A g n u s D e i

CENTESIMUS ANNUS
João Paulo II
01.05.1991

II
RUMO ÀS "COISAS NOVAS" DE HOJE

12. A comemoração da Rerum novarum não seria adequada, se não olhasse também à situação de hoje. Já no seu conteúdo, o Documento se presta a uma tal consideração, porque o quadro histórico e as previsões, aí delineadas, se revelam, à luz de quanto aconteceu no período sucessivo, surpreendentemente exactas.

Isto foi confirmado de modo particular pelos acontecimentos dos últimos meses do ano de 1989 e dos primeiros de 1990. Estes e as consequentes transformações radicais só se explicam com base nas situações anteriores, que em certa medida tinham materializado e institucionalizado as previsões de Leão XIII e os sinais, cada vez mais inquietantes, observados pelos seus sucessores. Aquele Pontífice, com efeito, previa as consequências negativas, sobre todos os aspectos — político, social e económico — de uma organização da sociedade, tal como a propunha o «socialismo», que então estava ainda no estado de filosofia social e de movimento mais ou menos estruturado. Alguém poderia admirar-se do facto de que o Papa começasse pelo «socialismo», a crítica das soluções que se davam à «questão operária», quando ele ainda não se apresentava — como depois aconteceu — sob a forma de um Estado forte e poderoso, com todos os recursos à disposição. Todavia Leão XIII mediu bem o perigo que representava, para as massas, a apresentação atraente de uma solução tão simples quão radical da «questão operária». Isto torna-se tanto mais verdadeiro se se considera em função da pavorosa situação de injustiça em que jaziam as massas proletárias, nas Nações há pouco industrializadas.

Ocorre aqui sublinhar duas coisas: por um lado, a extraordinária lucidez na apreensão, em toda a sua crueza, da verdadeira condição dos proletários, homens, mulheres e crianças; por outro lado, a não menor clareza com que intuiu o mal de uma solução que, sob a aparência de uma inversão das posições de pobres e ricos, redundava de facto em detrimento daqueles mesmos que se propunha ajudar. O remédio revelar-se-ia pior que a doença. Individuando a natureza do socialismo de então, como sendo a supressão da propriedade privada, Leão XIII atingia o fundo da questão.

As suas palavras merecem ser relidas com atenção: «Para remediar este mal (a injusta distribuição das riquezas e a miséria dos proletários), os socialistas excitam, nos pobres, o ódio contra os ricos, e defendem que a propriedade privada deve ser abolida, e os bens de cada um tornarem-se comuns a todos (...), mas esta teoria, além de não resolver a questão, acaba por prejudicar os próprios operários, e é até injusta por muitos motivos, já que vai contra os direitos dos legítimos proprietários, falseia as funções do Estado, e subverte toda a ordem social» (39). Não se poderia indicar melhor os males derivados da instauração deste tipo de socialismo como sistema de Estado: aquele tomaria o nome de «socialismo real».

13. Aprofundando agora a reflexão delineada, e fazendo ainda referência ao que foi dito nas Encíclicas Laborem exercens e Sollicitudo rei socialis, é preciso acrescentar que o erro fundamental do socialismo é de carácter antropológico. De facto, ele considera cada homem simplesmente como um elemento e uma molécula do organismo social, de tal modo que o bem do indivíduo aparece totalmente subordinado ao funcionamento do mecanismo económico-social, enquanto, por outro lado, defende que esse mesmo bem se pode realizar prescindindo da livre opção, da sua única e exclusiva decisão responsável em face do bem ou do mal. O homem é reduzido a uma série de relações sociais, e desaparece o conceito de pessoa como sujeito autónomo de decisão moral, que constrói, através dessa decisão, o ordenamento social. Desta errada concepção da pessoa, deriva a distorção do direito, que define o âmbito do exercício da liberdade, bem como a oposição à propriedade privada. O homem, de facto, privado de algo que possa «dizer seu» e da possibilidade de ganhar com que viver por sua iniciativa, acaba por depender da máquina social e daqueles que a controlam, o que lhe torna muito mais difícil reconhecer a sua dignidade de pessoa e impede o caminho para a constituição de uma autêntica comunidade humana.

Pelo contrário, da concepção cristã da pessoa segue-se necessariamente uma justa visão da sociedade. Segundo a Rerum novarum e toda a doutrina social da Igreja, a sociabilidade do homem não se esgota no Estado, mas realiza-se em diversos aglomerados intermédios, desde a família até aos grupos económicos, sociais, políticos e culturais, os quais, provenientes da própria natureza humana, estão dotados — subordinando-se sempre ao bem comum — da sua própria autonomia. É o que designei de «subjectividade» da sociedade, que foi anulada pelo «socialismo real» (40).

Se se questiona ulteriormente onde nasce aquela errada concepção da natureza da pessoa e da subjectividade da sociedade, é necessário responder que a sua causa primeira é o ateísmo. É na resposta ao apelo de Deus, contido no ser das coisas, que o homem toma consciência da sua dignidade transcendente. Cada homem deve dar esta resposta, na qual se encontra o clímax da sua humanidade, e nenhum mecanismo social ou sujeito colectivo o pode substituir. A negação de Deus priva a pessoa do seu fundamento e consequentemente induz a reorganizar a ordem social, prescindido da dignidade e responsabilidade da pessoa.

O referido ateísmo está, aliás, estritamente conexo com o racionalismo iluminístico, que concebe a realidade humana e social do homem, de maneira mecanicista. Nega-se deste modo a intuição última sobre a verdadeira grandeza do homem, a sua transcendência relativamente ao mundo das coisas, a contradição que percebe no seu coração entre o desejo de uma plenitude de bem e a própria incapacidade de o conseguir e, sobretudo, a necessidade da salvação que daí deriva.

14. Da mesma raiz ateísta, deriva ainda a escolha dos meios de acção, própria do socialismo, que é condenada na Rerum novarum. Trata-se da luta de classes. O Papa — entenda-se! — não pretende condenar toda e qualquer forma de conflitualidade social. A Igreja sabe bem que, ao longo da história, os conflitos de interesses entre diversos grupos sociais surgem inevitavelmente, e que, perante eles, o cristão deve muitas vezes tomar posição decidida e coerentemente. A Encíclica Laborem exercens, aliás, reconheceu claramente o papel positivo do conflito, quando ele se configura como «luta pela justiça social»; e na Quadragesimo anno escrevia-se: «com efeito, a luta de classes, quando se abstém dos actos de violência e do ódio mútuo, transforma-se pouco a pouco numa honesta discussão, fundada na busca da justiça» (42).

O que se condena na luta de classes é principalmente a ideia de um conflito que não é limitado por considerações de carácter ético ou jurídico, que se recusa a respeitar a dignidade da pessoa no outro (e, por consequência, em si próprio), que exclui por isso um entendimento razoável, e visa não já a formulação do bem geral da sociedade inteira, mas sim o interesse de uma parte que se substitui ao bem comum e quer destruir o que se lhe opõe. Trata-se, numa palavra, da representação — no terreno do confronto interno entre os grupos sociais — da doutrina da «guerra total», que o militarismo e o imperialismo daquela época impunham no âmbito das relações internacionais. Tal doutrina substituía a procura do justo equilíbrio entre os interesses das diversas Nações, pela prevalência absoluta da posição da própria parte, mediante a destruição da resistência da parte contrária, destruição realizada com todos os meios, sem excluir o uso da mentira, o terror contra os civis, as armas de extermínio, que naqueles anos começavam a ser projetadas. Luta de classes em sentido marxista e militarismo têm, portanto, a mesma raiz: o ateísmo e o desprezo da pessoa humana, que fazem prevalecer o princípio da força sobre o da razão e do direito.

15. A Rerum novarum opõe-se à colectivização pelo Estado dos meios de produção, que reduziria cada cidadão a uma «peça» na engrenagem da máquina do Estado. Igualmente critica uma concepção do Estado que deixe totalmente a esfera da economia fora do seu campo de interesse e de acção. Existe com certeza uma legítima esfera de autonomia do agir económico, onde o Estado não deve entrar. Compete a este, porém, a tarefa de determinar o enquadramento jurídico dentro do qual se desenrolem os relacionamentos económicos, e de salvaguardar deste modo as condições primárias de uma livre economia, que pressupõe uma certa igualdade entre as partes, de modo que uma delas não seja de tal maneira mais poderosa que a outra que praticamente a possa reduzir à escravidão (43).

A este propósito, a Rerum novarum aponta o caminho de justas reformas, que restituam ao trabalho a sua dignidade de livre actividade do homem. Aquelas implicam uma tomada de posição responsável por parte da sociedade e do Estado, tendente sobretudo a defender o trabalhador contra o pesadelo do desemprego. Isto verificou-se historicamente de dois modos convergentes: ou com políticas económicas, visando assegurar o crescimento equilibrado e a condição de pleno emprego; ou com os seguros de desemprego e com políticas de requalificação profissional capazes de facilitar a passagem dos trabalhadores dos sectores em crise para outros em expansão.

Além disso, a sociedade e o Estado devem assegurar níveis salariais adequados ao sustento do trabalhador e da sua família, inclusive com uma certa margem de poupança. Isto exige esforços para dar aos trabalhadores conhecimentos e comportamentos melhores, capazes de tornar o seu trabalho mais qualificado e produtivo; mas requer também uma vigilância assídua e adequadas medidas legislativas para truncar fenómenos vergonhosos de desfrutamento, com prejuízo sobretudo dos trabalhadores mais débeis, imigrantes ou marginalizados. Decisiva, neste sector, é a função dos sindicatos, que ajustam os mínimos salariais e as condições de trabalho.

Por último, é necessário garantir o respeito de horários «humanos» de trabalho e de repouso, bem como o direito de exprimir a própria personalidade no lugar de trabalho, sem serem violados seja de que modo for na própria consciência ou dignidade. Faz-se apelo de novo aqui ao papel dos sindicatos não só como instrumentos de contratação, mas também como «lugares» de expressão da personalidade dos trabalhadores: aqueles servem para o desenvolvimento de uma autêntica cultura do trabalho e ajudam os trabalhadores a participarem de modo plenamente humano na vida da empresa (44).

Para a realização destes objectivos, o Estado deve concorrer tanto directa como indirectamente. Indirectamente e segundo o princípio de subsidiariedade, criando as condições favoráveis ao livre exercício da actividade económica, que leve a uma oferta abundante de postos de trabalho e de fontes de riqueza. Directamente e segundo o princípio de solidariedade, pondo, em defesa do mais débil, algumas limitações à autonomia das partes, que decidem as condições de trabalho, e assegurando em todo o caso um mínimo de condições de vida ao desempregado (45).

A Encíclica e o Magistério social, a ela conexo, tiveram uma múltipla influência naqueles anos entre os séculos XIX e XX. Essa influência é visível em numerosas reformas introduzidas nos sectores da previdência social, das pensões, dos seguros contra a doença, da prevenção de acidentes, no quadro de um maior respeito dos direitos dos trabalhadores (46).

16. Tais reformas foram, em parte, realizadas pelos Estados, mas, na luta para as obter, desempenhou um importante papel a acção do Movimento operário. Nascido como reacção da consciência moral contra situações de injustiça e de dano, ele desenvolveu um vasto campo de actividade sindical, reformista, distante das utopias da ideologia e mais próxima às carências quotidianas dos trabalhadores e, neste âmbito, os seus esforços juntaram-se muitas vezes aos dos cristãos para obter o melhoramento humano das condições de vida dos trabalhadores. Logo a seguir, tal Movimento foi, em certa medida, dominado por aquela mesma ideologia marxista, contra a qual se dirigia a Rerum novarum.

Essas mesmas reformas foram também o resultado de um processo livre de auto-organização da sociedade, com a criação de instrumentos eficazes de solidariedade, capazes de sustentar um crescimento económico mais respeitador dos valores da pessoa. Recorde-se aqui a multiforme actividade, com um notável contributo dos cristãos, na fundação de cooperativas de produção, de consumo e de crédito, na promoção da instrução popular e formação profissional, na experimentação de várias formas de participação na vida da empresa e, em geral, da sociedade.

Se, portanto, olhando ao passado, há motivo para agradecer a Deus porque a grande Encíclica não ficou privada de ressonância nos corações e impeliu a uma activa generosidade, todavia é preciso reconhecer o facto de que o anúncio profético, nela contido, não foi cabalmente acolhido pelos homens daquele tempo, e precisamente dessa atitude vieram desgraças muito graves.

17. Lendo a Encíclica, em conexão com todo o rico Magistério leonino (47), nota-se como ela indica fundamentalmente as consequências, no terreno económico-social, de um erro de muito mais vastas dimensões. O erro, como se disse, consiste numa concepção da liberdade humana que a desvincula da obediência à verdade e, por conseguinte, também do dever de respeitar os direitos dos outros. O conteúdo da liberdade reduz-se então ao amor de si próprio, até chegar ao desprezo de Deus e do próximo, amor que conduz à afirmação ilimitada do interesse próprio, sem se deixar conter por qualquer obrigação de justiça (48).

Este erro atingiu as suas consequências extremas no trágico ciclo das guerras que revolveram a Europa e o mundo entre 1914 e 1945. Foram guerras ditadas pelo militarismo e pelo nacionalismo exacerbado, e pelas formas de totalitarismo a esses ligadas, e guerras derivadas da luta de classes, guerras civis e ideológicas. Sem a terrível carga de ódio e rancor, acumulada por causa de tanta injustiça quer a nível internacional quer a nível da injustiça social interna de cada Estado, não seriam possíveis guerras de tamanha ferocidade em que foram investidas as energias de grandes Nações, em que não se hesitou em violar os direitos humanos mais sagrados, e foi planificado e executado o extermínio de povos e grupos sociais inteiros. Recorde-se aqui, em particular, o povo hebreu, cujo destino terrível se tornou um símbolo da aberração a que pode chegar o homem, quando se volta contra Deus.

Todavia o ódio e a injustiça só se apoderam de inteiras Nações e fazem-nas entrar em acção, quando são legitimados e organizados por ideologias que se fundamentam mais naqueles do que na verdade do homem (49). A Rerum novarum combatia as ideologias do ódio e indicava os caminhos para destruir a violência e o rancor, mediante a justiça. Possa a memória desses terríveis acontecimentos guiar as acções dos homens e, de modo particular, dos dirigentes dos povos no nosso tempo, em que outras injustiças alimentam novos ódios e se desenham no horizonte novas ideologias que exaltam a violência.

18. É verdade que, desde 1945, as armas silenciam no Continente europeu; mas a verdadeira paz — deve-se lembrar — nunca é o resultado da vitória militar, mas implica o superamento das causas da guerra e a autêntica reconciliação entre os povos. Durante muitos anos, de facto, houve, na Europa e no mundo, mais uma situação de não-guerra do que de paz verdadeira. Metade do Continente caiu sob o domínio da ditadura comunista, enquanto a outra metade se organizava para se defender contra tal perigo. Muitos povos perdem o poder de dispor de si próprios, vêem-se encerrados nos limites sufocantes de um império, enquanto se procura destruir a sua memória histórica e a raiz secular da sua cultura. Multidões enormes são forçadas a abandonar a sua terra e violentamente deportadas.

Uma corrida louca aos armamentos absorve os recursos necessários para um equilibrado progresso das economias internas e para auxílio às Nações mais desfavorecidas. O progresso científico e tecnológico, que deveria contribuir para o bem estar do homem, acaba transformado num instrumento de guerra: ciência e técnica são usadas para produzir armas cada vez mais aperfeiçoadas e destrutivas, enquanto a uma ideologia, que não passa de uma perversão da autêntica filosofia, se pede que forneça justificações doutrinais para a nova guerra. E esta não é apenas temida e preparada, mas é combatida, com enorme derramamento de sangue, em várias partes do mundo. A lógica dos blocos ou impérios, já denunciada nos diversos Documentos da Igreja, sendo o mais recente a Encíclica Sollicitudo rei socialis (50), faz com que todas as controvérsias e discórdias, que surgem nos Países do Terceiro Mundo, sejam sistematicamente incrementadas e aproveitadas para criar dificuldades ao adversário.

Os grupos extremistas, que procuram resolver tais controvérsias com as armas, encontram facilmente apoios políticos e militares, são armados e adestrados para a guerra, enquanto aqueles que se esforçam por encontrar soluções pacíficas e humanas, no respeito dos legítimos interesses de todas as partes, permanecem isolados e muitas vezes caiem vítimas dos seus adversários. Mesmo a militarização de tantos Países do «Terceiro Mundo» e as lutas fratricidas que os atormentaram, a difusão do terrorismo e de meios cada vez mais bárbaros de luta político-militar, encontram uma das suas causas primárias na paz precária que se seguiu à II Guerra Mundial. Sobre todo o mundo, enfim, grava a ameaça de uma guerra atómica, capaz de levar à extinção da humanidade. A ciência, usada para fins militares, pôs à disposição do ódio, incrementado pelas ideologias, o instrumento decisivo. Mas a guerra pode terminar sem vencedores nem vencidos num suicídio da humanidade, e então é necessário rejeitar a lógica que a ela conduz, ou seja, a ideia de que a luta pela destruição do adversário, a contradição e a própria guerra são factores de progresso e avanço da história (51). Quando se compreende a necessidade dessa rejeição, devem necessariamente entrar em crise quer a lógica da «guerra total» quer a da «luta de classes».

19. No fim da II Guerra Mundial, porém, um tal desenvolvimento está ainda em formação nas consciências, e o dado mais saliente é o estender-se do totalitarismo comunista sobre mais de metade da Europa e parte do mundo. A guerra, que deveria restituir a liberdade aos indivíduos e restaurar os direitos dos povos, terminou sem ter conseguido estes fins; pelo contrário, acabou de um modo que, para muitos povos, especialmente para aqueles que mais tinham sofrido, abertamente os contradiz. Pode-se dizer que a situação criada deu lugar a diversas respostas.

Em alguns Países, e sob alguns aspectos, assiste-se a um esforço positivo para reconstruir, depois das destruições da guerra, uma sociedade democrática e inspirada na justiça social, a qual priva o comunismo do potencial revolucionário, constituído por multidões exploradas e oprimidas. Estas tentativas procuram em geral preservar os mecanismos do livre mercado, assegurando através da estabilidade da moeda e da firmeza das relações sociais, as condições de um crescimento económico estável e sadio, no qual as pessoas, com o seu trabalho, podem construir um futuro melhor para si e para os próprios filhos. Simultaneamente, estes países procuram evitar que os mecanismos de mercado sejam o único termo de referência da vida associada e tendem a submetê-los a um controle público que faça valer o princípio do destino comum dos bens da terra. Uma certa abundância de ofertas de trabalho, um sólido sistema de segurança social e de acesso profissional, a liberdade de associação e a acção incisiva do sindicato, a previdência em caso de desemprego, os instrumentos de participação democrática na vida social, neste contexto, deveriam subtrair o trabalho da condição de «mercadoria» e garantir a possibilidade de realizá-lo com dignidade.

Existem, depois, outras forças sociais e movimentos de ideias que se opõem ao marxismo com a construção de sistemas de «segurança nacional», visando controlar de modo capilar toda a sociedade, para tornar impossível a infiltração marxista. Exaltando e aumentando o poder do Estado, elas pretendem preservar o seu povo do comunismo; mas, fazendo isso, correm o grave risco de destruir aquela liberdade e aqueles valores da pessoa, em nome dos quais é preciso opor-se àquele.

Outra forma de resposta prática, enfim, está representada pela sociedade do bem-estar, ou sociedade do consumo. Ela tende a derrotar o marxismo no terreno de um puro materialismo, mostrando como uma sociedade de livre mercado pode conseguir uma satisfação mais plena das necessidades materiais humanas que a defendida pelo comunismo, e excluindo igualmente os valores espirituais. Na verdade, se por um lado é certo que este modelo social mostra a falência do marxismo ao construir uma sociedade nova e melhor, por outro lado, negando a existência autónoma e o valor da moral, do direito, da cultura e da religião, coincide com ele na total redução do homem à esfera do económico e da satisfação das necessidades materiais.

20. No mesmo período, desenvolve-se um grandioso processo de «descolonização», pelo qual numerosos Países adquirem ou reconquistam a independência e o direito de disporem livremente de si. Com a aquisição formal da soberania estatal, porém, estes Países muitas vezes estão apenas no início do caminho para a construção de uma autêntica independência. De facto, sectores decisivos da economia permanecem ainda nas mãos de grandes empresas estrangeiras, que recusam ligar-se estavelmente ao progresso do País que as acolhe, e a própria vida política é controlada por forças estrangeiras, enquanto, dentro das fronteiras do Estado, convivem grupos tribais, ainda não amalgamados numa autêntica comunidade nacional. Falta, além disso, uma classe de profissionais competentes, capazes de fazer funcionar de modo honesto e normal o aparelho do Estado, e não existem também os quadros para uma eficiente e responsável gestão da economia.

Dada a situação, a muitos parece que o comunismo poderia oferecer como que um atalho para a edificação da Nação e do Estado, e nascem, por isso, diversas variantes do socialismo com um carácter nacional específico. Misturam-se assim, nas múltiplas ideologias que acabam por se formar, em proporções variáveis, exigências legítimas de salvação nacional, formas de nacionalismo e de militarismo, princípios vindos de antigas tradições populares, por vezes conformes à doutrina social cristã, e conceitos do marxismo-leninismo.

21. Recorde-se, enfim, como, depois da II Guerra Mundial e mesmo por reacção aos seus erros, se difundiu um sentimento mais vivo dos direitos humanos, que foi reconhecido em diversos Documentos internacionais (52), e na elaboração, poder-se-ia dizer, de um novo «direito dos povos», a que a Santa Sé deu constante contributo. Fulcro desta evolução foi a Organização das Nações Unidas. Cresceu não só a consciência do direito dos indivíduos, mas também a dos direitos das Nações, enquanto se adverte mais claramente a necessidade de actuar para sanar os graves desequilíbrios entre as diversas áreas do mundo, o que transferiu, em certo sentido, o centro da questão social do âmbito nacional para o nível internacional (53).

Ao registar, com satisfação, um tal processo, não se pode todavia silenciar o facto de que o balanço geral das diversas políticas de auxílio ao desenvolvimento não é sempre positivo. Além disso, as Nações Unidas ainda não conseguiram construir instrumentos eficazes, alternativos à guerra, na solução dos conflitos internacionais, e este parece ser o problema mais urgente que a comunidade internacional tem para resolver.