A g n u s D e i

A CAMINHO DA SANTIDADE
por: Maurício V. de Uzêda

Uma vida desligada de tudo o que é puramente material, dedicada a Deus e à sua glória, ao cumprimento de sua santa vontade, cada um dentro de sua vocação específica (leigos e religiosos), a intimidade com Deus: eis o fim a que estamos destinados. Mas qual o caminho que nos conduz a este fim?

Os autores espirituais costumam distinguir três caminhos ou vias na vida espiritual:

1. A via da Purificação
2. A Via da Iluminação
3. A via da união (unitiva), ou da perfeição

O início do caminho da purificação é cheio de entusiasmo e alegria. A alma descobriu o companheiro de sua alma. Cristo está constantemente em seus pensamentos e afazeres. As alegrias se tornam mais efusivas e as coisas dolorosas menos dolorosas. A princípio a alma acha um gosto extraordinário em todas as coisas exteriores que considera santificadas pela presença de Cristo: a organização humana da Igreja, as funções litúrgicas, a música, a união da comunidade,... Entra-se, então, por caminhos de generosidade para com as coisas de Deus e para com os outros, com um correspondente esquecimento próprio. É normal que muitos parem neste primeiro estágio da via da purificação, ou porque não têm orientação na confissão ou porque se dão por "satisfeitos"...

O que progride entra por caminhos de contrição pelas ofensas à Deus (próprias e alheias), a vontade de lutar contra os próprios defeitos e ganhar virtudes, e a preocupação por cumprir a vontade de Deus a cada instante do dia, numa busca por agradá-Lo mais e mais. Quando se avança na via da purificação a alma ganha delicadeza e sensibilidade, e aí costuma vir a desilusão com realidades desconcertantes: uma desunião na comunidade, a descoberta de defeitos humanos em um sacerdote, um escândalo qualquer, uma arbitrariedade por parte de um Bispo num assunto de governo da Diocese ... Esta alma descobre que há uma vertente humana associada às coisas divinas. Se trata-se de uma alma superficial, perderá a amizade que já tinha por Cristo ou procurará outra religião; mas há aquela que aprende a lição de que a divindade não está nas coisas terrenas, a verdadeira alegria não está em coisas exteriores. Esta continua no caminho, crescendo em delicadeza de alma e em vida interior.

Seguem-se as desilusões interiores: a constatação da falta de força de vontade na luta contra os próprios defeitos, do medo ao sacrifício, do apego às coisas materiais, da falta de sensações e "recompensas" na oração e na comunhão... Se trata-se de uma alma orgulhosa, teremos então um desiludido, um amargo pessimista das coisas espirituais; há, entretanto, outra que, humilhando-se, aprende a lição de que deve desiludir-se de si mesma, entendendo que nada pode sozinha e que é um zero à esquerda. Enfrenta o fato de que deve ser Cristo quem deve por tudo. Começa então a conhecer sua ignorância e sua fragilidade, a descobrir o seu espantoso egocentrismo e a sua auto-complacência. Aprende a não esperar nada em reciprocidade e a esvaziar-se de si mesma. Vê que não há nela bem algum fora de Cristo, Ele deve ser tudo e ela nada. Ainda aqui, há o risco de desistir de prosseguir por causa de uma falsa humildade que a leva ao convencimento de que não merece avançar. A alma verdadeiramente humilde confirma-se na via da purificação e se lança à uma nova via, a da Iluminação.

A alma que está despojando-se do homem velho deve agora revestir-se do homem novo.

O primeiro estágio da via iluminativa consiste na luz que o Senhor concede à alma para compreender qual o real valor das coisas exteriores (as coisas agradáveis e também as contrariedades, os obstáculos, os defeitos das pessoas, a arbitrariedades, as tentações, um espinho que nos atazana a vida...). Ela vê que nunca adquirirá a paciência, a compaixão, a grandeza de coração se não tiver sempre ao lado alguém ou algo que a leve a praticar estas virtudes. É por meio das contrariedades e das tribulações que a alma aprende a aderir totalmente a vontade de Deus e a descansar somente nEle. A alma passa a aceitar estas situações de modo tão claro, que deixa de rebelar-se contra elas, considerando-as como manifestações da vontade divina.

A segunda fase consiste na luz que Deus concede à alma sobre as coisas espirituais, e, principalmente, sobre as verdades da fé. Quando acontece esta iluminação, ocorre uma mudança assombrosa. Não é mais como a alma que carrega a arca da fé sem nunca abri-la, não é como a alma que adere às verdades da fé, vive seus efeitos e conseqüências mas não consegue relacionar os fatos naturais corriqueiros com esta fé. Se, por graça divina, persevera nesta rota, procurando aprofundar-se cada vez mais na boa doutrina, buscando as fontes seguras da tradição da Igreja (evitando os levianos e os desorientados), poderá chegar mesmo a experimentar as claras intuições própria dos Santos.

É neste ponto que a amizade divina se torna objeto de verdadeiro conhecimento e contemplação. A alma não somente goza dessa amizade, mas também a percebe e compreende. É o que se chama de "contemplação ordinária", que consiste numa forte consciência da presença de Deus. Cristo passa a ser a luz que irradia cada objeto de atenção da alma; todas as coisas passam a ser vistas através dEle. A alma atinge um alto grau de vida interior (o que não supõe nenhum tipo de alienação: na via da purificação a alma aprendeu que a vida interior pressupõe o exercício de todas as virtudes humanas nas atividades cotidianas - trabalho, estudo, relações familiares, vida política,etc... - cada um dentro de seu estado e vocação específica). A alma goza da real intimidade com Deus.

O perigo deste estágio é o orgulho extremado e embriagante. A alma corre o risco de se julgar perfeita e digna desta intimidade. Costuma acontecer que os bem formados e esclarecidos imaginem que a voz interior deva sobrepor-se à exterior e considerem-se mais capazes de interpretar a Igreja do que a própria Igreja. Já repararam que todas as heresias e todas as seitas procederam de algum amigo dileto de Cristo? Praticamente todos desfrutaram de um alto grau de vida interior. Paralelamente ao crescimento da vida interior é imprescindível que haja também um crescimento na devoção e na submissão à voz exterior com que Cristo nos fala na sua Igreja. É muito difícil distinguir a diferença entre as inspirações do Espírito Santo e as aspirações e imaginações pessoais. Quanto mais intensa for a vida interior, quanto mais luzes receber, tanto mais deve sentir necessidade da mão forte da Igreja.

O aprofundamento nesta última via, a consolidação das duas, nos leva à terceira via, a unitiva, aquela que experimentaram os Santos e que também devemos percorrer. Aqui Deus se compraz desta alma e a invade.

Este caminho da amizade com Cristo é algo pessoal e irrepetível e nem sempre é retilíneo, não só porque Deus pode queimar etapas ou mudar a ordem segundo seus desígnios, mas também porque depende das disposições de cada alma. O que importa é saber que é necessário dar todos estes passos, com ânimo, humildade e espírito de superação, até o fim da vida. Eis aqui o bom combate.


Adaptação do livro "A amizade com Cristo", Robert Hugh Benson, ed. Quadrante.

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