A g n u s D e i

PRIMEIRO CONCÍLIO ECUMÊNICO DE NICÉIA
Digressões sobre a Questão da Celebração da Páscoa
Fonte: Hefele ("História dos Concílios" vol. 1, pp. 328 e seguintes)

As diferenças no modo de fixar o período da Páscoa não desapareceram, de fato, após o Concílio de Nicéia. Alexandria e Roma não chegaram a um acordo, seja porque uma das duas Igrejas negligenciou o cálculo da Páscoa, seja porque a outra o considerou imperfeito. Na verdade, está provado, pela antiga tabela da Páscoa da Igreja Romana, que o ciclo de 84 anos continuou a ser usado em Roma, como antes. Este ciclo diferia de vários modos do de Alexandria, e nem sempre concordava com ele quanto ao período da Páscoa. Os romanos usavam um método bastante diferente dos Alexandrienses.

  1. Os romanos calculavam usando a Epacta (excesso do ano solar sobre o ano lunar: cerca de 11 dias), e começavam a contar do primeiro dia de janeiro;

  2. Os romanos erravam colocando a lua cheia um pouco mais cedo, enquanto os Alexandrienses, um pouco mais tarde;

  3. Em Roma se supunha que o equinócio caísse em 18 de março, enquanto que em Alexandria era colocado do dia 21 de março;

  4. Finalmente, os romanos ainda diferiam também dos gregos pelo fato de não celebrarem a Páscoa no próximo dia, quando a lua caía num sábado.

Mesmo no ano seguinte ao Concílio de Nicéia, em 326, como também em 330,333,340,341,345, os Latinos celebraram a Páscoa num dia diferente dos Alexandrienses.

Para por fim a esse mal entendido, o Sínodo de Sardes, em 343, como lemos nas cartas de Santa Atanásio sobre a Festa, recentemente descobertas, levantou-se de novo a questão da Páscoa, e vieram as duas partes (Alexandrienses e Romanos) para regular por meio de mútuas concessões um dia comum para a Páscoa para os próximos cinco anos. Este compromisso, após uns poucos anos, não foi mais observado. As perturbações causadas pela heresia de Ário e a divisão que causou entre o Ocidente e o Oriente, impediram que o decreto de Sardes fosse posto em execução.

Logo, o Imperador Teodósio, o Grande, após o restabelecimento da paz na Igreja, achou-se obrigado a tomar novas medidas para obter uma uniformidade completa na maneira de celebrar a Páscoa. Em 387, os Romanos celebraram a Páscoa em 21 de março e os Alexandrienses não a celebraram senão 4 semanas mais tarde, ou seja, 25 de abril, porque para eles o equinócio não foi 21 de março. O Imperador Teodósio, o Grande, então perguntou a Teófilo, Bispo de Alexandria qual a explicação da diferença. O bispo respondeu ao desejo do Imperador e fez uma tabela cronológica das Festas de Páscoa baseada sobre os princípios reconhecidos pela Igreja de Alexandria. Infelizmente, não possuímos senão o prólogo dessa obra.

Por uma solicitação de Roma, Santo Ambrósio também mencionava o período dessa mesma Páscoa em 387, em sua carta aos bispos de Emilia, e comparou com o cálculo de Alexandria. Cirilo de Alexandria abreviou a tabela pascal de seu tio Teófilo e fixou o tempo para as 99 próximas Páscoas, ou seja, de 436 a 531. Anexa a ela Cirilo demonstrou, numa carta ao Papa, que havia defeito no cálculo latino. Esta demonstração foi de novo levada, algum tempo depois, por ordem do Imperador, por Pasquasino, Bispo de Lilibeum, e Protino, de Alexandria, com uma carta ao Papa Leão I. Em consequência dessas comunicações, o Papa Leão freqüentemente deu preferência ao cálculo Alexandriense, em lugar do da Igreja de Roma. Ao mesmo tempo, também foi estabelecida a definição tão pouco considerada pelas antigas autoridades da Igreja, poder-se-ia mesmo dizer, tão firmemente em contradição a seus ensinamentos, que Cristo participou da Páscoa no dia 14 do mês hebraico de Nisan, que morreu no dia no dia 15 (e não em 14, como os antigos consideravam), que permaneceu no sepulcro no dia 16 e ressuscitou no dia 17. Na carta que agora mencionamos, Protero de Alexandria admitiu publicamente todos esses diferentes pontos.

Alguns anos mais tarde, em 457, Vítor de Aquitânia, por ordem do Arquidiácono romano Hilário, esforçou-se para fazer os cálculos romano e alexandriense concordarem. Conjectura-se que, subseqüentemente, Hilário, quando Papa, pôs o cálculo de Vítor em uso, em 456, isto é, ao mesmo tempo em que o ciclo de 84 anos chegou ao seu término. No próximo ciclo as luas novas foram definidas mais acuradamente, e as diferenças principais existentes entre os cálculos latinos e gregos desapareceram, de modo que a Páscoa dos Latinos geralmente coincidia com a de Alexandria, ou faltava muito pouco para que assim acontecesse. Nos casos em que o, em grego "ïd" caia num sábado, Vítor não quis decidir se a Páscoa deveria ser celebrada no próximo dia, como faziam os alexandrienses, ou se deveria ser adiada por uma semana. Ele indicou ambas as datas em sua tabela e deixou que o Papa decidisse sobre o que se faria em cada caso.

Mesmo após os cálculos de Vítor, ainda permaneceram grandes diferenças na forma de fixar a celebração da Páscoa, e foi Dionísio, o Pequeno, que primeiro as ultrapassou completamente, dando aos Latinos uma tabela pascal tendo por base o ciclo de 19 anos. Este ciclo correspondia perfeitamente com o de Alexandria e então se estabeleceu a harmonia que tinha sido há tanto procurada em vão. Ele mostrou a vantagem de seus cálculos tão firmemente que foram admitidos por Roma e por toda a Itália, enquanto quase toda a Gália permaneceu fiel à regra de Vítor, e a Grã-Bretanha ainda usava o ciclo de 84 anos, um pouco melhorado por Sulpício Severo.

Quando a Herptarquia (conjunto dos reinos anglo-saxãos nos séc.VI a IX) foi evangelizada pelos missionários romanos, os novos convertidos aceitaram os cálculos de Dionísio, enquanto as antigas igrejas de Gales continuaram com sua velha tradição. Daí surgiu a bem conhecida divergência britânica sobre a celebração da Páscoa, que foi levada por Columbano para Gaul. Em 729, a maioria das antigas igrejas britânicas aceitaram o ciclo de 19 dias. Ele tinha sido antes introduzido na Espanha, imediatamente após a conversão de Recaredo.

Finalmente, no Império de Carlos Magno, o ciclo de 19 dias triunfou sobre todas as oposições e assim toda a Cristandade ficou unida, porque os quartodecimanos haviam gradualmente desaparecido.