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SOBRE A INTERPRETAÇÃO DOS SALMOS

» CAPÍTULO XXI

De modo algum se busque adorná-los com palavras sedutoras, modificar suas expressões ou trocá-las totalmente; leia e cante-se o que está escrito, sem artifícios, para que os santos varões que nos legaram esses salmos, reconheçam o tesouro de sua propriedade, conosco há pouco tempo, ou melhor, o faça o Espírito Santo, que falou através deles, e, ao constatar que nossos discursos são eco perfeitos dos seus, venham em nossa ajuda. Pois sendo a vida dos santos melhor que a do resto, portanto melhores e mais poderosas se tenham, com toda verdade, suas palavras que nós agregamos. Pois com essas palavras agradaram a Deus e, ao proferi-las, eles lograram - como o disse o Apóstolo - conquistar reinos, fizeram justiça, alcançaram as promessas, cerraram a boca aos leões; apagaram a violência do fogo, escaparam do fio da espada, curaram suas enfermidades, foram valentes na guerra, rechaçaram exércitos estrangeiros e as mulheres recobraram ressuscitados a seus mortos (cf. Hb 11, 33-35).

» CAPÍTULO XXII

Todo o que agora lê essas mesmas palavras [dos Salmos], tenha confiança que por elas Deus virá instantaneamente em nossa ajuda. Se está afligido, sua leitura procurará um grande consolo; se é tentado ou perseguido, ao cantá-las saldará fortalecido e como mais protegido pelo Senhor, que já havia protegido antes ao autor, e fará que ouçam (os inimigos) o diabo e seus demônios. Se há pecado, voltará a si e deixará de fazê-lo; se não há pecado, se estimará ditoso ao saber que corre em procura dos verdadeiros bens; na luta, os Salmos darão as forças para não apartar-se jamais da verdade; ao contrário, convencerá aos impostores que tratavam de induzi-lo ao erro. A garantia de tudo isso não é um mero homem mas sim a mesma Escritura divina. Deus ordenou a Moisés escrever o grande Cântico, ensinando-o ao povo; ao que ele constituíra como chefe, lhe ordenou transcrever o Deuteronômio, guardando-o entre suas mãos e meditando continuamente suas palavras, pois seus discursos são suficientes para trazer à memória a recordação da virtude e aportar ajuda aos que os meditam sinceramente. Quando Josué, filho de Nuná penetrou na terra prometida, vendo os acampamentos inimigos e os reis amorreus reunidos, todos em som de guerra, em lugar de armas ou espadas, empunhou o livro do Deuteronomio; o leu diante de todo o povo, recordando as palavras da Lei, e havendo armado o povo, saiu vencedor sobre os inimigos. O rei Josías, depois do descobrimento do livro e sua leitura pública, não albergava já temor algum de seus inimigos. Quando o povo saía à guerra, a Arca contendo as tábuas da Lei ia adiante do exército, sendo proteção mais que suficiente, sempre que não houvera entre os portadores ou no seio do povo prevalência de pecado ou hipocrisia. Pois se necessita que a fé vá acompanhada pela sinceridade para que a Lei dê resposta à oração.

» CAPÍTULO XXIII

Ao menos eu, o ancião, escutei da boca de homens sábios, que antigamente, em tempos de Israel, bastava a leitura da Escritura para por em fuga os demônios e destruir as armadilhas estendidas por eles aos homens. Por isso, me dizia [meu interlocutor], são de todo condenáveis aqueles que, abandonando estes livros, compõem outros com expressões elegantes, fazendo-se chamar exorcistas, como ocorreu aos filhos do judeu Esceva, quando tentaram exorcizar dessa maneira! Os demônios se divertem e burlam quando os escutam; pelo contrário tremem diante das palavras dos santos e nem ouvi-las podem. Pois nas palavras da Escritura está o Senhor e ao não poder suportás-las gritam: "Te rogo que não me atormentes antes do tempo!" (Lc 8,28). Com somente a presença do Senhor se consumiam. Do mesmo modo, Paulo dava ordens aos espíritos impuros e os demônios se submetiam aos discípulos. E a mão do Senhor caiu sobre Eliseu, o profeta, de modo que profetizou aos três reis acerca da água quando, por ordem sua, o salmista cantava ao som do saltério. Inclusive agora, se um está preocupado pelos que sofrem, leia os Salmos e lhes ajudará muitíssimo, demostrando igualmente que o que sofre é firme e verdadeiro; ao vê-lo, Deus concede a completa saúde aos necessitados. Sabendo-o, o santo disse no salmo 118: "Meditarei sobre teus decretos, não olvidarei tuas palavras", e também: "Teus decretos eram meus cantos, no lugar de minha peregrinação. Nelas encontrarão salvação ao dizer: 'se tua lei não fosse minha meditação, já haveria perecido em minha humilhação'".

Também Paulo buscava confirmar a seu discípulo, ao dizer: "Medita estas coisas; vive entregue a elas para que teu aproveitamento seja manifestado a todos" (1 Tim 4,15). Pratica-o igualmente tu, lê com sabedoria os Salmos e poderás, sob a direção do Espírito, compreender o significado de cada um. Imitarás a vida que levaram os varões santos, que entusiasmados pelo Espírito de Deus isto tudo disseram.