A g n u s D e i

APOSTOLOS SUOS
João Paulo II
21.05.1998

Parte III
AS CONFERÊNCIAS EPISCOPAIS

14. As Conferências Episcopais constituem uma forma concreta de atuação do espírito colegial. O Código de Direito Canônico apresenta uma precisa descrição das mesmas, inspirando-se nas prescrições do Concílio Vaticano II: "A Conferência Episcopal, instituição permanente, é o agrupamento dos Bispos duma nação ou determinado território, que exercem em conjunto certas funções pastorais a favor dos fiéis do seu território, a fim de promoverem o maior bem que a Igreja oferece aos homens, sobretudo por formas e métodos de apostolado convenientemente ajustados às circunstâncias do tempo e do lugar, nos termos do direito".61

15. A necessidade, nos nossos tempos, de conjugar forças, graças ao intercâmbio de prudência e experiência no seio da Conferência Episcopal, foi posta bem em evidência pelo Concílio ao afirmar que "não é raro verem-se os Bispos impedidos de cumprir, de maneira apta e frutuosa, o seu múnus, se não tornam cada vez mais íntima e harmônica a colaboração com os outros Bispos".62 Não é possível compilar um elenco completo dos setores que requerem tal cooperação, mas é claro para todos que a promoção e salvaguarda da fé e dos costumes, a tradução dos livros litúrgicos, o impulso e formação das vocações sacerdotais, a preparação de material didático para a catequese, o fomento e tutela das universidades católicas e outras instituições educativas, o empenho ecumênico, as relações com as autoridades civis, a defesa da vida humana, da paz, dos direitos humanos procurando que sejam tutelados também pela legislação civil, a promoção da justiça social, o uso dos meios de comunicação social, etc., são setores que atualmente recomendam uma ação conjunta dos Bispos.

16. As Conferências Episcopais, regra geral, são nacionais, isto é, compreendem os Bispos duma única nação,63 porque os laços de cultura, de tradições e história comum, e ainda a rede de relações sociais entre os cidadãos da mesma nação requerem uma colaboração entre os vários membros do Episcopado daquele território muito mais assídua do que a reclamada por circunstâncias eclesiais de qualquer outro gênero de território. Mas está previsto, na própria legislação canônica, que uma Conferência Episcopal "possa ser ereta para um território de menor ou maior amplitude, de tal modo que apenas compreenda os Bispos de algumas Igrejas particulares constituídas em determinado território ou os Pastores das Igrejas particulares existentes em diversas nações".64 Daqui se deduz que é possível existirem Conferências Episcopais em âmbitos territoriais diversos, ou então de âmbito supranacional. A decisão sobre as circunstâncias relativas às pessoas ou às coisas que sugerem uma amplitude maior ou menor do território de uma Conferência, está reservada à Sé Apostólica. De fato, "compete exclusivamente à autoridade suprema da Igreja, ouvidos os Bispos interessados, erigir, suprimir ou alterar as Conferências Episcopais".65

17. Uma vez que a finalidade das Conferências dos Bispos é prover ao bem comum das Igrejas particulares dum território, através da colaboração dos sagrados Pastores a cujo cuidado elas estão confiadas, cada Conferência deve compreender todos os Bispos diocesanos do território e quantos lhes são equiparados no direito, e bem assim os Bispos coadjutores, os Bispos auxiliares e os outros Bispos titulares que desempenham naquele território um encargo especial recebido da Sé Apostólica ou da própria Conferência Episcopal.66 Nas reuniões plenárias da Conferência Episcopal, têm voto deliberativo os Bispos diocesanos e os equiparados no direito, e ainda os Bispos coadjutores; e isto pelo próprio direito, não sendo possível prever diversamente nos estatutos da Conferência.67 O Presidente e o Vice-Presidente da Conferência Episcopal devem ser escolhidos apenas de entre os membros que são Bispos diocesanos.68 Quanto aos Bispos auxiliares e demais Bispos titulares membros da Conferência Episcopal, será determinado pelos estatutos da Conferência se o seu voto é deliberativo ou consultivo.69 A tal propósito, dever-se-á ter em conta a proporção entre Bispos diocesanos e Bispos auxiliares e demais Bispos titulares, para que uma eventual maioria destes não condicione o governo pastoral dos Bispos diocesanos. Entretanto considera-se oportuno que os estatutos da Conferência Episcopal prevejam a presença, com voto consultivo, dos Bispos eméritos. Tenha-se a peito o cuidado de fazê-los participar em algumas Comissões de estudo, quando se tratam temas em que um Bispo emérito é singularmente competente. Dada a natureza da Conferência Episcopal, um membro não pode delegar a sua participação.

18. Cada Conferência Episcopal tem os seus estatutos próprios, que ela mesma elabora. Todavia, devem obter a revisão (recognitio) da Sé Apostólica; "neles, além do mais, regulem-se as assembléias plenárias da Conferência, e se providencie acerca do Conselho Permanente de Bispos e do Secretariado Geral da Conferência, e bem assim acerca dos outros ofícios e comissões que, a juízo da Conferência, sejam mais eficazmente consentâneos com a finalidade a atingir".70 De qualquer modo, tais finalidades exigem que se evite a burocratização dos ofícios e comissões ativas no período entre as reuniões plenárias. Importa ter em conta o fato essencial de as Conferências Episcopais, com as suas comissões e ofícios, existirem para ajudar os Bispos, e não para ocupar o lugar deles.

19. A autoridade da Conferência Episcopal e o seu campo de ação estão em estrita ligação com a autoridade e ação do Bispo diocesano e dos Prelados a ele equiparados. Os Bispos "presidem em lugar de Deus ao rebanho, de que são pastores, como mestres da doutrina, sacerdotes do culto sagrado, ministros do governo. (...) Por instituição divina, sucedem aos Apóstolos como pastores da Igreja",71 e "governam as Igrejas particulares que lhes foram confiadas como vigários e legados de Cristo, por meio de conselhos, persuasões, exemplos, mas também com autoridade e poder sagrado (...). Este poder que exercem pessoalmente em nome de Cristo, é próprio, ordinário e imediato".72 O seu exercício é regulado pela autoridade suprema da Igreja, sendo isso uma conseqüência necessária da relação entre a Igreja universal e a Igreja particular, visto que esta só existe como porção do Povo de Deus, na qual opera e está realmente presente a única Igreja católica.73 Com efeito, "o primado do Bispo de Roma e o Colégio Episcopal são elementos próprios da Igreja universal, não deduzíveis da pura análise das Igrejas particulares em si mesmas, mas todavia interiores a cada Igreja particular".74 Sendo passível de regulamentação superior, como referido, o exercício do poder sagrado do Bispo "pode ser circunscrito dentro de certos limites para utilidade da Igreja ou dos fiéis",75 e essa possibilidade está explicitada na norma do Código de Direito Canônico que diz: "Ao Bispo diocesano, na diocese que lhe foi confiada, compete todo o poder ordinário, próprio e imediato que se requer para o exercício do seu múnus pastoral, com excepção das causas que, por direito ou por decreto do Sumo Pontífice, estejam reservadas à suprema ou a outra autoridade eclesiástica".76

20. Na Conferência Episcopal, os Bispos exercem conjuntamente o ministério episcopal em benefício dos fiéis do território da Conferência; mas, para que tal exercício seja legítimo e obrigatório para cada um dos Bispos, é necessária a intervenção da autoridade suprema da Igreja, que, através da lei universal ou de mandatos especiais, confia determinadas questões à deliberação da Conferência Episcopal. Os Bispos, tanto singularmente como reunidos em Conferência, não podem autonomamente limitar o seu poder sagrado em favor da Conferência Episcopal, e menos ainda duma parte dela, quer esta seja o Conselho Permanente, uma comissão, ou o próprio Presidente. Esta verdade está patente na norma canônica relativa ao exercício do poder legislativo dos Bispos reunidos em Conferência Episcopal: "A Conferência Episcopal apenas pode fazer decretos gerais nos casos em que o prescrever o direito universal ou quando o estabelecer um mandato peculiar da Sé Apostólica por motu proprio ou a pedido da própria Conferência".77 Caso contrário, "mantém-se íntegra a competência de cada Bispo diocesano, e nem a Conferência nem o seu Presidente podem agir em nome de todos os Bispos, a não ser que todos e cada um hajam dado o consentimento".78

21. O exercício conjunto do ministério episcopal diz respeito também à função doutrinal. O Código de Direito Canônico estabelece, a tal propósito, a seguinte norma fundamental: "Os Bispos, que estão em comunhão com a cabeça do Colégio e seus membros, quer individualmente considerados quer reunidos em Conferências Episcopais ou em concílios particulares, ainda que não gozem da infalibilidade do ensino, são contudo doutores e mestres autênticos da fé dos fiéis confiados aos seus cuidados; os fiéis têm obrigação de aderir com religioso obséquio de espírito ao magistério autêntico dos seus Bispos".79 Além desta norma geral, o Código estabelece, concretamente, algumas competências doutrinais das Conferências dos Bispos, tais como "procurar que se publiquem catecismos para o seu território, com a aprovação prévia da Sé Apostólica",80 e a aprovação das edições dos livros da Sagrada Escritura e das suas versões.81

A voz unânime dos Bispos dum determinado território, quando, em comunhão com o Romano Pontífice, proclamam conjuntamente a verdade católica em matéria de fé e costumes, pode chegar mais eficazmente ao seu povo e tornar mais fácil a adesão dos seus fiéis com religioso obséquio de espírito a tal magistério. No fiel exercício da sua função doutrinal, os Bispos estão ao serviço da palavra de Deus, da qual depende o seu ensino, ouvem-na devotamente, guardam-na santamente e fielmente a expõem de modo que os seus fiéis a recebam do melhor modo possível.82 E dado que a doutrina da fé é um bem comum de toda a Igreja e vínculo da sua comunhão, os Bispos, reunidos na Conferência Episcopal, procuram sobretudo acompanhar o magistério da Igreja universal, fazendo-o oportunamente chegar até ao povo que lhes está confiado.

22. Ao enfrentarem novas questões fazendo com que a mensagem de Cristo ilumine e guie a consciência dos homens para dar solução aos novos problemas resultantes das transformações sociais, os Bispos reunidos na Conferência Episcopal desempenham conjuntamente esta sua função doutrinal, bem conscientes dos limites das suas tomadas de posição, que não possuem as características dum magistério universal, mesmo sendo oficial, autêntico e em comunhão com a Sé Apostólica. Por isso, evitem cuidadosamente de estorvar a ação doutrinal dos Bispos de outros territórios, tendo em conta a ressonância em áreas sempre mais vastas, chegando até a cobrir o mundo inteiro, que os meios de comunicação social conferem aos acontecimentos duma determinada região. Suposto que o magistério autêntico dos Bispos, isto é, o magistério que realizam revestidos da autoridade de Cristo, deve ser feito sempre em comunhão com a Cabeça do Colégio e os seus membros,83 se as declarações doutrinais das Conferências Episcopais são aprovadas por unanimidade, podem, sem dúvida, ser publicadas em nome mesmo da Conferência, e os fiéis são obrigados a aderir com religioso obséquio de espírito àquele magistério autêntico dos seus próprios Bispos. Porém, se faltar tal unanimidade, a maioria apenas dos Bispos duma Conferência não pode publicar uma eventual declaração como magistério autêntico desta, a que todos os fiéis do território devem aderir, a não ser que obtenham a revisão (recognitio) da Sé Apostólica, que não a dará se tal maioria não for qualificada. Esta intervenção da Sé Apostólica é análoga à requerida pelo direito para que a Conferência Episcopal possa emanar decretos gerais.84 A revisão (recognitio) da Santa Sé serve ainda para garantir que, ao enfrentar as novas questões postas pelas rápidas transformações sociais e culturais características da história atual, a resposta doutrinal favoreça a comunhão e não prejudique, antes prepare eventuais intervenções do magistério universal.

23. A própria natureza da função doutrinal dos Bispos requer que, se estes a exercerem conjuntamente reunidos na Conferência Episcopal, tal se verifique na reunião plenária. Organismos de nível inferior — o Conselho Permanente, uma comissão ou outros ofícios — não têm a autoridade para realizar atos de magistério autêntico, nem em nome próprio, nem em nome da Conferência, nem sequer por encargo desta.

24. Atualmente são muitas as tarefas que as Conferências Episcopais realizam para o bem da Igreja. Estão chamadas a favorecer, com um serviço sempre maior, "a responsabilidade inalienável de cada um dos Bispos para com a Igreja universal e a sua Igreja particular",85 e não a dificultá-la, ocupando indevidamente o seu lugar em âmbitos onde a legislação canônica não prevê uma limitação do seu poder episcopal em proveito da Conferência Episcopal, ou então agindo como filtro ou estorvo nas relações diretas de cada Bispo com a Sé Apostólica.

Os esclarecimentos expressos até aqui, juntamente com o enquadramento normativo que vem a seguir, correspondem ao voto feito pela Assembléia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos de 1985, e visam iluminar e tornar mais eficaz ainda a ação das Conferências Episcopais, que hão de oportunamente rever os seus estatutos, conformando-os com estes esclarecimentos e normas, de acordo com os votos formulados.

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