A g n u s D e i

PRIMEIRO CONCÍLIO ECUMÊNICO DE NICÉIA
Digressões sobre a Transferência de Bispos

Poucos são os casos nos quais a disciplina da Igreja mudou tão completamente como nesse que regulava ou, mais ainda, proibia a transferência de um bispo de sua sede, na qual fora consagrado, para outra diocese. As razões em que tal proibição se apoiavam eram que usualmente acontecia que as menores e menos importantes sedes eram desprezadas, e havia uma constante tentação para os bispos de tais sedes de se fazerem populares com pessoas importantes de outras dioceses, com a esperança de promoção.

Ao lado desta objeção à transferência, Santo Atanásio menciona uma razão espiritual, qual seja, a diocese era a esposa do bispo e aquele que a abandonava e assumia outra cometia um ato de injustificável divórcio e subsequente adultério.

O cânon XIV dos Cânones Apostólicos não proibia absolutamente esta prática, mas a permitia com uma justa razão e, embora o Concílio de Nicéia seja mais rigoroso, tanto quanto indicam suas palavras, proibindo aparentemente transferência em qualquer circunstância, contudo, de fato, esse Concílio concedia e aprovava transferência. No entanto, o pensamento geral da Igreja primitiva era certamente mais severo contra todas essas impróprias transferências do encargo episcopal. Não há dúvida que a razão principal pela qual São Gregório Nazianzeno resignou a Presidência do I Concílio de Constantinopla foi porque tinha sido transferido de sua obscura sede de Sasima (não Nazianzo, como disseram Sócrates e Jerônimo) para a Cidade Imperial.

Dos cânones de alguns concílios provinciais, e especificamente dos III e IV Concílios de Cartago, fica evidente que a despeito das proibições conciliares e papais, se realizavam transferências, feitas pela autoridade de sínodos provinciais e sem consentimento do Papa. Mas fica evidente também que essa autoridade era demasiado fraca, sendo freqüentemente invocada a ajuda do poder secular.

Essa orientação de ser o assunto decidido pelo sínodo estava, exatamente, de acordo com o Cânon Apostólico XIV. Dessa maneira, por exemplo, Alexandre foi transferido da Capadócia para Jerusalém, transferência feita, como é descrita, em obediência a uma revelação divina. Deve-se dizer que o Cânon de Nicéia não proibia aos concílios provinciais transferir bispos, mas proibia que os bispos se transferissem por vontade própria. O autor do tratado "De Translationibus in the Jus Orient" (i. 293, Cit. Haddon. Art. "Bishop" Smith e Cheetham, Dict. Chr. Antiq.) sintetiza o assunto exatamente com a colocação de que em grego o ato proibido era "transmigração" que se fazia pelo próprio bispo por motivos pessoais, e não "transladação", na qual a vontade de Deus e o bem da Igreja era a causa norteadora - "alguém que ia", "não que se retirava" para uma outra sede. E esta era a prática tanto no Oriente como no Ocidente, durante muitos séculos. Escritores católicos romanos tentaram provar que transladações, ao menos de sedes pequenas para sedes principais requeriam o consentimento papal, mas Thomassinus, considerando o caso de São Melécio ter transferido São Gregório de Nazianzeno para Constantinopla, admite que assim fazendo, ele teria "apenas seguido o exemplo de muitos grandes bispos dos primeiros tempos, quando o costume não tinha reservado ainda as transladações à aprovação da primeira Sede da Igreja".

Mas o mesmo erudito autor confessa francamente que na França, Espanha e Inglaterra, transladações foram feitas até o séc. IX , por bispos e por reis, sem consulta alguma ao Papa. Quando, no entanto, por motivos de simples ambição, Anthimo foi transladado de Trebizonda para Constantinopla, um religioso da cidade escreveu ao Papa, assim como o fizeram também o patriarca de Antioquia e Jerusalém, e como resultado, o Imperador Justiniano permitiu que Anthimo fosse deposto.

Balsamon distingue três espécies de transladações:

  • A primeira, quando o bispo de notável erudição e de igual piedade, é forçado por um concílio a sair de uma pequena diocese para uma maior, onde ele será capaz de prestar os mais importantes serviços à Igreja, como foi o caso de São Gregório Nazianzeno, transferido de Sasima para Constantinopla.

  • O segundo, quando um bispo cuja sede foi destruída pelos bárbaros vai transferido para uma outra sede que esteja vacante.

  • A terceira, quando um bispo, seja possuindo ou não uma sede, assume, por sua conta, um bispado que está vacante.

Era este último caso que o Concílio de Sardenha punia severamente. Em todas essas observações de Balsamon não se menciona intervenção imperial.

Demétrio Chomatenus, no entanto, que era arcebispo de Tessalônica e escreveu uma série de respostas a Cabsilas, arcebispo de Durazzo, diz que, por mando do Imperador, um bispo eleito e confirmado, e já pronto para ser ordenado para uma diocese, foi forçado a ir cuidar de uma outra que era mais importante e na qual seus serviços eram incomparavelmente mais úteis ao povo. Assim, lemos no Livro de Leis do Oriente que "se um metropolita, com seu sínodo, movido por causa digna de louvor e motivo provável, desse sua aprovação à transladação de um bispo, estaria fazendo, sem dúvida, o que deveria ser feito para o bem das almas e para uma melhor administração dos serviços da igreja etc.". Esse proceder foi adotado por um sínodo convocado pelo patriarca Manuel, em Constantinopla, na presença dos comissários imperiais. O mesmo procedimento ocorreu também por uma resposta sinodal ao patriarca Miguel que somente pediu a transladação à autoridade do metropolita e "à maior autoridade da Igreja". Mas, logo depois disso, a transladação se tornou uma regra e não houve exceção nem no Oriente nem no Ocidente.

Foi em vão que Simeão, arcebispo de Tessalônica, no Oriente, levantou sua voz contra as constantes transladações feitas pelo poder secular. Também os Imperadores de Constantinopla foram freqüentemente as autoridades absolutas na escolha e transladação de bispos. Thomassinus resume o assunto: "No mínimo, somos forçados à conclusão de que transladações não podiam ser feitas sem o consentimento do Imperador, especialmente quando eram para preencher a sede de Constantinopla".

O mesmo erudito continua: "Era comum o bispo ou o arcebispo de uma outra igreja que era escolhido para ascender ao trono patriarcal da Cidade Imperial. Os reis da Inglaterra freqüentemente usaram o mesmo poder para nomear para a sede primaz de Canterbury um bispo já aprovado no governo de outra diocese".

No Ocidente, o Cardeal Belarmino desaprovou o costume prevalecente de transladações e protestou contra elas perante o Papa Clemente VIII, lembrando-o que isso era contrário aos cânones e aos usos da Igreja Primitiva, a não ser em casos de necessidade e de grande vantagem para a Igreja. O Papa concordou inteiramente com tão sábias considerações e prometeu que assim iria fazer, exortando os príncipes a dificilmente fazer transladações. Mas as transladações continuam sendo feitas universalmente em nossos dias, e nenhuma atenção se presta aos antigos cânones e à disciplina da Igreja.