A g n u s D e i

ATEANDO FOGO
por: Maurício Uzêda

Se a nossa vida interior for autêntica, mediante o trato íntimo com Deus na oração e nos sacramentos, traduzir-se-á necessariamente em quatro realidades concretas:

  1. Na luta pelo perfeito cumprimento de nossas obrigações familiares, profissionais e sociais;
  2. Em obras de misericórdia espirituais ou materiais, conforme as circunstâncias de cada um;
  3. Na colaboração em tarefas de educação que dão uma visão cristã da vida;
  4. Em ações apostólicas intensas através da amizade e dos vínculos familiares.
Ouvimos falar em coerência de vida aplicada às nossas atividades cotidianas. Ouvimos falar diária e intensamente na importância das obras de misericórdia; ouvimos insistentes apelos de ajuda nas atividades de formação em nossas comunidades (catequese, preparação para Crisma, curso de noivos...); mas quando será que ouvimos falar em apostolado de uma forma concreta? Digo concreta porque o termo evangelização, de que tanto temos ouvido falar, ainda parece um termo genérico que pode ser aplicado às atividades de formação, simplesmente, deixando de lado o mais importante significado do termo apostolado: conversão, reconversão, resgate, chamada.

O termo apostolado era usado pelos apóstolos e pelos primeiros cristãos. Convertiam seus amigos e parentes à fé em Cristo. Arrastavam as almas com o exemplo de uma vida reta e consolidada. Atraíam os outros pelo magnetismo que irradia de uma alma que se transforma, pela Graça, na imagem do próprio Cristo.

O que se espera hoje de nós, leigos, quando se fala em evangelização? Será que o que se espera de nós é que saiamos, dois a dois, de porta em porta, nas praças, a anunciar em voz alta a boa nova e o chamado à salvação? Será que o que se espera é somente o trabalho dentro das paróquias? Precisamos nos questionar! O que buscamos quando falamos em evangelização? Que meios empregamos? O que esperar de uma evangelização que não se fundamenta na chama do amor à Cristo transmitida pelo Espírito Santo a uma alma em estado de Graça? O que esperar de uma evangelização que não parte da força da amizade e da intimidade com Cristo incrementadas na Eucaristia e na oração, e enraizadas numa forte base doutrinal? O que esperar de uma evangelização que não busca ajuda através da oração e da mortificação? O que esperar de uma ação apostólica que não se fundamenta no exemplo, na amizade e na confidência?

Nosso apostolado deve se dirigir primeiro àqueles a quem Deus pôs em nosso caminho: na família, no trabalho, na escola, nossos parentes e nossos amigos. Nossa preocupação pelas almas tem que nos levar a procurar a amizade, a intimidade, com aqueles com quem convivemos. É preciso procurar fazer o que o amigo faz, estar onde o amigo está, e não simplesmente arrastá-lo para as nossas atividades. Este é o primeiro passo: fazer-se presente, ajudar, participar, cativar. E então, sendo homens e mulheres que dão exemplo de unidade entre vida e fé, que transmitem força de caráter e alegria de vida, suscitamos o interesse pelos nossos princípios, provocando na alma amiga a quebra de suas resistências. Só a verdadeira amizade faz com que uma alma procure confidenciar seus problemas, suas angústias e suas dúvidas. É chegada a hora de falar da nossa vida em Cristo, mostrando a razão da nossa firmeza e do nosso calor. Ë nessa hora que o coração do amigo se abre e permite que comuniquemos a ele a chama do amor à Cristo que nos abrasa. À quebra da resistência inicial segue-se a inclinação da vontade, que leva à conversão, o desejo de trilhar este mesmo caminho. Este é um processo lento que deve se consolidar através de uma amizade sincera, de um verdadeiro apostolado. Só então, depois da conversão, é chegada a hora da evangelização: transmitir doutrina. Só assim seremos fermento na massa! Só assim estaremos ateando o fogo que Cristo veio trazer.

Se alguma vez notarmos que a salvação das almas não nos preocupa, que as almas dos outros não nos pesam, que o seu afastamento de Deus nos deixa indiferentes, que suas necessidades espirituais não provocam uma reação na nossa alma, isso seria sinal de que a nossa caridade esfriou1.

Fogo vim trazer à terra, e que quero senão que arda?

Temos o dever e o direito de intervir e influir na vida dos outros, sim, porque em todos nós circula a mesma vida de Cristo. Se um membro adoece, ou fica anêmico, ou está aponto de morrer, todo o corpo se ressente. Não somos todos um em Cristo?2 Temos que atear o fogo na alma daqueles que se afastaram de Deus ou ainda não o conhecem plenamente. Os meios? Exemplo, vida interior (intimidade com Cristo), Graça que arrasta, amizade, confidência, oração, doutrina.

Quantas vezes, a mando de Jesus, não teremos de soltar os grilhões das almas, porque Ele necessitará delas para o seu triunfo! Que sejam de apóstolos as nossas mãos, e as nossas ações, e a nossa vida... Então Deus nos dará também graça de apóstolo, para quebrarmos os ferros agrilhoados3 de tantos que continuam atados enquanto Senhor espera. Compete a todos os cristãos a tarefa de prosseguir no mundo a obra de Cristo. E Jesus apressa-nos, pois "os homens são chamados à vida eterna. São chamados à salvação. Tendes consciência disso? Tendes consciência [...] de que todos os homens são chamados a viver com Deus ...?"4


    1Falar com Deus, Francisco Fernandez Carvajal, ed. Quadrante
    2Falar com Deus, Francisco Fernandez Carvajal, ed. Quadrante
    3Comentário ao Evangelho de São Lucas, Santo Ambrósio
    4João Paulo II, pregação em Lisboa

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