A g n u s D e i

APOSTOLOS SUOS
João Paulo II
21.05.1998

Parte I
INTRODUÇÃO

1. O Senhor Jesus constituiu os Apóstolos "em colégio ou grupo estável e deu-lhes como chefe a Pedro, escolhido de entre eles".2 Os Apóstolos não foram escolhidos e enviados por Jesus, um independentemente dos outros, mas, ao contrário, formando o grupo dos Doze, como fazem notar os Evangelhos com a expressão, repetidamente usada, "um dos Doze".3 É a todos juntos que o Senhor confia a missão de pregar o Reino de Deus,4 e por Ele são enviados, não isoladamente, mas dois a dois.5 Na Última Ceia, Jesus reza ao Pai pela unidade dos Apóstolos e daqueles que, pela sua palavra, hão de acreditar n'Ele.6 Depois da sua Ressurreição e antes da Ascensão, o Senhor confirma novamente Pedro no supremo múnus pastoral,7 e entrega aos Apóstolos a mesma missão que Ele tinha recebido do Pai.8

Com a descida do Espírito Santo, no dia de Pentecostes, a realidade do colégio apostólico aparece cheia da nova vitalidade que procede do Paráclito. Pedro "de pé, com os Onze",9 fala à multidão e batiza um grande número de crentes; a primeira comunidade, vêmo-la unida a ouvir o ensino dos Apóstolos,10 e deles recebe a solução para os problemas pastorais;11 Paulo dirige-se aos Apóstolos, que ficaram em Jerusalém, para assegurar a sua comunhão com eles, evitando o risco de correr em vão.12 A consciência de formarem um corpo indiviso manifesta-se também quando se levanta a questão de obrigar ou não os cristãos vindos do paganismo a observarem determinadas normas da Antiga Lei. Então, na comunidade de Antioquia, "foi resolvido que Paulo, Barnabé e mais alguns outros subissem a Jerusalém para consultarem, sobre esta questão, os Apóstolos e os anciãos".13 Com a finalidade de examinar este problema, os Apóstolos e os anciãos reúnem-se, consultam-se, deliberam, guiados pela autoridade de Pedro, e por fim sentenciam: "O Espírito Santo e nós próprios resolvemos não vos impor mais outras obrigações além destas, que são indispensáveis...".14

2. A missão de salvação que o Senhor confiou aos Apóstolos durará até ao fim do mundo.15 A fim de que tal missão fosse cumprida, segundo a vontade de Cristo, os próprios Apóstolos "trataram de estabelecer sucessores (...); por instituição divina, os Bispos sucedem aos Apóstolos, como pastores da Igreja".16 Com efeito, para desempenhar o ministério pastoral, "os Apóstolos foram enriquecidos por Cristo com uma efusão especial do Espírito Santo que sobre eles desceu,17 e eles mesmos transmitiram este dom do Espírito aos seus colaboradores pela imposição das mãos,18 o qual foi transmitido até aos nossos dias através da consagração episcopal".19

"Assim como, por instituição do Senhor, S. Pedro e os restantes Apóstolos formam um colégio apostólico, assim de igual modo estão unidos entre si o Romano Pontífice, sucessor de Pedro, e os Bispos, sucessores dos Apóstolos".20 Desta maneira, todos os Bispos em comum receberam de Cristo o mandato de anunciar o Evangelho a toda a terra e, por isso, estão obrigados a manter viva solicitude por toda a Igreja, tendo também, para o cumprimento da missão que lhes foi entregue pelo Senhor, a obrigação de colaborarem entre si e com o Sucessor de Pedro,21 em quem está estabelecido "o princípio e fundamento perpétuo e visível da unidade de fé e comunhão".22 Por sua vez cada um dos Bispos é princípio e fundamento da unidade nas suas respectivas Igrejas particulares.23

3. Mantendo íntegro o poder de instituição divina que o Bispo tem na sua Igreja particular, a consciência de fazer parte de um corpo indiviso levou os Bispos, ao longo da história da Igreja, a valerem-se, no desempenho da sua missão, de instrumentos, órgãos ou meios de comunicação, que manifestam a comunhão e a solicitude por todas as Igrejas e dão continuidade precisamente à vida do colégio dos Apóstolos: a colaboração pastoral, as consultações, a ajuda mútua, etc.

Desde os primeiros séculos, esta realidade de comunhão encontrou uma expressão particularmente qualificada e característica na celebração dos concílios, entre os quais há que mencionar, além dos Concílios Ecumênicos (o primeiro deles foi o Concílio de Nicéia, em 325), também os concílios particulares, tanto plenários como provinciais, que foram freqüentemente celebrados em toda a Igreja, já desde o século II.24

Este costume da celebração dos concílios particulares continuou ao longo de toda a Idade Média. Depois do Concílio de Trento (1545-1563), porém, tal celebração regular foi-se tornando sempre mais rara. Todavia, o Código de Direito Canônico, de 1917, com a intenção de dar novamente vigor a tão veneranda instituição, apresenta também disposições para a celebração de concílios particulares. O cân. 281 do citado Código referia-se ao concílio plenário, estabelecendo que se podia celebrar com a autorização do Sumo Pontífice, que designava um seu delegado para o convocar e presidir. No mesmo Código, previa-se a celebração dos concílios provinciais, pelo menos de vinte em vinte anos,25 e a celebração ao menos qüinqüenal de conferências ou assembléias dos Bispos duma província, para tratar dos problemas das dioceses e preparar o concílio provincial.26 E o novo Código de Direito Canônico, de 1983, contém igualmente ampla regulamentação sobre os concílios particulares, sejam eles plenários ou provinciais.27

4. A par e em consonância com a tradição dos concílios particulares, nasceram em diversos países, a partir do século passado, por razões históricas, culturais, sociológicas e por objetivos pastorais específicos, as Conferências dos Bispos, tendo como finalidade enfrentar as várias questões eclesiais de interesse comum e encontrar as soluções mais oportunas para as mesmas. Ao contrário dos concílios, essas Conferências tiveram um caráter estável e permanente. A Instrução da Sagrada Congregação dos Bispos e Regulares, de 24 de Agosto de 1889, faz menção delas designando-as expressamente como "Conferências Episcopais".28

O Concílio Vaticano II, no decreto Christus Dominus, além de fazer votos de que a veneranda instituição dos concílios particulares retome novo vigor (cf. n. 36), trata expressamente também das Conferências dos Bispos, pondo em relevo o fato de estarem já constituídas em muitas nações e estabelecendo normas particulares para o efeito (cf. nn. 37-38). De fato, o Concílio reconheceu a oportunidade e fecundidade de tais organismos, considerando "muito conveniente que, em todo o mundo, os Bispos da mesma nação ou região se reunam periodicamente em assembléia, para que, da comunicação de pareceres e experiências, e da troca de opiniões, resulte uma santa colaboração de esforços para bem comum das Igrejas".29

5. Em 1966, o Papa Paulo VI ordenou, através do "Motu proprio" Ecclesiae Sanctae, a constituição das Conferências Episcopais nos lugares onde não existisse ainda; aquelas que já estavam formadas, deviam redigir estatutos próprios; caso se revelasse impossível tal constituição, os Bispos interessados deviam unir-se a Conferências Episcopais já instituídas; poder-se-iam criar Conferências Episcopais de várias nações ou mesmo internacionais.30 Alguns anos mais tarde, em 1973, o Diretório Pastoral dos Bispos voltou a lembrar que "a Conferência Episcopal foi instituída para ser possível oferecer, no tempo presente, uma contribuição variada e fecunda para a concretização do afeto colegial. Por meio das Conferências Episcopais, é fomentado de modo sublime o espírito de comunhão com a Igreja universal e entre as diversas Igrejas particulares".31 Por último, o Código de Direito Canônico, que promulguei em 25 de Janeiro de 1983, estabeleceu uma regulamentação específica (câns. 447-459), pela qual se determinam as finalidades e as competências das Conferências dos Bispos, e ainda a sua ereção, composição e funcionamento.

O espírito colegial, que inspira a constituição das Conferências Episcopais e orienta a sua atividade, induz também à colaboração entre as Conferências das diversas nações, como almejou o Concílio Vaticano II32 e está previsto nas normas canônicas.33

6. A partir do Concílio Vaticano II, desenvolveram-se notavelmente as Conferências Episcopais, ocupando o lugar de órgão preferido dos Bispos duma nação ou de determinado território para o intercâmbio de opiniões, consultação recíproca e colaboração em favor do bem comum da Igreja: "Elas tornaram-se nestes anos uma realidade concreta, viva e eficaz em todas as partes do mundo".34 A sua importância resulta do fato de contribuírem eficazmente para a unidade entre os Bispos e, conseqüentemente, para a unidade da Igreja, sendo um instrumento muito válido para robustecer a comunhão eclesial. Todavia a evolução da sua atividade, sempre mais vasta, suscitou alguns problemas de natureza teológica e pastoral, sobretudo no que diz respeito à sua relação com cada um dos Bispos diocesanos.

7. Quando se completavam vinte anos do encerramento do Concílio Vaticano II, a Assembléia Extraordinária do Sínodo dos Bispos, celebrada em 1985, reconheceu a utilidade pastoral, antes a necessidade das Conferências Episcopais na situação atual, mas simultaneamente não deixou de observar que, "no seu modo de proceder, as Conferências Episcopais devem ter presente o bem da Igreja, a saber, o serviço da unidade, e a responsabilidade inalienável de cada Bispo para com a Igreja Universal e a sua Igreja particular".35 Por isso, o Sínodo recomendou que se explicitasse mais ampla e profundamente o estudo do status teológico e, conseqüentemente, jurídico das Conferências Episcopais, e sobretudo o problema da sua autoridade doutrinal, tendo presente o n. 38 do decreto conciliar Christus Dominus e os câns. 447 e 753 do Código de Direito Canônico.36

Fruto desse estudo, que foi pedido, é também o documento atual. Propõe-se explicitar, com estrita aderência aos documentos do Concílio Vaticano II, os princípios teológicos e jurídicos basilares das Conferências Episcopais e oferecer o enquadramento normativo necessário, para ajudar a estabelecer uma praxis das referidas Conferências que seja teologicamente fundada e juridicamente segura.

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