A g n u s D e i

CHRISTIFIDELES LAICI
João Paulo II
30.12.1988

II
TODOS RAMOS DA ÚNICA VIDEIRA
A participação dos fiéis leigos na vida da Igreja-Comunhão

O Mistério da Igreja-Comunhão

18. Ouçamos de novo as palavras de Jesus: « Eu sou a verdadeira videira e o meu Pai é o agricultor ... Permanecei em Mim e Eu em vós » (Jo 15, 1-4).

Nestas simples palavras é-nos revelada a misteriosa comunhão que vincula em unidade o Senhor e os discípulos, Cristo e os baptizados: uma comunhão viva e vivificante, pela qual os cristãos deixam de pertencer a si mesmos, tornando-se propriedade de Cristo, como as vides ligadas à videira.

A comunhão dos cristãos com Jesus tem por modelo, fonte e meta a mesma comunhão do Filho com o Pai no dom do Espírito Santo: unidos ao Filho no vínculo amoroso do Espírito, os cristãos estão unidos ao Pai.

Jesus prossegue: « Eu sou a videira e vós os ramos » (Jo 15, 5). Da comunhão dos cristãos com Cristo brota a comunhão dos cristãos entre si: todos são ramos da única Videira, que é Cristo. Para o Senhor Jesus esta comunhão fraterna é o maravilhoso reflexo e a misteriosa participação na vida íntima de amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Jesus reza por esta comunhão: « Que todos sejam um só, como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em nós, para que o mundo creia que Tu me enviaste » (Jo 17, 21).

Esta comunhão é o próprio mistério da Igreja, como nos recorda o Concílio Vaticano II na célebre frase de São Cipriano: « A Igreja universal aparece como "um povo unido pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo" ».(52) Para esse mistério da Igreja-Comunhão somos habitualmente chamados, quando, no início da celebração eucarística, o sacerdote nos recebe com a saudação do apóstolo Paulo: « A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós » (2 Cor 13, 13).

Depois de ter esboçado a « figura » dos fiéis leigos na sua dignidade, devemos agora reflectir sobre a sua missão e responsabilidade na Igreja e no mundo: mas estas só podem ser compreendidas de forma adequada no contexto vivo da Igreja-Comunhão.

O Concílio e a eclesiologia de comunhão

19. Esta é a idéia central que a Igreja deu de si no Concílio Vaticano II, como no-lo recorda o Sínodo extraordinário de 1985, celebrado a vinte anos do acontecimento conciliar: « A eclesiologia da comunhão é a idéia central e fundamental nos documentos do Concílio. A Koinonia-comunhão, fundada na Sagrada Escritura, é tida em grande honra na Igreja antiga e nas Igrejas orientais até aos nossos dias. Por isso, muito se tem feito desde o Concílio Vaticano II para que a Igreja como comunhão seja entendida de maneira mais clara e traduzida de modo mais concreto na vida. Que significa a complexa palavra "comunhão"? Trata-se fundamentalmente de comunhão com Deus por Jesus Cristo no Espírito Santo. Tem-se esta comunhão na Palavra de Deus e nos Sacramentos. O Baptismo é a porta e o fundamento da comunhão na Igreja. A Eucaristia é a fonte e o ápice de toda a vida cristã (cf. LG 11). A comunhão do corpo de Cristo eucarístico significa e produz, isto é, edifica a íntima comunhão de todos os fiéis no Corpo de Cristo que é a Igreja (1 Cor 10, 16) ».(53)

Logo a seguir ao Concílio, Paulo VI assim se dirigia aos fiéis: « A Igreja é uma comunhão. Que significa neste caso comunhão? Vamos ao parágrafo do catecismo que fala da sanctorum communionem, a comunhão dos santos. Igreja significa comunhão dos santos. E comunhão dos santos quer dizer uma dupla participação vital: a incorporação dos cristãos na vida de Cristo e a circulação dessa mesma caridade em todo o tecido dos fiéis, neste mundo e no outro. União a Cristo e em Cristo; e união entre os cristãos, na Igreja ».

As imagens bíblicas com que o Concílio se propôs introduzir-nos na contemplação do mistério da Igreja, realçam a realidade da Igreja-comunhão na sua inseparável dimensão de comunhão dos cristãos com Cristo e de comunhão dos cristãos entre si. São as imagens do redil, do rebanho, da videira, do edifício espiritual, da cidade santa.(55) É sobretudo a imagem do corpo apresentada pelo apóstolo Paulo, cuja doutrina brota fresca e atraente em tantas páginas do Concílio.(56) Por sua vez, o Concílio reportando-se à história inteira da salvação, volta a propor a imagem da Igreja como Povo de Deus: « Aprouve a Deus salvar e santificar os homens, não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em povo que O reconhecesse na verdade e O servisse santamente ».(57) Já nas suas primeiras linhas, a Constituição Lumen gentium compendia de forma admirável essa doutrina, ao escrever: « A Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou seja, o sinal e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano ».(58)

A realidade da Igreja-Comunhão é, pois, parte integrante, representa mesmo o conteúdo central do « mistério », ou seja, do plano divino da salvação da humanidade. Por isso, a comunhão eclesial não pode ser adequadamente interpretada, se é entendida como uma realidade simplesmente sociológica e psicológica. A Igreja-Comunhão é o povo « novo », o povo « messiânico », o povo que « tem por cabeça Cristo ... por condição a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus... por lei o novo mandamento de amar como o próprio Cristo nos amou... por fim o Reino de Deus... (e é) constituído por Cristo numa comunhão de vida, de caridade e de verdade ».(59) Os laços que unem os membros do novo Povo entre si — e antes de mais com Cristo — não são os da « carne » e do « sangue », mas os do espírito, mais precisamente, os do Espírito Santo, que todos os baptizados recebem (cf. Jl 3, 1).

Com efeito, aquele Espírito que desde a eternidade vincula a única e indivisa Trindade, aquele Espírito que « na plenitude do tempo » (Gal 4, 4) une indissoluvelmente a carne humana ao Filho de Deus, esse mesmo e idêntico Espírito torna-se, ao longo das gerações cristãs, a fonte ininterrupta e inesgotável da comunhão na Igreja e da Igreja.

Uma comunhão orgânica: diversidade e complementariedade

20. A comunhão eclesial configura-se, mais precisamente, como uma comunhão « orgânica », análoga à de um corpo vivo e operante: ela, de facto, caracteriza-se pela presença simultânea da diversidade e da complementariedade das vocações e condições de vida, dos ministérios, carismas e responsabilidades. Graças a essa diversidade e complementariedade, cada fiel leigo encontra-se em relação com todo o corpo e dá-lhe o seu próprio contributo.

Sobre a comunhão orgânica do Corpo místico de Cristo insiste com muita ênfase o apóstolo Paulo, cuja doutrina tão rica podemos reencontrar na síntese que o Concílio esboçou: Jesus Cristo — lemos na Constituição Lumen gentium —, « comunicando o Seu Espírito, fez dos Seus irmãos, chamados de entre todos os povos, como que o Seu Corpo místico. Nesse corpo a vida de Cristo difunde-se nos crentes... Como todos os membros do corpo humano, apesar de serem muitos, formam no entanto um só corpo, assim também os fiéis em Cristo (cf. 1 Cor 12, 12). Também na edificação do Corpo de Cristo existe diversidade de membros e de funções.

É um mesmo Espírito que distribui os Seus vários dons segundo a Sua riqueza da Igreja (cf. 1 Cor 12, 1-11). Entre estes dons, sobressai a graça dos Apóstolos, a cuja autoridade o mesmo Espírito submete também os carismáticos (cf. 1 Cor 14). O mesmo Espírito, unificando o corpo por Si e pela Sua força e pela conexão interna dos membros, produz e promove a caridade entre os fiéis. Daí que, se algum membro padece, todos os membros sofrem juntamente (cf. 1 Cor 12, 26) ».60

É sempre o único e idêntico Espírito o princípio dinâmico da variedade e da unicidade na e da Igreja. Lemos de novo na Constituição Lumen gentium: « E para que sem cessar nos renovemos n'Ele (Cristo) (cf. Ef 4, 23), deu-nos do Seu Espírito, o qual, sendo um e o mesmo na cabeça e nos membros, unifica e move o corpo inteiro, a ponto de os Santos Padres compararem a Sua acção à que o princípio vital, ou alma, desempenha no corpo humano ».61 E numa outra passagem, particularmente densa e preciosa para podermos compreender a « organicidade » própria da comunhão eclesial, também no seu aspecto de constante crescimento para a comunhão perfeita, o Concílio escreve: « O Espírito habita na Igreja e nos corações dos fiéis, como num templo (cf. 1 Cor 3, 16; 6, 19) e dentro deles ora e dá testemunho da adopção de filhos (cf. Gal 4, 6; Rom 8, 15-16. 26). A Igreja, que Ele conduz à verdade total (cfr. Jo 16, 13) e unifica na comunhão e no ministério, enriquece-a Ele e guia-a com diversos dons hierárquicos e carismáticos e adorna-a com os Seus frutos (cf. Ef 4, 11-12; 1 Cor 12, 4; Gal 5, 22). Pela força do Evangelho rejuvenesce a Igreja e renova-a continuamente e leva-a à união perfeita com o seu Esposo. Porque o Espírito e a Esposa dizem ao Senhor Jesus: "Vem!" (cf. Ap 22, 17) ».(62)

A comunhão eclesial é, portanto, um dom, um grande dom do Espírito Santo, que os fiéis leigos são chamados a acolher com gratidão e, ao mesmo tempo, a viver com profundo sentido de responsabilidade. Isso é concretamente realizado através da sua participação na vida e na missão da Igreja, a cujo serviço os fiéis leigos colocam os seus variados e complementares ministérios e carismas.

O fiel leigo « não pode nunca fechar-se em si mesmo, isolando-se espiritualmente da comunidade, mas deve viver num contínuo intercâmbio com os outros, com um vivo sentido de fraternidade, na alegria de uma igual dignidade e no empenho em fazer frutificar ao mesmo tempo o imenso tesouro recebido em herança. O Espírito do Senhor dá-lhe, como aos outros, múltiplos carismas, convida-o a diferentes ministérios e funções, recorda-lhe, como também recorda aos outros em relação a ele, que tudo o que o distingue não é um suplemento de dignidade, mas uma especial e complementar habilitação para o serviço... Deste modo os carismas, os ministérios, as funções e os serviços do fiel leigo existem na comunhão e para a comunhão. São riquezas complementares em favor de todos, sob a sábia orientação dos Pastores ».(63)

Os Ministérios e os carismas, dons do Espírito à Igreja

21. O Concílio Vaticano II apresenta os ministérios e os carismas como dons do Espírito Santo em ordem à edificação do Corpo de Cristo e à Sua missão de salvação no mundo.64 A Igreja, com efeito, é dirigida e guiada pelo Espírito que distribui diversos dons hierárquicos e carismáticos a todos os baptizados, chamando-os a ser, cada qual a seu modo, activos e corresponsáveis.

Vamos agora considerar os ministérios e os carismas em referência directa aos fiéis leigos e à sua participação na vida da Igreja-Comunhão.

Ministérios, ofícios e funções

Os ministérios presentes e operantes na Igreja são todos, embora de diferentes modalidades, uma participação no mesmo ministério de Jesus Cristo, o bom Pastor que dá a vida pelas Suas ovelhas (cf. Jo 10, 11), o servo humilde e totalmente sacrificado para a salvação de todos (cf. Mc 10, 45). Paulo é sobremaneira explícito sobre a constituição ministerial das Igrejas apostólicas. Na Primeira Carta aos Coríntios escreve: « Alguns, Deus estabeleceu na Igreja em primeiro lugar como apóstolos, em segundo lugar como profetas, em terceiro lugar como mestres ... » (1 Cor 12, 28). Na Carta aos Efésios lemos: « A cada um de nós foi dada a graça segundo a medida do dom de Cristo ... A uns, Ele constituiu apóstolos; a outros, profetas; a outros evangelistas, pastores, doutores, para o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para a edificação do Corpo de Cristo, até que cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao estado de homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo » (Ef 4, 7.11-13; cf. Rom 12, 4 8). Como resulta destes e de outros textos do Novo Testamento, os ministérios, bem como os dons e as funções eclesiais, são variados.

Os ministérios derivados da Ordem

22. Na Igreja encontramos, em primeiro lugar, os ministérios ordenados, isto é, os ministérios que derivam do sacramento da Ordem. O Senhor Jesus, com efeito, escolheu e instituiu os Apóstolos — semente do Povo da nova Aliança e origem da sagrada Hierarquia,65 com o mandato de fazer discípulos de todas as gentes (cf. Mt 28, 19), de formar e de guiar o povo sacerdotal. A missão dos Apóstolos, que o Senhor Jesus continua a confiar aos pastores (Bispos, Presbíteros, Diáconos) do Seu povo, é um verdadeiro serviço, a que a Sagrada Escritura significativamente denomina « diakonia », isto é, serviço, ministério. Os ministros recebem de Cristo Ressuscitado o carisma do Espírito Santo, na ininterrupta sucessão apostólica, através do sacramento da Ordem: d'Ele recebem a autoridade e o poder sagrado para servirem a Igreja, agindo « in persona Christi Capitis » (66) (na pessoa de Cristo Cabeça) e reuni-la no Espírito Santo por meio do Evangelho e dos Sacramentos.Os ministérios ordenados, antes de o serem para aqueles que os recebem, são uma imensa graça para a vida e para a missão da Igreja inteira. Exprimem e realizam uma participação no sacerdócio de Jesus Cristo que se diferencia, não só em grau mas também em essência, da participação dada no Baptismo a todos os fiéis. Por outro lado, o sacerdócio ministerial, como recordou o Concílio Vaticano II, é essencialmente finalizado no sacerdócio real de todos os fiéis e para ele ordenado.(67)

Por isso, a fim de assegurar e de aumentar a comunhão na Igreja, em especial no âmbito dos diversos e complementares ministérios, os pastores devem reconhecer que o seu ministério é radicalmente ordenado para o serviço de todo o Povo de Deus (cf. Heb 5, 1),e os fiéis leigos, pela sua parte, devem reconhecer que o sacerdócio ministerial é absolutamente necessário para a sua vida e para a sua participação na missão da Igreja.(68)

Ministérios ofícios e funções dos leigos

23. A missão salvífica da Igreja no mundo realiza-se, não só pelos ministros, que o são em virtude do sacramento da Ordem, mas também por todos os fiéis leigos: estes, com efeito, por força da sua condição baptismal e da sua vocação específica, na medida própria e cada um, participam no múnus sacerdotal, profético e real de Cristo.

Por isso, os pastores devem reconhecer e promover os ofícios e as funções dos fiéis leigos, que têm o seu fundamento sacramental no Baptismo e na Confirmação, bem como, para muitos deles, no Matrimónio.

E, quando a necessidade ou a utilidade da Igreja o pedir, os pastores podem, segundo as normas estabelecidas pelo direito universal, confiar aos fiéis leigos certos ofícios e certas funções que, embora ligadas ao seu próprio ministério de pastores, não exigem, contudo, o carácter da Ordem. O Código de Direito Canónico escreve: « Onde as necessidades da Igreja o aconselharem, por falta de ministros, os leigos, mesmo que não sejam leitores ou acólitos, podem suprir alguns ofícios, como os de exercer o ministério da palavra, presidir às orações litúrgicas, conferir o Baptismo e distribuir a Sagrada Comunhão, segundo as prescrições do direito ».(69) Todavia, o exercício de semelhante tarefa não transforma o fiel leigo em pastor: na realidade, o que constitui o ministério não é a tarefa, mas a ordenação sacramental. Só o sacramento da Ordem confere ao ministro ordenado uma peculiar participação no ofício de Cristo, Chefe e Pastor, e no Seu sacerdócio eterno.(70) A tarefa que se exerce como suplente recebe a sua legitimidade, formalmente e imediatamente, da delegação oficial que lhe dão os pastores e, no seu exercício concreto, submete-se à direcção da autoridade eclesiástica.(71)

A recente Assembleia sinodal perspectivou um vasto e significativo panorama da situação eclesial acerca dos ministérios, ofícios e funções dos baptizados. Os Padres manifestaram vivo apreço pelo notável contributo apostólico dos fiéis leigos, homens e mulheres, pelos seus carismas e por toda a sua acção em favor da evangelização, da santificação e da animação cristã das realidades temporais. Ao mesmo tempo, foi muito apreciado o seu serviço ordinário nas comunidades eclesiais e a sua generosa disponibilidade para a suplência em situações de emergência e de necessidades crónicas.(72)

Na sequência da renovação litúrgica promovida pelo Concílio, os próprios fiéis leigos, tomando mais viva consciência das tarefas que lhes pertencem na assembleia litúrgica e na sua preparação, tornaram-se largamente disponíveis no seu desempenho: a celebração litúrgica, com efeito, é uma acção sagrada, não só do clero, mas de toda a assembleia. É, portanto, natural que as tarefas que não são exclusivas dos ministros ordenados, sejam desempenhadas pelos fiéis leigos.(73) Torna-se assim espontânea a passagem de um efectivo envolvimento dos fiéis leigos na acção litúrgica para o anúncio da Palavra de Deus e para a cura pastoral.(74)

Na mesma Assembleia sinodal, porém, não faltaram, ao lado dos positivos, pareceres críticos sobre o uso indiscriminado do termo « ministério », a confusão e o nivelamento entre sacerdócio comum e sacerdócio ministerial, a pouca observância de leis e normas eclesiásticas, a interpretação arbitrária do conceito de « suplência », uma certa tolerância por parte da própria autoridade legítima, a « clericalização » dos fiéis leigos e o risco de se criar de facto uma estrutura eclesial de serviço, paralela à fundada no sacramento da Ordem.

Precisamente para obviar tais perigos, os Padres sinodais insistiram na necessidade de serem expressas com clareza, até na própria terminologia,(75) quer a unidade de missão da Igreja, em que participam todos os baptizados, quer a diversidade substancial do ministério dos pastores, radicado no sacramento da Ordem, em relação com os outros ofícios e as outras funções eclesiais, radicados nos sacramentos do Baptismo e da Confirmação.

É, pois, necessário, em primeiro lugar, que os pastores, ao reconhecer e ao conferir aos fiéis leigos os vários ministérios, ofícios e funções, tenham o máximo cuidado em instrui-los sobre a raiz baptismal destas tarefas. Igualmente, os pastores deverão zelar para que se evite um recurso fàcil e abusivo a presumíveis « situações de emergência » ou de « necessária suplência », onde objectivamente não existam ou onde é possível remediar com uma programação pastoral mais racional.

Os vários ofícios e funções que os fiéis leigos podem legitimamente desempenhar na liturgia, na transmissão da fé e nas estruturas pastorais da Igreja, deverão ser exercidos em conformidade com a sua específica vocação laical, diferente da dos ministros sagrados. Nesse sentido, a Exortação Evangelii nuntiandi, que teve tanto e tão benéfico mérito em estimular a diversificada colaboração dos fiéis leigos na vida e na missão evangelizadora da Igreja, lembra que « o campo próprio da sua actividade evangelizadora é o mesmo mundo vasto e complicado da política, da realidade social e da economia, como também o da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos "mass-media" e, ainda, outras realidades abertas para a evangelização, como sejam, o amor, a família, a educação das crianças e dos adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento. Quantos mais leigos houver impregnados do Evangelho, responsáveis em relação a tais realidades e comprometidos claramente nas mesmas, competentes para as promover e conscientes de que é necessário fazer desabrochar a sua capacidade cristã, muitas vezes escondida e asfixiada, tanto mais essas realidades, sem nada perderem ou sacrificarem do próprio coeficiente humano, mas patenteando uma dimensão transcendente para o além, não raro desconhecida, se virão a encontrar ao serviço da edificação do Reino de Deus e, por conseguinte, da salvação em Jesus Cristo ».(76)

Durante os trabalhos do Sínodo, os Padres dedicaram bastante atenção ao Leitorado e ao Acolitado. Enquanto, no passado, eles existiam na Igreja Latina apenas como etapas espirituais do itinerário para os ministérios ordenados, com o Motu Próprio de Paulo VI, Ministeria quaedam (15 de Agosto de 1972) eles adquiriram uma própria autonomia e estabilidade, bem como uma sua possível destinação aos próprios fiéis leigos, se bem que exclusivamente para os homens. No mesmo sentido se expressou o novo Código de Direito Canónico.(77) Agora, os Padres sinodais manifestaram o desejo de que « o Motu Próprio " Ministeria quaedam " fosse revisto, tendo em conta o uso das Igrejas locais e sobretudo indicando os critérios segundo os quais se devam escolher os destinatários de cada ministério ».(78)

Em tal sentido foi constituida expressamente uma comissão, não só para responder a este desejo manifestado pelos Padres sinodais, mas tambem e ainda mais para estudar de modo aprofundado os diversos problemas teológicos, litúrgicos, jurídicos e pastorais levantados pelo actual grande florescimento de ministérios confiados aos fiéis leigos.

Esperando que a Comissão conclua o seu estudo, para que a praxe eclesial dos ministérios confiados aos fiéis leigos resulte ordenada e frutuosa, deverão ser fielmente respeitados por todas as Igrejas particulares os princípios teológicos atrás recordados, em particular a diversidade essencial entre o sacerdócio ministerial e o sacerdócio comum e, consequentemente, a diversidade entre os ministérios derivados do Sacramento da Ordem e os ministérios derivados dos sacramentos do Baptismo e da Confirmação.

Os carismas

24. O Espírito Santo, ao confiar à Igreja-Comunhão os diversos ministérios, enriquece-a com outros dons e impulsos especiais, chamados carismas. Podem assumir as mais variadas formas, tanto como expressão da liberdade absoluta do Espírito que os distribui, como em resposta às múltiplas exigências da história da Igreja. A descrição e a classificação que os textos do Novo Testamento fazem desses dons são um sinal da sua grande variedade: « A manifestação do Espírito é dada a cada um para proveito comum. A um, o Espírito dá uma palavra de sabedoria; a outro, uma palavra de ciência, segundo o mesmo Espírito; a outro, a fé, no mesmo Espírito; a outro, o dom das curas, nesse único Espírito; a outro, o operar milagres; a outro, a profecia; a outro, o descernimento dos espíritos; a outro, o falar diversas línguas e a outro ainda o interpretar essas línguas » (1 Cor 12, 7-10; cfr. 1 Cor 12, 4-6.28-31; Rom 12, 6-8; 1 Ped 4, 10-11).

Os carismas, sejam extraordinários ou simples e humildes, são graças do Espírito Santo que têm, directa ou indirectamente, uma utilidade eclesial, ordenados como são à edificação da Igreja, ao bem dos homens e às necessidades do mundo.

Também aos nossos dias não falta o florescerer de diversos carismas entre os fiéis leigos, homens e mulheres. São dados ao indivíduo, mas também podem ser partilhados por outros e de tal modo perseveram no tempo como uma herança preciosa e viva, que gera uma afinidade espiritual entre as pessoas. Precisamente em referência ao apostolado dos leigos, o Concílio Vaticano II escreve: « Para exercerem este apostolado, o Espírito Santo, que opera a santificação do Povo de Deus por meio do ministério e dos sacramentos, concede também aos fiéis dons particulares (cfr. 1 Cor 12, 7), «distribuindo-os por cada um conforme Lhe apraz» (cfr. 1 Cor 12, 7-11), a fim de que "cada um ponha ao serviço dos outros a graça que recebeu", e todos actuem "como bons administradores da multiforme graça de Deus" (1 Ped 4, 10), para a edificação, no amor, do corpo todo (cfr. Ef 4, 6)».(79)

Na lógica da originária doação donde derivam, os dons do Espírito Santo exigem que todos aqueles que os receberam os exerçam para o crescimento de toda a Igreja, como no-lo recorda o Concílio.(80)

Os carismas devem ser recebidos com gratidão: tanto da parte de quem os recebe, como da parte de todos na Igreja. Com efeito, eles são uma especial riqueza de graça para a vitalidade apostólica e para a santidade de todo o Corpo de Cristo: uma vez que sejam dons verdadeiramente provenientes do Espírito e se exerçam em plena conformidade com os autênticos impulsos do Espírito. Nesse sentido, torna-se sempre necessário o discernimento dos carismas. Na verdade, como disseram os Padres sinodais, « a acção do Espírito Santo, que sopra onde quer, nem sempre é fácil de se descobrir e de se aceitar. Sabemos que Deus actua em todos os fiéis cristãos e estamos conscientes dos benefícios que provêm dos carismas, tanto para os indivíduos como para toda a comunidade cristã. Todavia, também temos consciência da força do pecado e dos seus esforços para perturbar e confundir a vida dos fiéis e da comunidade.(81)

Por isso, nenhum carisma está dispensado da sua referência e dependência dos Pastores da Igreja. O Concílio escreve com palavras claras: « O juízo acerca da sua (dos carismas) autenticidade e recto uso, pertence àqueles que presidem na Igreja e aos quais compete de modo especial não extinguir o Espírito, mas julgar tudo e conservar o que é bom (cfr. 1 Tes 5, 12 e 19-21),(82) de modo que todos os carismas concorram, na sua diversidade e complementariedade, para o bem comum.(83)

A partipação dos fiéis leigos na vida da Igreja

25. Os fiéis leigos participam na vida da Igreja, não só pondo em acção os seus ministérios e carismas, mas também de muitas outras formas.

Essa participação encontra a sua primeira e necessária expressão na vida e missão das Igrejas particulares, das Dioceses, nas quais « está verdadeiramente presente e actua a Igreja de Cristo, una, santa, católica e apostólica ».(84)

Igrejas particulares e Igreja Universal

Com vista a uma adequada participação na vida da Igreja, é absolutamente urgente que os fiéis leigos tenham uma ideia clara e precisa da Igreja particular na sua originária ligação com a Igreja universal. A Igreja particular não é o produto de uma espécie de fragmentação da Igreja universal, nem a Igreja universal resulta do simples somatório das Igrejas particulares; mas um laço vivo, essencial e perene as une entre si, enquanto a Igreja universal existe e se manifesta nas Igrejas particulares. Por isso, o Concílio afirma que as Igrejas particulares « são formadas à imagem da Igreja universal, das quais e pelas quais existe a Igreja católica, una e única ».(85)

O mesmo Concílio incita fortemente os fiéis leigos a viver operosamente a sua pertença à Igreja particular, assumindo simultaneamente um respiro cada vez mais « católico »: « Cultivem constantemente — lemos no Decreto sobre o apostolado dos leigos — o sentido da Diocese, de que a Paróquia é como que uma célula, e estejam sempre prontos, à voz do seu pastor, a juntar as suas forças às iniciativas diocesanas. Mas, para responder às necessidade das cidades e das regiões rurais, não confinem a sua cooperação aos limites da Paróquia ou da Diocese, mas esforcem-se por estendê-la ao âmbito interparoquial, interdiocesano, nacional ou internacional. Tanto mais que a crescente migração dos povos, o incremento de relações mútuas e a facilidade de comunicações já não permitem que parte alguma da sociedade permaneça fechada em si. Assim, devem interessar-se pelas necessidades do Povo de Deus disperso por toda a Terra ».(86)

O recente Sínodo pediu, nesse sentido, que se favorecesse a criação dos Conselhos Pastorais diocesanos, a que se deveria recorrer conforme as oportunidades. Trata-se, na verdade, da principal forma de colaboração e de diálogo, bem como de discernimento, a nível diocesano. A participação dos fiéis leigos nestes Conselhos poderá aumentar o recurso à consulta, e o princípio da colaboração — que em determinados casos também é de decisão — e encontrará uma aplicação mais vasta e mais incisiva.(87)

A participação dos fiéis leigos nos Sínodos diocesanos e nos Concílios particulares, provinciais ou plenários, está contemplada no Código de Direito Canónico; (88) poderá contribuir para a comunhão e para a missão eclesial da Igreja particular, tanto no seu próprio âmbito, como em relação com as demais Igrejas particulares da Província eclesiástica ou da Conferência Episcopal.

As Conferências Episcopais são chamadas a descobrir a forma mais oportuna de desenvolver, a nível nacional ou regional, a consulta e a colaboração dos fiéis leigos, homens e mulheres: assim se poderão examinar bem os problemas comuns e melhor se manifestará a comunhão eclesial de todos.(89)

A paróquia

26. A comunhão eclesial, embora possua sempre uma dimensão universal, encontra a sua expressão mais imediata e visível na Paróquia: esta é a última localização da Igreja; é, em certo sentido, a própria Igreja que vive no meio das casas dos seus filhos e das suas filhas.(90)

É necessário que todos redescubramos, na fé, a verdadeira face da Paróquia, ou seja, o próprio « mistério » da Igreja presente e operante nela: embora, por vezes, pobre em pessoas e em meios, e outras vezes dispersa em territórios vastíssimos ou quase desaparecida no meio de bairros modernos populosos e caóticos, a Paróquia não é principalmente uma estrutura, um território, um edifício, mas é sobretudo « a família de Deus, como uma fraternidade animada pelo espírito de unidade »,(91) é « uma casa de família, fraterna e acolhedora »,(92) é a « comunidade de fiéis ».(93) Em definitivo, a Paróquia está fundada sobre uma realidade teológica, pois ela é uma comunidade eucarística.(94) Isso significa que ela é uma comunidade idónea para celebrar a Eucaristia, na qual se situam a raiz viva do seu edificar-se e o vínculo sacramental do seu estar em plena comunhão com toda a Igreja. Essa idoneidade mergulha no facto de a Paróquia ser uma comunidade de fé e uma comunidade orgânica, isto é, constituída pelos ministros ordenados e pelos outros cristãos, na qual o pároco — que representa o Bispo diocesano — (95) é o vínculo hierárquico com toda a Igreja particular.

É deveras imenso o trabalho da Igreja nos nossos dias e, para realizá-lo, a Paróquia sozinha não pode bastar. Por isso, o Código de Direito Canónico prevê formas de colaboração entre paróquias no âmbito do território (96) e recomenda ao Bispo o cuidado de todas as categorias de fiéis, até das que não são atingidas pelo cuidado pastoral ordinário.(97)

De facto, muitos lugares e formas de presença e de acção são absolutamente necessários para levar a palavra e a graça do Evangelho às variadas condições de vida dos homens de hoje, e muitas outras funções de irradiação religiosa e de apostolado do ambiente, no campo cultural, social, educativo, profissional, etc., não podem ter como centro ou ponto de partida a Paróquia. Todavia, a Paróquia ainda hoje vive uma fase nova e prometedora. Como dizia Paulo VI, no início do seu Pontificado, dirigindo-se ao Clero romano: « Acreditamos simplemente que esta antiga a venerada estrutura da Paróquia tem uma missão indispensável de grande actualidade: pertence-lhe criar a primeira comunidade do povo cristão, iniciar e reunir o povo na expressão normal da vida litúrgica, conservar e reanimar a fé nas pessoas de hoje, dar-lhes a escola da doutrina salvadora de Cristo, praticar no sentir e na acção a humilde caridade das obras boas e fraternas ».(98)

Os Padres sinodais, por sua vez, debruçaram-se cuidadosamente sobre a situação actual de muitas paróquias, pedindo para elas uma mais decidida renovação: « Muitas Paróquias, tanto nas zonas urbanas como em terras de missão, não conseguem funcionar plena e efectivamente por falta de meios materiais ou de homens ordenados, ou também pela excessiva extensão geográfica e pela especial condição de alguns cristãos (como, por exemplo, os refugiados e os emigrantes). Para que tais Paróquias sejam verdadeiramente comunidades cristãs, as autoridades locais devem favorecer:

  1. a adaptação das estruturas paroquiais à ampla flexibilidade concedida pelo Direito Canónico, sobretudo ao promover a participação dos leigos nas responsabilidades pastorais;

  2. as pequenas comunidades eclesiais de base, também chamadas comunidades vivas, onde os fiéis possam comunicar entre si a Palavra de Deus e exprimir-se no serviço e no amor; estas comunidades são autênticas expressões da comunhão eclesial e centros de evangelização, em comunhão com os seus Pastores ... ».(99)

Para a renovação das paróquias e para melhor assegurar a sua eficácia operativa devem favorecer-se também formas institucionais de cooperação entre as diversas paróquias de um mesmo território.

O empenhamento apostólico na paróquia

27. Necessário se torna agora considerar mais de perto a comunhão e a participação dos fiéis leigos na vida da Paróquia. Nesse sentido deve chamar-se a atenção de todos os fiéis leigos, homens e mulheres, para uma observação tão verdadeira, significativa e estimulante, feita pelo Concílio: « No seio das comunidades da Igreja — lemos no Decreto sobre o apostolado dos leigos — a sua acção é tão necessária que, sem ela, o próprio apostolado dos pastores não pode conseguir, na maior parte das vezes, todo o seu efeito ».(100) Esta é uma afirmação radical que, evidentemente, deve ser vista à luz da « eclesiologia de comunhão »: sendo diferentes e complementares, os ministérios e os carismas são todos necessários para o crescimento da Igreja, cada um segundo a própria modalidade.

Os fiéis leigos devem convencer-se cada vez mais do particular significado que tem o empenhamento apostólico na sua Paróquia. É ainda o Concílio que com autoridade o sublinha: « A Paróquia dá-nos um exemplo claro de apostolado comunitário porque congrega numa unidade toda a diversidade humana que aí se encontra e insere essa diversidade na universalidade da Igreja. Habituem-se os leigos a trabalhar na Paróquia intimamente unidos aos seus sacerdotes, a trazer para a comunidade eclesial os próprios problemas e os do mundo e as questões que dizem respeito à salvação dos homens, para que se examinem e resolvam com o concurso de todos. Habituem-se a prestar auxílio a toda a iniciativa apostólica e missionária da sua comunidade eclesial na medida das próprias forças ».(101)

O acento posto pelo Concílio na análise e na solução dos problemas pastorais « com o contributo de todos » deve encontrar o seu progresso adequado e estruturado na valorização cada vez mais convicta, ampla e decidida, dos Conselhos pastorais paroquiais, nos quais justamente insistiram os Padres sinodais.(102)

Nas actuais circunstâncias, os fiéis leigos podem e devem fazer muitíssimo para o crescimento de uma autêntica comunhão eclesial no seio das suas paróquias e para o despertar do impulso missionário em ordem aos não crentes e, mesmo, aos crentes que tenham abandonado ou arrefecido a prática da vida cristã.

A Paróquia, sendo a Igreja colocada no meio das casas dos homens, vive e actua profundamente integrada na sociedade humana e intimamente solidária com as suas aspirações e os seus dramas. Frequentemente, o contexto social, sobretudo em certos países e ambientes, é violentemente sacudido por forças de desagregação e de desumanização: o homem pode encontrar-se perdido e desorientado, mas no seu coração permanece o desejo, cada vez maior, de poder sentir e cultivar relações mais fraternas e humanas. A resposta a esse desejo pode ser dada pela Paróquia, quando esta, graças à participação viva dos fiéis leigos, se mantém coerente com a sua originária vocação e missão: ser no mundo « lugar » da comunhão dos crentes e, ao mesmo tempo, « sinal » e « instrumento » da vocação de todos para a comunhão; numa palavra, ser a casa que se abre para todos e que está ao serviço de todos, ou, como gostava de dizer o Papa João XXIII, o fontanário da aldeia a que todos acorrem na sua sede.

Formas de participação na vida da Igreja

28. Os fiéis leigos, juntamente com os sacerdotes, os religiosos e as religiosas, formam o único Povo de Deus e Corpo de Cristo.

Ser « membros » da Igreja nada tira ao facto de cada cristão ser um ser « único e irrepetível », antes, garante e promove o sentido mais profundo da sua unicidade e irrepetibilidade, enquanto é fonte de verdade e de riqueza para a Igreja inteira. Nesse sentido, Deus, em Jesus Cristo, chama cada qual pelo próprio e inconfundível nome. O convite do Senhor: « Ide vós também para a minha vinha » dirige-se a cada um pessoalmente e soa: « Vem também tu para a minha vinha »!

Assim, cada um na sua unicidade e irrepetibilidade, com o seu ser e o seu agir, põe-se ao serviço do crescimento da comunhão eclesial, como, por sua vez, recebe singularmente e faz sua a riqueza comum de toda a Igreja. Esta é a « Comunhão dos Santos », que nós professamos no Credo: o bem de todos torna-se o bem de cada um e o bem de cada um torna-se o bem de todos. « Na santa Igreja — escreve São Gregório Magno — cada um é apoio dos outros e os outros são seu apoio ».(103)

Formas pessoais de participação

É absolutamente necessário que cada fiel leigo tenha sempre viva consciência de ser um « membro da Igreja », a quem se confia um encargo original insubstituível e indelegável, que deverá desempenhar para o bem de todos. Numa tal perspectiva, assume todo o seu significado a afirmação conciliar sobre a necessidade absoluta do apostolado de cada pessoa: « O apostolado individual que deriva com abundância da fonte de uma vida verdadeiramente cristã (cf. Jo 4, 14), é origem e condição de todo o apostolado dos leigos, mesmo do associado, e nada o pode substituir. A este apostolado, sempre e em toda a parte proveitoso e em certas circunstâncias o único conveniente e possível, são chamados e, por isso, obrigados todos os leigos, de qualquer condição, ainda que não se lhes proporcione ocasião ou possibilidade de cooperar nas associações ».(104)

No apostolado individual existem grandes riquezas que precisam de ser descobertas em ordem a uma intensificação do dinamismo missionário de cada fiel leigo. Com essa forma de apostolado, a irradiação do Evangelho pode tornar-se mais capilar, chegando a tantos lugares e ambientes quanto os que estão ligados à vida quotidiana e concreta dos leigos. Trata-se, além disso, de uma irradiação constante, estando ligada à contínua coerência da vida pessoal com a fé; e também de uma irradiação particularmente incisiva, porque, na total partilha das condições de vida, do trabalho, das dificuldades e esperanças dos irmãos, os fiéis leigos podem atingir o coração dos seus vizinhos, amigos ou colegas, abrindo-o ao horizonte total, ao sentido pleno da existência: a comunhão com Deus e entre os homens.

Formas agregativas de participação

29. A comunhão eclesial, já presente e operante na acção do indivíduo, encontra uma expressão específica no operar associado dos fiéis leigos, isto é, na acção solidária que eles desenvolvem ao participar responsavelmente na vida e na missão da Igreja.

Nestes tempos mais recentes, o fenómeno da agregação dos leigos entre si assumiu formas de particular variedade e vivacidade. Se na história da Igreja tal fenómeno representou sempre uma linha constante, como o provam até aos nossos dias as várias confrarias, as ordens terceiras e os diversos sodalícios, ele recebeu, todavia, um notável impulso nos tempos modernos que têm visto o nascer e o irradiar de múltiplas formas agregativas: associações, grupos, comunidades, movimentos. Pode falar-se de uma nova era agregativa dos fiéis leigos. Com efeito, « ao lado do associativismo tradicional e, por vezes, nas suas próprias raízes, brotaram movimentos e sodalícios novos, com fisionomia e finalidade específicas: tão grande é a riqueza e a versatilidade de recursos que o Espírito infunde no tecido eclesial e tamanha é a capacidade de iniciativa e a generosidade do nosso laicado ».(105)

Estas agregações de leigos aparecem muitas vezes bastante diferentes umas das outras em vários aspectos, como a configuração exterior, os caminhos e métodos educativos e os campos operativos. Encontram, porém, as linhas de uma vasta e profunda convergência na finalidade que as anima: a de participar responsavelmente na missão da Igreja de levar o Evangelho de Cristo, qual fonte de esperança para o homem e de renovação para a sociedade.

A agregação dos fiéis leigos por motivos espirituais e apostólicos brota de várias fontes e vai ao encontro de diversas exigências: exprime, de facto, a natureza social da pessoa e obedece ao imperativo de uma mais vasta e incisiva eficácia operativa. Na verdade, a incidência « cultural » fonte e estímulo e, simultaneamente, fruto e sinal de todas as demais transformações do ambiente e da sociedade, só se pode alcançar com a acção, não tanto dos indivíduos, mas de um « sujeito social », isto é, com a acção de um grupo, de uma comunidade, de uma associação, de um movimento. E isso é particularmente verdade no contexto de um a sociedade pluralista e fragmentada — como é, em tantas partes do mundo, a actual — e perante os problemas tornados enormemente complexos e difíceis. Por outro lado, sobretudo num mundo secularizado, as várias formas agregativas podem representar para muitos uma ajuda preciosa em favor de uma vida cristã coerente, com as exigências do Evangelho e de um empenhamento missionário e apostólico.

Para além destes motivos, a razão profunda que justifica e exige o agregar-se dos fiéis leigos é de ordem teológica: uma razão eclesiológica, como abertamente reconhece o Concílio Vaticano II, ao apontar o apostolado associado como um « sinal da comunhão e da unidade da Igreja em Cristo ».(106)

É um « sinal » que deve manifestar-se nas relações de « comunhão », tanto no interior como no exterior das várias formas agregativas, no mais vasto contexto da comunidade cristã. É a própria razão eclesiológica apontada que explica, por um lado o « direito » de agregação próprio dos fiéis leigos e, por outro, a necessidade de « critérios » de discernimento sobre a autenticidade eclesial das suas formas agregativas.

Antes de mais, é necessário reconhecer-se a liberdade associativa dos fiéis leigos na Igreja. Essa liberdade constitui um verdadeiro e próprio direito que não deriva de uma espécie de « concessão » da autoridade, mas que promana do Baptismo, qual sacramento que chama os fiéis leigos para participarem activamente na comunhão e na missão da Igreja. O Concílio é muito explícito a este propósito: « Respeitada a devida relação com a autoridade eclesiástica, os leigos têm o direito de fundar associações, dirigi-las e dar nome às já existentes ».(107) E o recente Código textualmente diz: « Os fiéis podem livremente fundar e dirigir associações para fins de caridade ou de piedade, ou para fomentar a vocação cristã no mundo, e reunir-se para alcançar em comum esses mesmos fins ».(108)

Trata-se de uma liberdade reconhecida e garantida pela autoridade eclesiástica e que deve ser exercida sempre e só na comunhão da Igreja: nesse sentido o direito dos fiéis leigos em agregar-se é essencialmente relativo à vida de comunhão e missão e à própria Igreja.

Critérios de eclesialidade para as agregações laicais

30. É sempre na perspectiva da comunhão e da missão da Igreja e não, portanto, em contraste com a liberdade associativa, que se comprende a necessidade de claros e precisos critérios de discernimento e de reconhecimento das agregações laicais, também chamados « critérios de eclesialidade ».

Como critérios fundamentais para o discernimento de toda e qualquer agregação dos fiéis leigos na Igreja, podem considerar-se de forma unitária, os seguintes:

  • O primado dado à vocação de cada cristão à santidade, manifestado « nos frutos da graça que o Espírito produz nos fiéis »(109) como crescimento para a plenitude da vida cristã e para a perfeição da caridade.(110)

    Nesse sentido, toda e qualquer agregação de fiéis leigos é chamada a ser sempre e cada vez mais instrumento de santidade na Igreja, favorecendo e encorajando « uma unidade mais íntima entre a vida prática dos membros e a própria fé ».(111)

  • A responsabilidade em professar a fé católica, acolhendo e proclamando a verdade sobre Cristo, sobre a Igreja e sobre o homem, em obediência ao Magistério da Igreja, que autenticamente a interpreta. Por isso, toda a agregação de fiéis leigos deve ser lugar de anúncio e de proposta da fé e de educação na mesma, no respeito pelo seu conteúdo integral.

  • O testemunho de uma comunhão sólida e convicta, em relação filial com o Papa, centro perpétuo e visivel da unidade da Igreja universal,(112) e com o Bispo « princípio visível e fundamento da unidade » da Igreja particular,(113) e na « estima recíproca entre todas as formas de apostolado na Igreja ».(114)

    A comunhão com o Papa e com o Bispo é chamada a exprimir-se na disponibilidade leal em aceitar os seus ensinamentos doutrinais e orientações pastorais. A comunhão eclesial exige, além disso, que se reconheça a legítima pluralidade das formas agregativas dos fiéis leigos na Igreja e, simultaneamente, a disponibilidade para a sua recíproca colaboração.

  • A conformidade e a participação na finalidade apostólica da Igreja, que é a evangelização e a santificação dos homens e a formação cristã das suas consciências, de modo a conseguir permear de espírito evangélico as várias comunidades e os vários ambientes ».(115)

    Nesta linha, exige-se de todas as formas agregativas de fiéis leigos, e de cada uma deles, um entusiasmo missionário que as torne, sempre e cada vez mais, sujeitos de uma nova evangelização.

  • O empenho de uma presença na sociedade humana que, à luz da doutrina social da Igreja, se coloque ao serviço da dignidade integral do homem.

    Assim, as agregações dos fiéis leigos devem converter-se em correntes vivas de participação e de solidariedade para construir condições mais justas e fraternas no seio da sociedade.

Os critérios fundamentais acima expostos encontram a sua verificação nos frutos concretos que acompanham a vida e as obras das diversas formas associativas, tais como: o gosto renovado pela oração, a contemplação, a vida litúrgica e sacramental; a animação pelo florescimento de vocações ao matrimónio cristão, ao sacerdócio ministerial, à vida consagrada; a disponibilidade em participar nos programas e nas atividades da Igreja, tanto a nível local como nacional ou internacional; o empenhamento catequético e a capacidade pedagógica de formar os cristãos; o impulso em ordem a uma presença cristã nos vários ambientes da vida social e a criação e animação de obras caritativas, culturais e espirituais; o espírito de desapego e de pobreza evangélica em ordem a uma caridade mais generosa para com todos; as conversões à vida cristã ou o regresso à comunhão por parte de baptizados « afastados ».

O serviço dos Pastores para a comunhão

31. Os Pastores na Igreja, mesmo perante possíveis e compreensíveis dificuldades de algumas formas agregativas e perante novas formas, que se vão impondo, não podem abdicar do serviço da sua autoridade, não apenas pelo bem da Igreja, mas até pelo bem dessas mesmas agregações laicais. Nesse sentido, eles devem acompanhar a sua acção de discernimento com a orientação e, sobretudo, com o encorajamento em ordem a um crescimento das agregações dos fiéis leigos na comunhão e na missão da Igreja.

É sem dúvida oportuno que algumas novas associações e alguns novos movimentos, pela sua difusão, muitas vezes, nacional e até internacional, venham a receber um reconhecimento oficial, uma aprovação explícita da competente autoridade eclesiástica. Nesse sentido, já dizia o Concílio: « O apostolado dos leigos admite diversos modos de relação com a Hierarquia, segundo as suas várias formas e seus objectivos... Certas formas de apostolado dos leigos são, de diversos modos, expressamente reconhecidas pela Hierarquia. Além disso, a autoridade eclesiástica, tendo em conta as exigências do bem da Igreja, pode escolher de entre as várias associações e iniciativas apostólicas com um fim directamente espiritual, algumas em particular, e promovê-las de um modo especial, assumindo sobre elas uma maior responsabilidade ».(116)

Entre as várias formas de apostolado dos leigos, que têm uma particular relação com a Hierarquia, os Padres sinodais expressamente mencionaram vários movimentos e associações de Acção Católica, onde « os leigos se associam livremente de forma orgânica e estável, sob o impulso do Espírito Santo, na comunhão com o Bispo e com os sacerdotes, de forma a poderem servir, no estilo próprio da sua vocação, com um método particular, o crescimento de toda a comunidade cristã, os projectos pastorais e a animação evangélica de todos os âmbitos da vida, com fidelidade e operosidade ».(117)

Foi confiado ao Pontifício Conselho dos Leigos o encargo de elaborar um elenco das associações que recebem a aprovação oficial da Santa Sé e de definir, em colaboração com o Secretariado da Unidade dos Cristãos, as condições segundo as quais se pode aprovar uma associação ecuménica, onde a maioria seja católica ao lado de uma minoria não católica, estabelecendo também em que casos se não pode dar parecer positivo.(118)

Todos, Pastores e fiéis, temos a obrigação de favorecer e de alimentar constantemente os vínculos e as relações fraternas de estima, cordialidade e colaboração entre as várias formas agregativas de leigos. Só assim, a riqueza dos dons e dos carismas que o Senhor nos dá pode dar o seu contributo fecundo e ordenado para a edificação da casa comum: « Para se edificar solidariamente a casa comum, é preciso, além do mais, depor todo o espírito de antagonismo e de disputa, e que a competição se faça, antes, na estima mútua (cf. Rom 12, 10), na recíproca anticipação do afecto e na vontade de colaboração, com a paciência, a abertura de visão, a disponibilidade para o sacrifício, que isso, por vezes, pode comportar ».(119)

Voltamos de novo às palavras de Jesus: « Eu sou a videira e vós as vides » (Jo 15, 5), para darmos graças a Deus pelo grande dom da comunhão eclesial, que reflecte no tempo a comunhão eterna e inefável do amor de Deus Uno e Trino. A consciência do dom deve ser acompanhada de um grande sentido de responsabilidade: trata-se, com efeito, de um dom que, à semelhança do talento evangélico, deve ser posto a render numa vida de crescente comunhão.

Ser responsáveis do dom da comunhão significa, antes de mais, empenharmo-nos na vitória sobre toda a tentação de divisão e de contraposição que ameaça a vida e o empenhamento apostólico dos cristãos. O grito de dor e de estranheza do apóstolo Paulo: « Refiro-me ao facto de cada um de vós dizer: "Eu sou de Paulo", "Eu, porém, sou de Apolo», «E eu sou de Cefas", «E eu de Cristo»! Foi Cristo por ventura dividido? » (1 Cor 1, 12, 13) continua a ecoar como repreensão pelas « feridas feitas ao Corpo de Cristo ». Ressoem, antes, como apelo persuasivo estas outras palavras do apóstolo: « Exorto-vos, irmãos, no nome de nosso Senhor Jesus Cristo, a serdes unânimes no falar, para que não haja divisões entre vós, mas vivais em perfeita união de pensamento e de propósitos » (1 Cor 1, 10).

Assim, a vida de comunhão, eclesial torna-se um sinal para o mundo e uma força de atracção que leva à fé em Cristo: « Como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu me enviaste » (Jo 17, 21). Dessa maneira, a comunhão abre-se para a missão e converte-se ela própria em missão.