém a quem amamos. Deixamos fotos, pedaços de cabelo, cartas, folhinhas e pétalas dentro de livros. O que faríamos se pudéssemos deixar um pedaço de nós mesmos, vivo? E se, como Deus que tudo pode, pudéssemos ir e ficar ao mesmo tempo? Pois é, Ele pode, Ele quer, e assim o faz.

Como nos trinta anos de sua vida com Maria, permanece oculto. "Prisioneiro do amor"3. Quando te aproximares do sacrário, pensa que Ele há vinte séculos te espera. Aí o tens: É Rei dos Reis, e Senhor de Senhores. Está escondido no pão. Humilhou-se até esse extremo por ti!4

Como cuidamos dEle em nossas igrejas? Passamos por elas sem visitá-lo? Como cuidamos dos objetos litúrgicos que entram em contato com Ele? Como é que o tratamos no sacrário? Como nos vestimos para ir ter com nosso Rei? Como é que o tratamos na comunhão, este momento tão especial? Temos a intimidade de quem o conhece pelas passagens do evangelho, pela oração, e pelos encontros assíduos na Eucaristia? Fazemos de nossa caminhada até o altar, e desde o altar, após recebermos a hóstia, uma verdadeira procissão? Reservamos um tempo suficiente para esta conversa íntima, mesmo após a Missa, sabendo que Ele permanece em nós até que nosso organismo deteriore as espécies sacramentais?

Vamos recorrer às palavras de São Tomás de Aquino após a comunhão, abraçados a nós mesmos, como que abraçando a quem carregamos conosco, aprofundando na adoração a Ele:

ADORO-VOS COM DEVOÇÃO, DEUS ESCONDIDO,
QUE SOB ESTAS APARÊNCIAS ESTAIS PRESENTE.
A VÓS SE SUBMETE MEU CORAÇÃO POR INTEIRO,
E AO CONTEMPLAR-VOS SE RENDE TOTALMENTE.

A VISTA, O TATO, O GOSTO, SOBRE VÓS SE ENGANAM,
MAS BASTA O OUVIDO PARA CRER COM FIRMEZA.
CREIO EM TUDO O QUE DISSE O FILHO DE DEUS,
NADA MAIS VERDADEIRO QUE ESTA PALAVRA DE VERDADE.

NA CRUZ ESTAVA OCULTA A DIVINDADE,
MAS AQUI SE ESCONDE TAMBÉM A HUMANIDADE;
CREIO, PORÉM, E CONFESSO UMA E OUTRA,
E PEÇO O QUE PEDIU O LADRÃO ARREPENDIDO.

NÃO VEJO AS CHAGAS COMO AS VIU TOMÉ,
MAS CONFESSO QUE SOIS O MEUS DEUS.
FAZEI COM QUE EU CREIA MAIS E MAIS EM VÓS,
QUE EM VÓS ESPERE, QUE VOS AME.

Ó MEMORIAL DA MORTE DO SENHOR!
PÃO VIVO QUE DAIS A VIDA AO HOMEM!
QUE A MINHA ALMA SEMPRE DE VÓS VIVA,
E QUE SEMPRE LHE SEJA DOCE O VOSSO SABOR.

BOM PELICANO*, SENHOR JESUS!
LIMPAI-ME A MIM IMUNDO, COM O VOSSO SANGUE,
SANGUE DO QUAL UMA SÓ GOTA
PODE SALVAR O MUNDO INTEIRO

JESUS, A QUEM AGORA CONTEMPLO ESCONDIDO,
ROGO-VOS QUE SE CUMPRA O QUE TANTO ANSEIO:
QUE AO CONTEMPLAR-VOS FACE A FACE,
SEJA EU FELIZ VENDO A VOSSA GLÓRIA. AMÉM.


(*)Obs.: baseado na lenda na qual os pelicanos ressuscitavam seus filhotes rasgando o próprio peito e dando-lhes o próprio sangue.
1"Falar com Deus", Francisco Fernadez Carvajal.
2Idem.
3Josemaria Escrivá de Balaguer.
4"Caminho", Josemaria Escrivá de Balaguer, ed. Quadrante.

Retornar